Economia verde vai puxar recuperação no pós-pandemia

Covid-19 acelerou mudanças que jáestavam em curso; Brasil tem condiçõesde ser protagonista nesse novo modelo, pois concentra a maior biodiversidade do planeta

Arte para o caderno CNI

Arte para o caderno CNI Divulgação

A pandemia acelerou mudanças em nosso dia a dia que vão muito além do comércio eletrônico e do trabalho remoto. A Covid-19 escancarou desequilíbrios globais e pôs a sustentabilidade sob os holofotes. Nesse sentido, o desenvolvimento sustentável tende a ser um dos pilares da retomada econômica.

“A pandemia criou necessidade de ações para induzir o crescimento, e faz algum tempo que a questão da sustentabilidade é apontada como saída”, diz Mônica Messenberg, diretora de Relações Institucionais da CNI (Confederação Nacional da Indústria).

O Pacto Econômico Europeu é um exemplo. A iniciativa da União Europeia foi lançada em 2019 e tem como principal meta neutralizar o impacto do continente no clima até 2050. De lá para cá, o compromisso ganhou força, e a UE estabeleceu um objetivo intermediário de redução de emissões de 55% até 2030.

O pacto prioriza ações dentro do bloco, mas abre espaço para cooperação internacional. “Primeiro, precisamos colocar a casa em ordem. Aí, teremos legitimidade para falar com parceiros como a China, Estados Unidos e Brasil”, afirma Ignacio Ybáñez, embaixador da UE em Brasília. “O Brasil é um parceiro estratégico e queremos que continue a ser”, afirma.

O orçamento do bloco para os próximos sete anos é superior a 2 trilhões de euros, sendo 800 bilhões para o pacote de recuperação econômica. “O pacote é completamente centrado nesta agenda (da sustentabilidade)”, declara Ybáñez. Ele acrescenta que o orçamento destina parte importante para parcerias internacionais.

O Brasil tem vantagens quando o assunto é sustentabilidade, pois concentra a maior biodiversidade do mundo, maior extensão de florestas tropicais, 12% das reservas de água doce, matriz energética majoritariamente renovável, indústria diversificada e grande mercado consumidor.

“O Brasil pode ser protagonista desse modelo”, destaca Messenberg. “Há experiências muito exitosas no setor industrial transformadas em processos economicamente viáveis. O setor se propõe a ser parte da solução”, ressalta.

A parceria estratégica do Brasil com a UE promete avançar com o acordo de associação entre o bloco europeu e o Mercosul, cujas negociações foram concluídas em 2019. O embaixador Pedro Miguel da Costa e Silva, negociador chefe do Brasil nas tratativas, diz que o acordo respeita todos os compromissos assumidos pelas partes em meio ambiente e clima.

“O acordo é de última geração e inclui todas as disciplinas”, diz o diplomata. “Fornece até instrumento adicional para tratar desses temas”, acrescenta. O tratado ainda precisa ser assinado pelos governos envolvidos e ratificado pelos parlamentos.

Negociações

Há décadas o Brasil é protagonista das negociações internacionais sobre sustentabilidade. A Rio 92 (Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento) e a Rio+20 (Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável) são exemplos.

Neste ano, o Congresso ratificou o Protocolo de Nagoia, que tem por objetivo promover a repartição dos benefícios dos recursos genéticos da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais relacionados a esses recursos. “O Brasil sempre teve protagonismo nessa discussão”, afirma Thiago Falda, presidente executivo da Associação Brasileira de Bioinovação.

Especialista no assunto, o advogado João Emmanuel Cordeiro Lima explica que recursos da biodiversidade podem ser utilizados em produtos como medicamentos e cosméticos. “Se um país prova que é a origem dos recursos genéticos, ele tem direito a receber parte dos benefícios”, diz Lima. É como se o país recebesse royalties.

Vice-presidente da Frente Parlamentar da Bioeconomia, o deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP) diz que a ratificação abre possibilidades para a exploração internacional da biodiversidade do país. “Traz segurança jurídica para o desenvolvimento de atividades.”

Em novembro, será realizada a COP26 (Conferência da ONU sobre o Clima), em Glasgow, na Escócia. Um dos temas é a regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris, que estabelece instrumentos para comercialização de créditos de carbono. Em nota, o Itamaraty afirmou que o “Brasil entende que se trata de importante passo para a efetiva implementação do acordo e dos mecanismos e processos nele previstos”.

CNI ALERTA PARA RISCO DE NOVAS BARREIRAS COMERCIAIS

A indústria brasileira está preocupada com o uso da sustentabilidade como justificativa para imposição de barreiras comerciais, numa espécie de protecionismo disfarçado. A CNI mapeou cinco novas categorias de medidas ou tendências que podem vir a se tornar obstáculos à circulação de bens. Esses tipos de medidas são relacionados a padrões privados e iniciativas de mercado; sustentabilidade; mudanças climáticas; segurança do alimento; e barreiras reputacionais.

“A indústria brasileira defende e promove transformações que tornem a produção mais sustentável e que é essencial a observância de princípios em todos esses temas. Porém, também é necessário um olhar atento para garantir que a forma da adoção dessas medidas seja respaldada por aspectos técnicos sólidos e não promovam distorções protecionistas no comércio internacional”, diz Renato da Fonseca, superintendente de Desenvolvimento Industrial da CNI.

Ele ressalta que, embora busquem objetivos legítimos, essas novas medidas, se aplicadas sem critérios ou sem embasamento técnico e científico e de modo desproporcional, podem se transformar em entraves discriminatórios e permanentes à circulação de bens em todo o mundo, com impacto direto sobre as exportações brasileiras.

Uma preocupação recente da CNI é com o mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (CBAM) que a União Europeia quer adotar. Oficialmente, ele pretende evitar a “fuga de carbono” (a migração de empresas para regiões com regras ambientais menos ambiciosas que a europeia) e nivelar a competitividade entre produtores europeus e estrangeiros. A entidade vê risco de a proposta virar barreira técnica ao comércio, prejudicando as exportações brasileiras ao bloco, em especial de ferro e alumínio.