Furar o dedo mais de 10 vezes ao dia para medir a glicemia (o nível de açúcar no sangue) é problema menor perto dos riscos que a variação da glicose pode causar à saúde das pessoas que vivem com diabetes.
“Quando não tratado da maneira correta, o diabetes pode resultar em problemas cardíacos, circulatórios, renais e oculares, além da degeneração dos nervos”, afirma o endocrinologista Domingos Malerbi, presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e membro do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein.
A doença atinge mais de 16 milhões de brasileiros e 463 milhões de adultos no planeta. O Brasil, segundo dados da Federação Nacional das Associações e Entidades de Diabetes, é o terceiro país do mundo que mais gasta com a doença.
Segundo os especialistas, tratar o diabetes da maneira correta vai além de tomar remédios ou aplicar insulina. “O ponto mais importante do tratamento é o controle da glicose”, diz a endocrinologista Monica Gabbay, professora afiliada da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do departamento de Diabetes Mellitus 1 da SBD.
Ela explica que o diabetes é uma doença vascular. “A glicose elevada ou a grande oscilação de glicemia danifica as paredes dos vasos sanguíneos e pode afetar várias áreas do corpo. Se atinge os olhos, pode levar à cegueira, no coração, há risco de infarto, no cérebro, aumenta a probabilidade de AVC, nas extremidades, pode causas problemas circulatórios e até amputação.”
Até cinco anos atrás, o controle da glicemia pelas pessoas com diabetes era feito apenas por monitoramento capilar ou furo no dedo, que aponta o nível de glicemia naquele momento. Segundo Malerbi, quem tem diabetes tipo 1 precisa fazer pelo menos oito ou nove medições de glicemia ao longo do dia.
Esse monitoramento passou por uma revolução com o desenvolvimento da tecnologia FreeStyle Libre, da empresa de cuidados para a saúde Abbott, disponível no Brasil desde 2016. A tecnologia dispensa a necessidade de furar o dedo para controlar a glicose, já que a medição é feita por um pequeno sensor que armazena automaticamente uma medição de glicose minuto a minuto, mantendo até 8 horas de dados salvos. O leitor que captura as informações armazena o histórico de até 90 dias de dados completos de glicose.
Os especialistas afirmam que o uso do sensor aumenta o engajamento das pessoas no tratamento do diabetes. “Ele passa a ver o que acontece com a glicose ao longo do dia. Nos gráficos, as informações sobre o diabetes aparecem em cores, bem lúdico. O verde mostra quando a glicose está em um nível bom. Os outros dados aparecem em vermelho, amarelo e laranja. Fica muito mais fácil para a pessoa acompanhar e entender que seu comportamento alimentar reflete nos dados”, afirma Gabbay. Isso acontece até com quem tem diabetes tipo 2, que costuma monitorar a glicose poucas vezes por dia.
Malerbi afirma que o uso da tecnologia ajuda as pessoas a assumir o protagonismo no controle do seu tratamento. “A pessoa que usa o sensor tem queda na hemoglobina glicada, o que representa uma incidência menor de doenças renais, oculares e cardíacas. E isso pode reverter em uma diminuição nos gastos com essas doenças e em uma melhor qualidade de vida. Se a pessoa com diabetes tem um problema renal que exige diálise, esse tratamento será mais oneroso e com mais impacto na saúde do paciente”, afirma o médico, ao defender que a tecnologia seja mais acessível para as pessoas.
“Existem vários estudos que mostram o custo-efetividade dessa tecnologia considerando a economia de recursos gerada com a redução das consequências crônicas do diabetes”, diz o endocrinologista.
Monica Gabbay concorda. Ela afirma que, em vários países da Europa, pacientes com o diabetes tipo 1 têm o direito de receber o sistema de monitoramento de glicose do governo. Já nos Estados Unidos, as seguradoras de saúde arcam com os custos do equipamento. “As seguradoras entenderam que é muito mais barato dar suporte para essas pessoas com a monitorização da glicose do que arcar com os custos de internação por conta de uma hipoglicemia grave ou por cetoacidose diabética.”
O FreeStyle Libre também beneficia quem tem diabetes do tipo 2, ressalta Gabbay. “Às vezes a hemoglobina glicada, exame que mede a variação média da glicemia no período de três meses, apresenta um número considerado bom e a pessoa acha que o diabetes está bem controlado. Quando coloca o sensor, ela descobre que tem muitos picos de hipoglicemia e hiperglicemia.”
O sensor, lembra a especialista, também é fundamental para prevenir crises de hipoglicemia noturna e hipoglicemia grave (quando a queda dos níveis de glicose podem levar a complicações graves e até a morte).