A sustentabilidade está em alta no mercado financeiro. Investidores, fundos e bancos buscam financiar negócios que respeitem padrões de responsabilidade ambiental, social e de governança, pilares da sigla em inglês ESG.
“O tema ganhou importância em chamadas públicas internacionais, e as instituições estão direcionando mais recursos para essa agenda”, afirma Julio Carepa, gerente de Sustentabilidade da consultoria WayCarbon, que realizou estudo sobre financiamento de projetos sustentáveis para a CNI (Confederação Nacional da Indústria).
Carlos Takahashi, CEO da gestora de fundos BlackRock no Brasil, destaca que a pauta do clima ganhou mais força com a pandemia de Covid-19 e a ocorrência de eventos raros, como as grandes enchentes na Alemanha e no Japão. “Acontecimentos imprevisíveis ganharam tangibilidade”, afirma.
Ele acrescenta que há um componente geracional. Investidores mais jovens tendem a ter uma visão mais clara do tema. “Não abrem mão do retorno, mas querem saber como o resultado foi obtido e se boas práticas foram adotadas”, diz. A BlackRock é a maior administradora de ativos do mundo, com um portfólio de cerca de US$ 9 trilhões.
A gestora avaliou o comportamento de alguns dos principais índices acionários internacionais em tempos de crise. Os ativos ligados a ESG tiveram resultados melhores que os tradicionais. “Nos períodos tranquilos, o rendimento é aderente, mas, nos difíceis, o comportamento muda. O ESG é menos volátil”, diz Takahashi.
O relatório da CNI mostra que projetos de redução e mitigação de emissões atraíram US$ 1,1 trilhão em 2017 e 2018. A América Latina e o Caribe ficaram com apenas 4,5%, enquanto a Ásia levou 38%.
Isso não quer dizer que os recursos não estão disponíveis por aqui. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) oferece financiamentos ligados ao tema. Segundo Bruno Aranha, diretor de Crédito Produtivo e Socioambiental do banco, 52% da carteira da instituição está vinculada a projetos de economia verde e desenvolvimento social.
São iniciativas que envolvem fontes renováveis de energia, mobilidade urbana, manejo florestal e agricultura sustentável. “Projetos que geram algum tipo de impacto positivo para a transição a uma economia de baixo carbono”, diz Aranha.
Além disso, linhas como Renovabio e ASG (ESG em português) estabelecem metas de redução de pegada de carbono e outros critérios socioambientais para os tomadores. Se cumpridos, resultam em juros menores.
“São estímulos para que as empresas façam a transição. Soluções financeiras que premiam quem reduz emissões”, afirma Nabil Kadri, chefe do Departamento de Meio Ambiente e Gestão do Fundo Amazônia do BNDES.
ORIENTAÇÕES
A avaliação é que falta capacitação no Brasil, tanto das instituições que querem destinar recursos para projetos sustentáveis como das empresas que desejam captar. “Não há grande clareza na definição de um fundo climático, dos critérios, um ponto em comum. E há o desafio da falta de conhecimento, de como a empresa lida com isso”, declara Carepa.
Vale ressaltar que a verificação dos compromissos é minuciosa. Takahashi ressalta que a BlackRock tem em seu portfólio US$ 2,9 trilhões em fundos com gestão ativa e 100% integrados a critérios ESG.
Ou seja, o administrador tem liberdade para buscar investimentos que levem o fundo a ser mais rentável que seu índice de referência, mas ele vai atrás exclusivamente de papéis de empresas que adotam práticas sustentáveis.
“Clima e ESG são riscos de investimento, que podem trazer impacto para a companhia, mas que podem também se transformar em oportunidades por meio de inovações tecnológicas e outras”, declara Takahashi. “Não adianta fazer nada para inglês ver”, acrescenta.
Na mesma linha, Carepa recomenda aos empresários aprender sobre o tema, entender o que essa agenda representa e descobrir qual é o papel da companhia nesse contexto.
Takahashi destaca ainda a importância de a companhia ter um conselho de administração eficiente, diverso e preocupado com sustentabilidade, além de planejamento de longo prazo e consistência na busca dos objetivos.
MERCADO REGULADO DE CARBONO TRARÁ VANTAGENS COMPETITIVAS PARA O PAÍS
O mercado regulado de carbono está na agenda global. É um sistema que permite comercializar permissões de emissões de gases de efeito estufa com segurança jurídica e transparência.
O surgimento do primeiro mercado regulado ocorreu em 1997, na assinatura do Protocolo de Kioto, e foi validado em 2004. Ele é regulado por adesão voluntária tanto de países como de empresas.
Mesmo com esse modelo, por meio do Acordo de Paris, os países discutem um novo mecanismo de mercado global de carbono (Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável, MDS) para apoiar o processo de redução de gases de efeito estufa.
No Brasil, entende-se que o mercado regulado de carbono, tanto doméstico quanto global, será importante instrumento para complementar o combate ao desmatamento ilegal, fortalecer a política de biocombustíveis e expandir as energias renováveis para o alcance das metas de redução de emissões do país.
Mas, para ser um grande competidor, o país precisa se preparar, principalmente em relação às questões de MRV (mensuração, relato e verificação) das remoções e emissões de gases de efeito estufa, além de uma boa governança.
Essa é a avaliação de Davi Bomtempo, gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI (Confederação Nacional da Indústria). “O país precisa desenvolver um arcabouço regulatório para criar as bases para um sistema robusto de relato e verificação desses projetos.”
Segundo ele, a CNI apoia também a regulamentação do mercado interno de carbono por meio da criação de um mecanismo de comércio de emissões no modelo “cap and trade” (veja quadro).
Nesse modelo, fixa-se o limite máximo de emissões de gases de efeito estufa entre os agentes regulados; emitem-se permissões de emissão equivalentes, distribuídas gratuitamente ou via leilão, podendo ser transacionadas entre empresas.
Segundo estudo feito pela CNI, essa modalidade é mais adequada para o país do que sistemas de taxação por estimular o ambiente de negócios, a inovação e a competitividade das empresas, sem aumentar a carga tributária.
Esse mercado, em 2020, movimentou US$ 53 bilhões a partir de estratégias de precificação de carbono que cobriram 21,5% das emissões globais de gases de efeito estufa, segundo o Banco Mundial.
Atenta a isso, a CNI lançou, em 2020, um guia de financiamento climático para orientar empresários sobre aspectos operacionais, econômicos e de sustentabilidade no acesso a fontes de financiamento em baixo carbono aplicáveis à indústria.
No campo legislativo, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 528, que propõe a regulamentação do mercado brasileiro de carbono. “É um projeto que traz as linhas para a implementação de um sistema de comércio de emissões, e a CNI tem trabalhado junto, de forma a trazer propostas de consenso sobre esse assunto”, diz Bomtempo.