Olhar para a criança

Emiliano Capozoli/Estúdio Folha
Ariany de Matos Souza e o fi lho Gabriel, que participam do programa

Programa Família que Acolhe atende de gestantes a crianças até 6 anos

A dona de casa Eloide Carvalho da Silva, 28, tem cinco filhos -a mais velha, Lindainara, com 10 anos. Mas foi ao engravidar de João Filipe, no ano passado, que ela procurou o Programa Família que Acolhe, da Prefeitura de Boa Vista.

Mesmo com toda sua experiência, Eloide diz ter se surpreendido com o que aprendeu sobre alimentação, seu corpo e, principalmente, sobre o desenvolvimento dos bebês. Mas não foi apenas João Filipe e a mãe que se beneficiaram. "Hoje, aprendi a lidar com a Lindainara, a falar com ela. Antes, eu só gritava", admite.

Eloide é uma das 9.258 participantes de um programa que é reconhecido no Brasil e lá fora como inovador no cuidado da primeira infância. Voltado às mães de baixa renda, muitas ainda adolescentes, o projeto atende da gestante à criança de 6 anos, garantindo o acesso à saúde, à educação e ao desenvolvimento social de maneira integrada.

Para isso, monitora a realização do pré-natal e incentiva a gestante a participar da Universidade do Bebê, ciclo de palestras e oficinas que enfatizam a importância de se relacionar com a criança em todas as fases da vida. "Os primeiros mil dias são os mais importantes na vida de uma pessoa. E é nessa fase que precisamos focar nossa energia para mudar uma geração", afirma a prefeita Teresa Surita (PMDB), que implantou o projeto em 2013. "O foco é a criança, mas queremos mudar comportamentos", diz.

De lá para cá, o programa já contou com parcerias com a Universidade Harvard (EUA), onde Teresa conheceu os primeiros estudos sobre o tema, a Fundação Bernard Van Leer, da Holanda, e o Instituto Maria Cecília Vidigal, entre outros. No ano passado, a prefeita esteve em Nova York, apresentando o projeto no encontro do Pacto Global para o Desenvolvimento da Primeira Infância. O Programa Família que Acolhe é uma das referências do governo federal na implantação do "Criança Feliz", que já está sendo instituído em todo o Brasil.

Eloide acompanhou, entusiasmada, a oficina Brincar, onde mães e pais aprenderam a reunir objetos simples, como canecas, panelas e colheres, que ajudam no desenvolvimento da criança. Ao lado de Eloide estava o ajudante de pedreiro Whellington Rodrigues, 18, com o filho Whellington Jr, de 11 meses, e a namorada Uelma Vieira, 16. "Aqui a gente conversa muito sobre como educar os filhos. Eu mesmo, quando criança, apanhava muito e isso me causava uma certa revolta. Vou ser um pai diferente", promete.

Uelma, além de aprender como cuidar da criança, teve acesso, pela primeira vez, a informações sobre planejamento familiar. Evangélica, ela disse que os pais nunca conversaram sobre sexo ou métodos de prevenção.

INTEGRAÇÃO
O programa é coordenado pelas Secretarias de Gestão Social, Educação, Saúde, Comunicação e Finanças. "Coloquei o secretário das Finanças na presidência para não faltar dinheiro. É a nossa prioridade", diz a prefeita.

A implantação do programa foi facilitada, segundo a prefeita, porque se aproveitou a estrutura já existente nos postos de saúde e creche. As grávidas que participam das oficinas e mantêm em dia os exames de pré-natal recebem um enxoval.

"Agora as pessoas deixaram de vir só pelo enxoval, percebendo os benefícios para toda a família. Tanto que tem muita gente que, mesmo não podendo ser atendida pelo programa por não se encaixar nos critérios socioeconômicos, participa das oficinas", diz Thayssa Cardoso, secretária de Projetos Especiais.

Dados da prefeitura apontam que as taxas de consultas pré-natal cresceram 46% de 2012 a 2015 e a taxa de mortalidade infantil passou de 13, em 2009, para 11,6 em 2015.

As mães que participam do programa têm vaga assegurada nas creches, onde entra uma outra fase importante do programa. Além da continuação das oficinas, as crianças têm de levar dois livros para casa para lerem com os pais. "Não é só a questão da leitura, mas de aproximar a família. Temos livros apenas com figuras para que os pais que não saibam ler também participem", afirma Elizana Lindoso Sousa Chagas, gestora da Casa Mãe Vovó Rosa.

Mãe do menino Gabriel, 3, a vendedora Ariany de Matos Souza, 28, diz que não tinha o hábito de ler até começar a participar do programa. Ela começou a ler e a cantar para Gabriel quando ele ainda estava na barriga e, quando o filho começou a frequentar a Casa Mãe, a tarefa da leitura contou com a ajuda do marido, que é mais "paciente".

Além do Programa Família que Acolhe, a cidade está participando de parcerias em todas as áreas voltadas à criança, como o Urban 95, que estimula arquitetos e urbanistas a pensar projetos para a transformação da cidade a partir dos 95 cm -a altura média de uma criança de 3 anos.

A meta da gestão de Teresa Surita é transformar Boa Vista, a capital com o menor orçamento do país, na capital da primeira infância e a primeira em qualidade de vida. "Vamos conseguir? É muito difícil, mas a gente vai tentar", afirma Teresa Surita.