O parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial, a LPI, que permite a ampliação do prazo de validade das patentes no país, foi alvo de críticas de todos os especialistas presentes no webinário “Genéricos e Biossimilares: oportunidades e entraves para ampliar o acesso a medicamentos no país”.
O dispositivo prevê prazo de dez anos depois da concessão, ou seja, do reconhecimento da patente pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), o que pode aumentar em alguns anos a duração da patente, estabelecida pela própria LPI em 20 anos. Na prática, as patentes farmacêuticas levam, em média, 13 anos para ter a concessão autorizada, mas há casos em que a decisão final do Inpi demora 18 anos – isso cria uma imprevisibilidade no mercado, já que os laboratórios não sabem quando exatamente poderão começar a comercializar os genéricos e os biossimiliares desses medicamentos.
“Esse mecanismo vai além do previsto pelo acordo internacional”, lembrou Julia Paranhos, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), referindo-se ao TRIPs, sigla em inglês do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, que envolveu mais de 160 países, determinou a proteção de patentes aos signatários e deu origem à LPI.
“Enquanto as patentes estão vigentes, as empresas não podem comercializar, mas podem pesquisar, desenvolver e fazer investimentos. Saber quando as patentes vão ser finalizadas é essencial para esses investimentos”
Julia Paranhos, pesquisadora da UFRJ
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar no próximo dia 7 de abril a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), que questiona a compatibilidade do parágrafo único do artigo 40 com a ordem constitucional. A ação foi movida pela Procuradoria Geral da República (PGR) e tem a participação da PróGenéricos, como amicus curiae, e de outras entidades empresariais como a Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas especialidades, a Abifina, e o Grupo FarmaBrasil.
O julgamento foi antecipado a pedido da PGR sob o argumento de que “a atual conjuntura sanitária, decorrente da epidemia de Covid-19” exige a imediata suspensão dos efeitos da norma em questão.
Julia Paranhos apresentou no webinário os resultados de um estudo sobre as consequências do dispositivo ao SUS. “Olhamos as compras estratégicas do Ministério da Saúde, identificamos alguns medicamentos que foram comprados em grandes quantidades, com valor bastante elevado, e quais tinham patentes extendidas ou com grande potencial de extensão. Calculamos, então, qual seria o custo adicional desnecessário devido ao parágrafo único do artigo 40. Nas nossas estimativas, identificamos uma possível redução nos gastos do SUS de R$ 1,2 bilhão só para quatro medicamentos.”
O estudo observou também que, no mercado internacional, onde não há extensão da patente, houve queda significativa dos preços desses medicamentos. “Foram reduções de 58% a 99% do preço pago pelo ministério, entre 2014 e 2018”, afirmou Paranhos.
Arystóbulo Freitas, advogado especializado em patentes, também entende que o dispositivo da lei gera insegurança à indústria e acaba sendo um desincentivo. “Somos favoráveis ao prazo legal da patente, que é de 20 anos, qualquer coisa que vá para além de 20 anos tira a previsibilidade, a segurança jurídica e restringe o acesso da população aos medicamentos”.
Ele lembrou que a entrada no processo de reconhecimento da patente no Inpi já possibilita a defesa dela, inclusive na Justiça, para evitar que qualquer empresa a copie. “Da data em que o depósito é realizado até a concessão, mesmo com esforços hercúleos do Inpi, pode-se demorar. Chega-se à concessão 13 ou 14 anos depois, daí somam-se mais dez. Ou seja, são quase 25 anos no retardo do produto genérico”, exemplificou Freitas.
“Somos favoráveis ao prazo legal da patente, que é de 20 anos, qualquer coisa que vá para além de 20 anos tira a previsibilidade, a segurança jurídica e restringe o acesso da população”
Arystóbulo Freitas, advogado especialista em patentes
Responsável por todas as patentes, não só as dos medicamentos, o Inpi trabalha para zerar o backlog, como é chamado o passivo gerado pelo atraso do exame de pedido de patentes. “Estamos acelerando ao máximo. Esse é o grande compromisso do nosso programa de combate ao backlog, que foi muito bem-sucedido”, afirmou Claudio Vilar Furtado, presidente da instituição.
Apesar dos esforços em acelerar a análise da concessão de patentes, Furtado também critica o dispositivo. “O parágrafo único do artigo 40 deve ser prescrito da legislação brasileira. Ele é altamente lesivo aos interesses nacionais, na minha opinião”, afirmou. Segundo ele, caso o parágrafo único seja julgado inconstitucional, cerca de 8,9 mil pedidos, depósitos de patentes até 2010 que não foram examinados, perderão o direito a uma eventual extensão.
“Hoje o ambiente de negócios brasileiro é visto e respeitado. Por isso, é importante que a sociedade brasileira pare e pense: vamos ou não remover esses entraves à concorrência?”, questionou Furtado.
“Hoje o ambiente de negócios brasileiro é visto e respeitado. Por isso é importante que a sociedade brasileira pare e pense: vamos ou não remover esses entraves à concorrência?”
Claudio Vilar Furtado, presidente do Inpi
Já Meiruze Sousa Freitas, diretora da Anvisa, defendeu critérios distintos para o estabelecimento de patentes. “Claro que uma política de patente é importante para preservar os direitos e a previsibilidade sobre as inovações. Pelos ensinamentos trazidos por essa pandemia, o Brasil deve discutir inclusive prazos diferenciados para produtos essenciais à saúde pública”, defendeu.
Leia o manifesto da PróGenéricos pelo fim da extensão de patentes no Brasil