Descrição de chapéu indústria sustentabilidade

Indústria brasileira avança na economia circular

Maioria das empresas adota alguma prática desse sistema, que conserva o meio ambiente e cria oportunidades de negócios, mas demanda mudança estrutural

A indústria brasileira tem adotado cada vez mais práticas de economia circular, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e ESG, sigla em inglês para práticas ambientais, sociais e de governança responsáveis. É um sistema que alia desenvolvimento econômico com o melhor uso de recursos naturais e com impactos sociais positivos. Reciclagem e reaproveitamento de resíduos são exemplos. Nesses casos, os descartes de uma indústria são transformados em matéria-prima para a própria, ou outra.

“É um modelo sistêmico de geração de novos valores de longo prazo com conquistas positivas para diferentes atores”, diz Aldo Ometto, professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola de Engenharia de São Carlos, da USP (Universidade de São Paulo).

Mas o conceito engloba muito mais do que produtos. Como agregar serviços ao bem produzido e aumentar sua vida útil, por exemplo. “Em vez de vender, oferecer o serviço daquele produto. A Rolls-Royce é um caso. Aluga as turbinas de avião por hora de voo, monitora e faz a manutenção. O produto é dela. A empresa quer que ele seja oferecido para vários clientes e por mais tempo”, afirma Ometto. O item gera receitas por mais tempo, há economia de recursos e agrega-se valor ao negócio com a oferta de serviços.

Trata-se do contraponto ao modelo tradicional de economia linear, de extração do recurso, transformação, uso e descarte. Pode parecer novidade, mas uma pesquisa da CNI (Confederação Nacional da Indústria) mostrou que 76,5% das empresas industriais do Brasil já adotam alguma prática de economia circular.

“Muitas empresas já faziam isso, antes mesmo de conhecerem o termo economia circular”, declara Mônica Messenberg, diretora de Relações Institucionais da CNI. Ela ressalta que o tema tem que ganhar outra dimensão no país, tendo em vista a necessidade de mudanças estruturais nas empresas para ampliar suas práticas de economia circular ao longo de toda a cadeia de valor.

O professor Ometto destaca que as companhias precisam ver essa mudança não como um ônus, mas de forma positiva, uma transformação do negócio que o faz prosperar e cria novas oportunidades de crescimento.

Isso requer parcerias com outros ramos, como fornecedores de serviços, plataformas digitais e cooperativas de catadores de material reciclável. “Esse é o grande legado da economia circular: inovações que trazem prosperidade econômica e social”, declara Ometto.

A petroquímica brasileira Braskem, por exemplo, usa plástico reciclado na produção de resinas que são matéria-prima para novos produtos, principalmente embalagens. Ao mesmo tempo, a empresa apoia cooperativas de catadores de material reciclável que fornecem esse material. “Nosso programa Ser+ foi criado em 2013 para fortalecer a inclusão social de catadores”, diz Jorge Soto, diretor de Desenvolvimento Sustentável da companhia.

“A economia circular implica uma grande mudança, desde o planejamento das empresas até o desenvolvimento de um setor industrial”, diz Messenberg. Se o resíduo de uma indústria pode ser usado como insumo de outra, é necessário integrar essa lógica nos processos e desenvolver um mercado para conectar as duas. Isso pode envolver empresas de porte menor para atuar em elos da cadeia. Algo assim já ocorre em segmentos como os de siderurgia, cimento e de eletrônicos.

NORMA INTERNACIONAL

Na esfera regulatória, o Brasil é um dos países à frente de uma iniciativa para estabelecer normas internacionais sobre o tema. “O Brasil participa como protagonista na normatização internacional da economia circular”, afirma Mário William Esper, presidente da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). A questão está sendo discutida no âmbito da Organização Internacional de Normalização (ISO, na sigla em inglês), entidade que reúne 70 países.

Esper afirma que a chamada Lei de Liberdade Econômica (13.874/19) estabelece que, se o Brasil não tiver norma escrita sobre determinado assunto, ou se ela estiver desatualizada, deve ser adotada a regra internacional relativa ao tema. Nesse caso, o regramento internacional ainda não existe.

A participação brasileira nas negociações sobre economia circular é liderada pela CNI. Mesmo com a pandemia de Covid-19, os debates seguiram acontecendo de forma virtual. A expectativa é que o Brasil receba em 2023 uma reunião internacional com especialistas do mundo inteiro.

Esper ressalta que é essencial a existência de regras internacionais para evitar que cada país adote suas próprias normas e as use para impor barreiras às exportações de outros. “As normas ISO são referência para dirimir conflitos na Organização Mundial do Comércio”, destaca.

Discussões sobre o modelo terão destaque em seminário CNI-Folha

A Folha de S.Paulo e a CNI (Confederação Nacional da Indústria) realizam em setembro o seminário online “Meio ambiente e sustentabilidade no contexto das negociações internacionais”. A economia circular e a transição gradual para esse modelo terão destaque na programação. O evento é gratuito e poderá ser assistido na Folha.com.

Serão apresentados exemplos de indústrias brasileiras de diferentes segmentos que já adotam práticas de economia circular, assim como sugestões do setor para difundir a adoção do modelo. “Nós enxergamos a necessidade de um esforço conjunto entre governo, empresas, academia e sociedade para que a economia circular se viabilize”, diz Mônica Messenberg, diretora de Relações Institucionais da CNI.

As negociações internacionais em torno do tema estarão na pauta também. Serão discutidos em que pé estão as tratativas, qual é a posição do Brasil e o que está em jogo. O uso de resíduos para geração de energia térmica e elétrica é outro ponto de discussão.

O seminário ocorrerá às vésperas da COP26, Conferência da ONU sobre o Clima, que será realizada em Glasgow, na Escócia, no mês de novembro. O artigo 6 do Acordo de Paris estará no centro das discussões, pois ele viabiliza o mercado global de carbono e, consequentemente, um desenvolvimento cada vez mais sustentável.