Brasil precisa protagonizar agenda ambiental para ampliar mercados

País tem que mostrar iniciativas sustentáveis de sucesso, assumir papel ativo nos fóruns internacionais e evitar que imagem negativa seja usada para protecionismo, conclui seminário promovido pela Folha e CNI

O Brasil tem iniciativas de sucesso na área de sustentabilidade e precisa mostrá-las ao mundo para afastar a imagem negativa das recentes queimadas e desmatamentos. Tem também que assumir papel ativo nas negociações internacionais que tratam do clima e do meio ambiente e nas reuniões multilaterais. Necessita ainda aprovar mais instrumentos legais que garantam protagonismo ao país na agenda climática e ambiental.

A avaliação é que, dessa maneira, o Brasil garantirá acesso a mais mercados, financiamentos internacionais e evitará o uso de justificativas ambientais para adoção de medidas protecionistas por outros países. Essas são as principais conclusões do seminário “Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Negociações Internacionais”, promovido no dia 22 de setembro pela Folha com patrocínio da CNI (Confederação Nacional da Indústria).

Seminário do Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Negociações Internacionais na CNI
Robson Andrade, Kátia Abreu e a mediadora, Ana Carolina Amaral, no auditório da CNI, em Brasília - Antonio Molina/Folhapress

O presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, lembrou, por exemplo, que a América Latina recebe muito menos recursos de fundos climáticos internacionais do que a Ásia. “E nós temos muito mais responsabilidade com as questões ambientais”, destacou. Ele ressaltou que a COP26 (conferência do clima da ONU) será uma oportunidade para o Brasil mostrar casos de sucesso. A COP26 será em Glasgow, na Escócia, em novembro deste ano.

Andrade citou a redução de 44% das emissões de gases do efeito estufa nos processos da indústria química nacional entre 2006 e 2016; o setor cimenteiro, que emite 11% menos que a média mundial; e a área de papel e celulose, que preserva 6 milhões de hectares de matas nativas. “E 76,5% das indústrias brasileiras desenvolvem alguma iniciativa de economia circular”, disse.

Além de Andrade, o debate contou com a senadora Kátia Abreu (PP-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, e o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero), Marcelo Thomé, que é também diretor-executivo do Instituto Amazônia+21. A mediação ficou a cargo da jornalista Ana Carolina Amaral, da Folha.

Aos exemplos de Andrade, Thomé acrescentou que a CNI criou o Instituto Amazônia+21, que ele dirige, para fomentar negócios sustentáveis na região amazônica. A iniciativa reúne nove federações de indústrias de estados da Amazônia Legal. “Acreditamos que podemos contribuir com a conservação e com a geração de empregos”, declarou.

A senadora Kátia Abreu destacou que o Brasil tem cerca de 5 milhões de produtores rurais e não é interesse deles desmatar. “A maior parte da ilegalidade na Amazônia não é por parte dos produtores, mas de madeireiros ilegais”, disse. Ela observou que a conservação ambiental é benéfica aos produtores. “Tudo o que você fizer em benefício do meio ambiente vai dar um resultado para o mundo, para as pessoas, para o Brasil, e diretamente no seu bolso (do produtor)”, afirmou.

Segundo Kátia Abreu, o Brasil tem uma legislação moderna e rigorosa na área ambiental. O que ocorre desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é a desestruturação de órgãos de fiscalização como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). “Boa parte da destruição da floresta vem da falta de fiscalização”, observou a senadora.

Presidente da CNI, Robson Braga de Andrade
Robson Braga de Andrade, presidente da CNI - Antonio Molina/Folhapress

O Brasil talvez seja um dos países com maior potencial no mundo para o mercado de carbono

Robson Braga de Andrade, presidente da CNI

Responsabilidade

Para os parlamentares, a iniciativa privada, a sociedade civil e o Legislativo assumem cada vez mais protagonismo nas questões ambientais e climáticas, de forma dissociada do Executivo.

A senadora por Tocantins contou que a agroindústria criou mecanismos para se proteger de ilegalidades cometidas no campo, como um “cadastro limpo” de fornecedores para evitar comprar matérias-primas de agricultores e pecuaristas que produzem de maneira irregular.

“Com os instrumentos tecnológicos que temos hoje, é muito fácil saber quem está ilegal e quem não está”, declarou. “A agroindústria quer se proteger porque quer ser, e continuar sendo, exportadora. Se ela não se enquadrar na geopolítica, que hoje é a da mudança climática, vai estar fora do mercado”, avaliou. A senadora acrescentou que as tradings do agronegócio também excluem produtores irregulares de seus financiamentos.

A parlamentar informou ainda que o Congresso fez seu papel e dobrou o valor destinado ao meio ambiente no Orçamento da União, para R$ 390 milhões. “Acredito que o Brasil está cumprindo seu papel e o seu dever.”

Na mesma linha, Aécio contou que há dois projetos em tramitação na Câmara importantes para o meio ambiente e a transição para um modelo econômico de baixo carbono. Um deles é o PL 4734/2020, que trata da criação de um “selo agro verde” para atestar a sustentabilidade de um produto pela rastreabilidade, com o uso do CAR (Cadastro Ambiental Rural).

Já o PL 528/2021 regulamenta o mercado de redução de emissões no Brasil, o que permitirá acessar o mercado internacional de créditos de carbono. “Esses dois projetos devem ser prioridade para nós, no Congresso Nacional, ainda neste ano”, destacou o deputado. “Cada vez mais o mundo quer respostas positivas, concretas, e o Brasil tem que dar algumas respostas.”

Nesse tema, Andrade comentou que o mercado de carbono tem grande potencial no Brasil. “Talvez seja um dos países com maior potencial no mundo.” Ele afirmou que a CNI identificou quatro pontos essenciais para a agenda de baixo carbono: transição energética, precificação do carbono, economia circular e conservação florestal.

Thomé acrescentou que a indústria brasileira defende a regulamentação do mercado de créditos de carbono. “É fundamental oferecer segurança jurídica e que esses créditos possam ser efetivamente negociados.”

Segundo Aécio, os mercados regulados de carbono pelo mundo movimentaram US$ 45 bilhões em 2019. “O PL 528 propõe o monitoramento das emissões, o que nos permitirá acessar os mais de 30 mercados formais que existem hoje.”

Articulação

De acordo com Andrade, a CNI defende a abertura comercial do Brasil por meio de acordos internacionais. Para ele, o Acordo Comercial Mercosul-União Europeia (já negociado, mas que ainda precisa ser internalizado pelos países-membros dos dois blocos) e a entrada do país na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) são “motivadores e indutores” da adoção no país de normas em conformidade com os países desenvolvidos.

No entanto, o desmatamento e as queimadas no país têm gerado restrições na Europa à assinatura e ratificação do tratado Mercosul- UE. “A ratificação do acordo passa por respostas mais concretas que o Brasil possa dar em relação ao enfrentamento da questão ambiental, mas sem dúvida alguma essa é a grande nova fronteira que nós temos no horizonte”, destacou Aécio.

O deputado afirmou que o Brasil tem aliados estratégicos pela ratificação, como Espanha e Portugal. “Nós temos que fazer um esforço enorme para nos aproximar um pouco mais desses países, que podem ser nossos porta-vozes para a ratificação do acordo”, disse. “O Brasil tem que resgatar sua autoridade nos fóruns internacionais para poder impor sua agenda, e deixar de ser caudatário da agenda dos que competem conosco”, finalizou.