Avanços na genética aceleram diagnósticos de doenças raras

Jornada do paciente envolve romaria por médicos, tratamentos incorretos e vários anos até o diagnóstico certo; Fevereiro Lilás destaca importância da informação sobre o tema

Núbia Firmino de Araújo nunca havia tido problemas de saúde até que, aos 2 anos, a mãe, Carla, percebeu que a pupila da menina começou a se movimentar involuntariamente de um lado para o outro. Carla procurou o posto de saúde e o pediatra a encaminhou para um neurologista. Começava aí uma jornada de seis anos até ter o diagnóstico de uma doença rara, Defeito do Metabolismo Intracelular da Cobalamina, um erro inato do metabolismo.

Nesses seis anos, a jornada de Núbia foi feita de esperas, diagnóstico incorreto e agravamento de sintomas. Depois do movimento involuntário dos olhos, a menina passou a perder o controle dos braços. "Ela lançava os objetos que estava segurando como se levasse um choque", conta a mãe. Após dois anos dos primeiros sintomas, teve um diagnóstico de "problema funcional nas ondas cerebrais" e começou a tomar medicamentos anticonvulsivos.

"As crises paravam por um tempo, mas voltavam mais fortes. E o médico aumentava a dose do remédio", diz Carla. Até que, em 2019, aos 8 anos, Núbia começou a ficar apática: deixou de sorrir, de falar, de se movimentar e até de comer. Perdeu 13 quilos em uma semana.

Após uma romaria por hospitais, foi constatada uma trombose cerebral e, enfim, o diagnóstico correto da doença rara, a partir de exames genéticos realizados no Hospital São Paulo, ligado à Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Núbia Firmino de Araújo, que demorou seis anos para receber o diagnóstico correto de uma doença rara
Núbia Firmino de Araújo, que demorou seis anos para receber o diagnóstico correto de uma doença rara - Divulgação

Depois de um mês internada e com a medicação certa, Núbia foi retomando as funções e hoje está bem, apesar das sequelas neurológicas e motoras. "Ela tem dificuldade no aprendizado e ficou com um gingado ao andar. Algumas funções de equilíbrio ficaram comprometidas e também perdeu parcialmente a sensibilidade da sola dos pés", conta a mãe.

Fechado o diagnóstico de uma doença rara, conseguir a medicação, em geral de alto custo, é outro desafio. "Os remédios custam cerca de R$ 3.000,00 por mês. Tenho conseguido pegar gratuitamente, mas pago pelas fórmulas manipuladas e pelas vitaminas que a nutricionista receitou", diz Carla, que é funcionária pública do município de Arujá (SP).

A história de Núbia e Carla representa bem a jornada do paciente de doenças raras no Brasil. São consideradas raras as doenças que atingem 65 pessoas para cada 100 mil habitantes. Parece pouco? Não, se considerarmos que existem cerca de 7.000 doenças raras catalogadas que, juntas, atingem de 3,5% a 6% da população mundial. Só no Brasil, cerca de 13 milhões de pessoas são portadoras desse tipo de doença (veja quadro).

O impacto dessas doenças em termos globais motivou a criação do Dia Mundial da Doença Rara: 28 de fevereiro. No Brasil, o Fevereiro Lilás é o mês de conscientização das doenças raras.

"Ter um dia e um mês especiais para doenças raras é importante para difundir informações e conhecimento, para que as pessoas leigas e os profissionais de saúde saibam que essas doenças existem e que há exames que podem ajudar a diminuir o tempo do diagnóstico, que varia de cinco a dez anos, em média, mas pode demorar décadas", afirma a geneticista Cecília Micheletti, que atendeu Núbia no Hospital São Paulo. Ela é médica do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina e assessora médico-científica de Genética Médica do DLE/Grupo Pardini. O DLE é um laboratório especializado em genética humana e doenças raras — a maior referência no assunto no Brasil.

Segundo Cecília, cerca de 80% das doenças raras se manifestam na infância. "Mas, muitas vezes, o diagnóstico só acontece na idade adulta. É a odisseia diagnóstica, em que o paciente passa por vários médicos sem conclusão. Não bastam apenas os exames, é importante que os médicos considerem a hipótese de uma doença rara diante da dificuldade de diagnóstico e encaminhem para um especialista."

Armando Fonseca, diretor médico-científico de Medicina Personalizada do Grupo Pardini, afirma que 72% das doenças raras são decorrentes de fatores genéticos. "Por isso, a utilização de técnicas laboratoriais de sequenciamento genético nessas pessoas, em muitos casos, é importante para se chegar a um diagnóstico definitivo. E o programa mais abrangente e eficiente no mundo para diagnóstico precoce e prevenção de doenças genéticas tratáveis é a triagem neonatal, conhecida como Teste do Pezinho."

O exame permite identificar diversas doenças genéticas ou metabólicas graves a tempo de interferir no curso da doença, permitindo o tratamento precoce. A coleta de uma amostra de sangue do bebê, comumente realizada no calcanhar, pode ser feita ainda na maternidade, a partir de 48 horas depois do nascimento. Essa amostra de sangue coletada em papel filtro é utilizada para a realização de exames que compõem a triagem neonatal biológica.

No Brasil, o Teste do Pezinho é uma triagem neonatal obrigatória e gratuita para seis doenças: hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria, hiperplasia adrenal congênita, deficiência da biotinidase, fibrose cística e hemoglobinopatias.

No ano passado, foi sancionada lei que amplia para 50 o número de doenças rastreadas pelo Teste do Pezinho oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A ampliação acontecerá em etapas, a partir de maio deste ano (veja quadro).

Fonseca, que há mais de 35 anos trabalha com o Teste do Pezinho, conta que, com o avanço da medicina, o número de doenças rastreadas foi ampliado. O laboratório DLE, do Grupo Pardini, oferece seis tipos de testes de triagem neonatal —para 12, 34, 59, 92, 94 e +de 300 doenças (Teste do Pezinho Nova Era).

"O avanço tecnológico possibilitou o diagnóstico de doenças raras. E o DLE tem o maior portfólio do Brasil para diagnóstico dessas doenças: cerca de 5.000 exames, como o Sequenciamento de Exoma com CNV (que avalia cerca de 20 mil genes), o SNP Array (análise cromossômica para investigação de várias doenças) até estudos de painéis relacionados a grupos de doenças e genes isolados", afirma.

Nova Era

Análise genética associada a análises bioquímicas fazem a triagem de mais de 300 doenças potencialmente tratáveis e que podem ter o curso natural modificado quando identificadas precocemente (antes do aparecimento dos sintomas).