Além dos peixes, pratos regionais exploram a pimenta, o tucupi, as castanhas e ingredientes de origem indígena
Tambaqui, matrinxã, pirarucu. A culinária de Boa Vista, assim como a de toda a região amazônica do Brasil, é forte nos pescados. Em qualquer restaurante da cidade, há uma infinidade de peixes, preparados de várias maneiras -assados, ensopados, fritos, grelhados, em caldeiradas...
Mas há pratos exclusivos, muitos de origem indígena, que fazem a fama da localidade. É o caso da damorida: feita com carne de porco, de boi ou peixe, é um caldo apimentado à base de tucupi. Após moquear (um modo de assar) a carne, são acrescentados a pimenta e o tucupi.
Matriarca gastronômica da região, experimentadora e referência para os novos chefs locais, a chef Kalu Brasil é praticamente a "embaixadora" da damorida em todo o Brasil.
Além das receitas tradicionais, chefs locais e de fora têm descoberto o potencial gastronômico da cidade para fazer novas receitas utilizando cogumelos ianomâmis, pimentas de todos os tipos e cores, caxiri e tucupi.
A grande vedete deste momento é o cogumelo ianomâmi, descoberto quase por acaso. Pesquisadores do Instituto Socioambiental (ISA), uma ONG que trabalha na reserva ianomâmi, costumavam levar cogumelos desidratados para preparar seus pratos. Foi quando descobriram que os índios também produziam, e comiam, cogumelos semelhantes àqueles. Foi o passo inicial.
O cogumelo é coletado pelos próprios índios, em uma área da reserva de difícil acesso, perto da fronteira com a Venezuela. De Boa Vista até lá são três horas de avião e mais oito horas de caminhada. Nas aldeias, os índios costumam comê-lo com banana verde assada na própria folha da bananeira.
"O cogumelo ianomâmi tem tudo para ser a grande iguaria roraimense", diz o chef Beto Bellini, que busca trabalhar uma cozinha moderna com uma pegada local. "É preciso modernizar a culinária da região", afirma Bellini, que, por conta de seu trabalho com o cogumelo, já recebeu em sua cozinha vários chefs renomados, como Alex Atala.
Bellini vem fazendo várias experimentações com produtos da região. O tucupi preto, por exemplo, é feito após cozinhar o tucupi tradicional por horas, e pode ser usado tanto em receitas doces como salgadas. "Queria fazer uma sobremesa usando o cogumelo e o tucupi preto", diz o chef, explicando como criou a Ouro da Floresta, sobremesa que leva banana caramelizada, castanha do Brasil, tucupi preto, cogumelo ianomâmi e cumaru.
O chef também se inspira nos índios para elaborar coquetéis. O mais recente que criou é feito à base de caxiri, bebida alcoólica proveniente da fermentação da mandioca (no caxiri tradicional, as índias mascam pedaços de mandioca e os cospem em um caldeirão para que a mandioca fermente e produza álcool). "Mas agora ele não é mais feito assim", ironiza Bellini. O novo coquetel leva caxiri, suco de abacaxi, pimenta jequitaia, raspas de cumaru e geléia de pimenta de cheiro.
A ideia de comercializar o cogumelo como iguaria interessou os índios, que passaram a ter uma fonte de renda. Cada 15 gramas de cogumelo desidratado custam cerca de R$ 25, e a comercialização é feita pelo próprio ISA, que repassa o valor das vendas aos índios.