País pode ser protagonista em bioeconomia

Produção sustentável tem aumentado nos últimos anos, com geração de riquezas a partir do uso de recursos biológicos aliado à inovação

Arte para o caderno CNI

Arte para o caderno CNI Divulgação

O Brasil tem uma oportunidade única de ocupar um papel de destaque entre as economias mundiais por meio da bioeconomia, uma forma de produção sustentável que está ganhando destaque nos últimos anos.

A bioeconomia produz renda e riqueza a partir dos recursos biológicos, da tecnologia, da inovação e da sustentabilidade. O país já tem uma vantagem natural: detém 20% da biodiversidade do planeta, a maior do mundo.

Esse modelo de produção industrial sustentável, com uso de recursos biológicos, é amplo: medicamentos, biocombustíveis, cosméticos, tecidos, entre outros produtos.

Segundo o estudo “A Bioeconomia Brasileira em Números”, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), as vendas nesse modelo movimentam US$ 326 bilhões por ano.

E há espaço para expandir. Na União Europeia, por exemplo, a bioeconomia movimenta 2,3 trilhões de euros, quase o PIB (Produto Interno Bruto) da França, a 7ª economia do mundo, e emprega 18 milhões de pessoas. No Brasil, a biotecnologia industrial, um dos segmentos da bioeconomia, pode acrescer US$ 53 bilhões ao PIB por ano daqui a duas décadas. Para isso, as empresas do setor precisariam investir aproximadamente US$ 132 bilhões ao longo dos 20 anos.

Especialistas brasileiros apontam que, de fato, esse modelo industrial pode fazer a diferença para o Brasil. Um deles é Gonçalo Pereira, professor de genética e pesquisador de bioenergia da Unicamp.

Para Pereira, a bioeconomia cria empregos e gera energia que captura o CO2. “Temos que alterar a gestão de energia do planeta. Hoje, a gente vive a ‘fossil economia’. Só estamos aumentando as emissões de CO2”, diz o professor, que também foi consultor do estudo “Bioeconomia e a Indústria Brasileira”, da CNI (Confederação Nacional da Indústria).

Esse estudo confirma que o Brasil pode ser protagonista em bioeconomia, que tem como base o uso de tecnologia 4.0 para fabricação de produtos de alto valor agregado com recursos da biodiversidade.

De acordo com o estudo, um caminho para dar mais agilidade à agenda de bioeconomia no país seria destinar parte dos investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação em cadeias já consolidadas, como a de produtos a partir da cana-de-açúcar (etanol), e os de base florestal (papel e celulose), em que o país é um dos maiores produtores mundiais.

A Raízen, referência global em bioenergia, principal fabricante de etanol de cana-de-açúcar no mundo e 4ª maior empresa do Brasil, investe há anos na bioeconomia. E, de acordo com Cláudio Oliveira, VP de Relações Institucionais e de Sustentabilidade da companhia, para isso há um “aliado essencial”: a tecnologia.

“Rendimento significa eficiência nas operações e produtividade no campo. Trabalhamos para ‘fazer mais com menos’. Quanto mais produto obtivermos da mesma cana-de-açúcar, menores são o custo e o impacto da operação e maiores são os benefícios gerados para a sociedade”, afirma Oliveira.

Outro setor da indústria brasileira que pode crescer ainda mais com o fortalecimento da bioeconomia é o de medicamentos, em que muitos fármacos modernos já utilizam recursos naturais.

Reginaldo Arcuri, presidente do grupo FarmaBrasil, diz que o setor depende de muito investimento, pois há muito trabalho científico e pesquisa envolvidos. “É preciso uma cadeia de produção sustentável e articulação com as comunidades que fornecem as plantas. O plantio e a coleta são feitos respeitando o princípio de sustentabilidade e o ESG (sigla em inglês para governança ambiental, social e corporativa).”

Elizabeth de Carvalhaes, presidente executiva da Interfarma, também destaca que o investimento em pesquisa e desenvolvimento é importante. Ela aponta ainda que o uso de insumos biológicos pela indústria tende a crescer mais porque a indústria farmacêutica está sempre em busca de novos medicamentos e terapias.

A executiva ressalta ainda a necessidade de mais aportes na formação de cientistas, aperfeiçoamento de normas e do sistema de inovação. A clareza das regras e a segurança jurídica são fundamentais, de acordo com Elizabeth. “O Brasil não pode desistir de ter um sistema de propriedade intelectual robusto e efetivo que proteja o investimento e os esforços realizados pela indústria e pelos cientistas.”

Outra defensora de mais incentivos é Cristina Ropke, diretora de Inovação do Grupo CentroFlora, que produz insumos para o segmento farmacêutico. Segundo ela, há bons exemplos no país que estão dando certo.

Um deles é o Sirius, acelerador de partículas que permitirá ampliar pesquisas em nanotecnologia, biotecnologia e ciências ambientais, por exemplo. “Ele é baseado 80% em tecnologia nacional e é um dos mais modernos do mundo.”

Quem também aposta na biodiversidade é a Natura, uma das maiores no mundo dentro do emergente mercado da bioeconomia de alto valor agregado.

Denise Hills, diretora global de sustentabilidade da Natura, diz que hoje a empresa conta com 38 ingredientes da biodiversidade amazônica em seus produtos. “Nossa meta para 2030 é chegar a 55 bioativos”, conta.

INSTITUTOS SENAI DE INOVAÇÃO ESTIMULAM PARCERIAS

Para o Brasil se tornar potência em bioeconomia é fundamental investir em inovação, pesquisa e desenvolvimento. O Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) está fazendo sua parte. Por meio de sua rede de 26 Institutos Senai de Inovação, lida com linhas de pesquisa aplicada e desenvolvimento de produtos a partir de recursos genéticos da biodiversidade brasileira.

Em 2020, no auge da pandemia, e mesmo diante de todas as adversidades, foi criada a Rede Senai de Biologia Molecular, com um investimento de R$ 21,4 milhões, envolvendo 13 institutos, para disponibilizar serviços laboratoriais para diagnóstico e combate ao coronavírus.

“Não só o Senai tem um grande papel na inovação de produtos da bioeconomia brasileira como também no apoio ao enfrentamento da Covid-19”, conta Rafael Lucchesi, diretor-geral do Senai.

Um dos cases de sucesso foi com o álcool em gel, que, em março de 2020, início da pandemia, desapareceu do mercado. O Senai propôs desenvolver um espessante extraído da madeira para o saneante à indústria de papel e celulose Klabin e à indústria de cosméticos Apoteka.

Segundo Lucchesi, o espessante tradicional é à base de petróleo e importado. Em menos de três meses, o produto, que já estava sendo pesquisado, foi levado ao mercado e, inclusive, patenteado pela Klabin.

“Essa é a tônica do Instituto Senai, aplicar conhecimento que existe para gerar negócios rápidos para o mercado. O Senai pegou um produto um pouco desenvolvido e em três meses o levou ao mercado”, afirma Paulo Coutinho, diretor do Instituto Senai de Inovação em Biossintéticos.

Um dos parceiros no desenvolvimento de novos produtos é a Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção). Segundo Fernando Pimentel, presidente da entidade, há vários projetos de fibras e tecnologia desenvolvidos com diversos Institutos do Senai. “Sem inovação, a indústria para”, diz Pimentel.

Com o setor têxtil, outro exemplo de inovação foi o desenvolvimento de um tecido capaz de neutralizar o novo coronavírus. O projeto envolveu o Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil (Senai Cetiqt), a BioManguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz, e a Diklatex. Os tecidos desenvolvidos foram capazes de inativar mais de 99% das partículas do coronavírus.

Mas o avanço da bioeconomia depende, entre outros fatores, de aperfeiçoamentos no sistema de inovação. Um problema apontado pela CNI é o bloqueio de recursos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Em 2020, apenas R$ 600 milhões de R$ 5,2 bilhões do fundo foram liberados. Mesmo com a aprovação da Lei Complementar 177/2021, proibindo tal contingenciamento, não houve a liberação integral dos recursos previstos para este ano, pois o Orçamento foi sancionado sem a previsão de verbas integrais para o FNDCT. A CNI considera urgente que o governo recomponha o Orçamento para que a lei seja cumprida.