Na quarta-feira 30 de outubro, cidades da região de Valência, na Espanha, amanheceram destruídas, após uma histórica tempestade que deixou mais de 200 mortos. Naquele mesmo dia, enquanto moradores espanhóis procuravam por sobreviventes, as indústrias de seguro do Brasil e do Reino Unido discutiam em Londres seu papel e seus desafios diante da crise climática.
Durante o primeiro "Brazil – UK Insurance Forum", evento realizado na embaixada do Brasil na capital britânica, especialistas debateram como garantir que a proteção oferecida pelos vários tipos de seguro chegue a mais pessoas e comunidades para que possam enfrentar melhor futuras tragédias causadas pelas mudanças no clima da Terra.
"Em 2023, as perdas econômicas globais com desastres naturais somaram US$ 280 bilhões, mas somente US$ 108 bilhões foram cobertos por seguros. Apenas 38% do total", disse Mervyn Skeet, diretor-geral de Política de Seguros da Associação de Seguradores Britânicas (ABI), citando números do instituto suíço Swiss Re. "Essa lacuna de proteção torna mais difícil para empresas e pessoas se recuperarem."
No Brasil, o desafio é ainda maior. "Recentemente, no Rio Grande do Sul, nós tivemos 60 mil pedidos de indenização relativos às enchentes no estado, com aproximadamente R$ 6 bilhões em pagamentos de indenizações", disse o presidente da CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras) e ex-ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Dyogo Oliveira, em seu discurso de abertura do fórum. "Isso para uma perda total estimada em R$ 100 bilhões. Apenas 6% da perda econômica no Rio Grande do Sul estava segurada."
Coorganizado pela CNseg e pela ABI, o evento em Londres reuniu líderes do setor de seguros e outras áreas da economia do Brasil e do Reino Unido, numa iniciativa que marca uma nova era de cooperação entre as indústrias seguradoras dos dois países. "Os dois países já estão conectados em relações bilaterais entre empresas", explicou Oliveira ao final do evento. "Mas nunca tinha havido uma discussão integrada entre os dois mercados."
DE OLHO NO FUTURO
Skeet, da ABI, comandou o primeiro painel do evento, sobre os novos desafios apresentados pelas mudanças climáticas. Citando outros dados recentes do Instituto Swiss Re, ele afirmou que, em relação ao PIB, as perdas causadas por catástrofes mais que dobraram nos últimos 30 anos.
Entre os debatedores, um consenso claro: o de que as mudanças climáticas estão criando uma realidade inédita, para a qual padrões e modelos que funcionavam anteriormente não são mais eficazes. Segundo Daniel Castillo, vice-presidente da empresa de resseguros IRB(Re), a utilização de métodos probabilísticos, tradicional no setor, não é mais suficiente.
"O grande problema com as mudanças climáticas é que elas têm ficado cada vez piores. Você não pode mais olhar para o espelho retrovisor, você tem que pensar nos crescentes riscos que teremos no futuro", afirmou. "Temos trabalhado com colegas do Reino Unido para estabelecer métodos para calcular a exposição a catástrofes. Apenas olhar para o passado não funciona mais, precisamos de modelagem."
O CEO da Guy Carpenter Brazil, Pedro Farme d’Amoed, concordou que a modelagem é uma das áreas em que o setor de seguros pode contribuir significativamente no enfrentamento de tragédias climáticas. Segundo ele, isso pode levar a uma compreensão muito mais realista de riscos futuros. "A indústria pode contribuir na quantificação do risco, para entendê-lo, para que apólices possam ser medidas em torno da percepção correta de risco."
COMUNIDADES VULNERÁVEIS
Com a COP 29, conferência da ONU sobre o clima, sendo realizada neste mês de novembro no Azerbaijão, Mervyn Skeet lembrou que o setor pode exercer um papel importante na adaptação e na resiliência de populações contra os efeitos das mudanças climáticas, por meio de parcerias com o poder público. Farme d’Amoed disse que o maior desafio nesse sentido é levar o seguro para comunidades que, por falta de capacidade financeira, estão hoje à margem desse serviço.
Segundo ele, há exemplos na América Latina (em países como Peru, Chile e México) em que parcerias público-privadas garantem a aquisição de seguros para áreas e populações mais vulneráveis. "O próprio governo pode ser um comprador maior de seguros", disse Farme d’Amoed, lembrando que o Estado precisa proteger seu próprio patrimônio, como estradas e escolas que devem ser reconstruídas após uma tragédia de grandes proporções.
O presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, afirmou que as mudanças climáticas são um grande desafio para o setor de seguros "porque quebram a série histórica", importante para qualquer cálculo de risco. "Costumava haver uma seca no Rio Grande do Sul a cada dez anos. Nos últimos dez anos, houve quatro. Os modelos matemáticos usados pelo setor de seguros estão sendo revisados para lidar com essa nova situação."
A aproximação das indústrias de seguro do Brasil e do Reino Unido, segundo Oliveira, ajuda no enfrentamento desses novos desafios. "Estar mais conectado com o mercado aqui de Londres, que tem grande capacidade técnica e muita experiência, permitirá que o Brasil se adapte mais rapidamente a esse cenário."
*Conteúdo patrocinado produzido pelo Estúdio Folha