LEGISLAÇÃO NO BRASIL É DE VANGUARDA, MAS AINDA HÁ ESPAÇO PARA AVANÇAR

Procurador afirma que uso de drogas por caminhoneiros está ligado à 'escravidão sobre rodas'

Especialistas que estiveram na ONU para discutir os resultados da exigência do exame do cabelo na redução das mortes no trânsito foram unânimes: a legislação brasileira sobre o tema coloca o país na vanguarda mundial, mas há espaço para mais avanços.

"A incidência de mortes no trânsito brasileiro requer uma discussão jurídica de ponta. Conseguimos muitos avanços com a Lei Seca, porque havia uma questão cultural no Brasil de que a pessoa podia ir a uma festa, beber muito e dirigir. Estamos conseguindo o mesmo com a proibição de que usuários regulares de drogas dirijam veículos pesados", afirma Felipe Santa Cruz, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Rio de Janeiro.

Quando da aprovação da Lei 13.103, houve uma grande discussão sobre a implantação do exame toxicológico por alegada falta de rede de coleta. Chegaram a ser concedidas liminares suspendendo, temporariamente, a obrigatoriedade do exame. Mas a alegação não tinha fundamento e as liminares foram todas derrubadas.

Os críticos alegavam um suposto conflito entre o interesse público, de salvar vidas, e o interesse privado, de não se submeter ao exame e continuar a usar drogas e dirigir. "Esse conflito não existe porque inexistem o direito e a liberdade de se tornar instrumento de morte", afirma Marcus Vinícius Furtado Coelho, ex-presidente da OAB nacional e atual presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB. "O que prepondera é o direito à vida", diz.

Marcus Vinícius defende que o debate sobre a liberação do consumo de algumas drogas e o veto a que os usuários de drogas dirijam deve ocorrer de forma paralela. "A flexibilização do consumo de algumas drogas exige que sejamos mais rigorosos no controle de quem pode ou não dirigir ou exercer outras atividades de risco. Devemos defender essa bandeira mundialmente", afirma.

Com relação a isso, há um projeto de Lei no Congresso ampliando a obrigatoriedade do exame para os que forem tirar a primeira habilitação e também para a renovação das categorias A e B de quem exerce função remunerada como motorista.

Um dos parlamentares à frente dessa discussão é o deputado federal Hugo Leal, autor da Lei Seca. "Essa é uma preocupação mundial. Há pouco participei de um encontro com legisladores de 40 países que buscam colaborar para criar leis visando à diminuição dos acidentes de trânsito. O Brasil serve como exemplo", disse.

Outro que defende avanços na legislação é Paulo Douglas, procurador do Ministério Público do Trabalho. Ele conta que passou a se interessar mais pelo tema ao ouvir a história de uma mulher que procurou um médico do trabalho para salvar o marido, um caminhoneiro que, segundo ela, consumia "rebites" (anfetaminas).

"Decidimos testar motoristas de caminhão e constatamos que 30% deles consumiam cocaína. Por quê? Porque há uma escravidão sobre rodas no Brasil. Os caminhoneiros consomem drogas para suportar as longas jornadas de trabalho", afirma.

Douglas defende limitações rígidas para o número de horas que um motorista possa trabalhar ininterruptamente. "O exame toxicológico trouxe avanços incríveis. Mas é preciso atacar também a causa do uso de drogas, que é a jornada desumana."

Márcio Liberbaum, presidente do ITTS, concorda. "Motoristas profissionais se drogam porque sofrem com um regime escravagista que exige longas jornadas. Como o corpo não suporta, recorrem às drogas. Mas é preciso não demonizar uma categoria. A maioria dos motoristas é boa, honesta."

'Esse número de mortes não nos permite descansar'

"É preciso ter mecanismos para combater essa pandemia que são as mortes no trânsito brasileiro. São mais de cem por dia", afirma Maurício Alves Pereira, diretor do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) e presidente do Contran (Conselho Nacional de Trânsito). Ele fala com a experiência de quem já dirigiu órgãos de trânsito em níveis municipal, estadual e agora federal.

Para combater as mortes, afirma, é preciso focar no tripé engenharia (vias e veículos), fiscalização e educação. Pereira considera um grande avanço a lei que instituiu a obrigatoriedade do exame de larga janela para motoristas de veículos pesados.

As estatísticas mostram que cada acidente com veículo pesado provoca, em média, ferimentos em 32 pessoas. "A luta contra o número de mortos e feridos no trânsito é difícil e deve ser constante. É preciso uma grande corrente que una a sociedade e os órgãos públicos para alcançarmos o sucesso."

Estúdio Folha