Descrição de chapéu câncer

Pandemia afeta mulheres com câncer de mama

Especialistas alertam sobre os riscos do diagnóstico tardio e da falta de atendimento adequado nos diferentes estágios da doença

A pandemia de Covid-19 trouxe sérios impactos em relação ao atraso de diagnóstico e tratamento de pacientes com câncer no Brasil. Dados do Radar do Câncer, ferramenta criada e mantida pelo Instituto Oncoguia, apontam que as mamografias, exame de rastreamento fundamental para o diagnóstico precoce do câncer de mama, registraram uma queda de quase 50% em 2020 em relação a 2019. Já o número de cirurgias eletivas para o tratamento da doença caiu 16%.

O cenário preocupa os especialistas, que alertam para os riscos de o diagnóstico acontecer em estágio muito avançado e da interrupção do tratamento, especialmente para as pacientes de alto risco. O mastologista Francisco Pimentel, do Hospital Geral de Fortaleza, explica que cerca de 30% a 40% das mulheres com câncer de mama são diagnosticadas com tumor avançado ou com tumores de biologia mais agressiva, os chamados HER2 e triplo negativo, que têm uma capacidade maior de se multiplicar e de se tornar metastático.

A pandemia de Covid-19, segundo ele, não dificultou apenas a detecção precoce da doença, mas também o início e a manutenção do tratamento, conforme orientado pelo médico. No ano passado, boa parte dos serviços de saúde interromperam os atendimentos eletivos. Com os hospitais sobrecarregados, também houve a recomendação de adiamento das cirurgias eletivas, como a do câncer.

“A pandemia provocou uma sobrecarga do sistema hospitalar e a retenção de leitos para tratamento de pacientes com Covid impactou várias outras doenças, entre elas, o câncer. Tivemos e ainda temos muita dificuldade para internar pacientes oncológicos para fazer cirurgia. Isso impacta diretamente o tratamento de muitas pacientes, principalmente as mulheres com alto risco”, diz.

Cerca de 30% a 40% das pacientes diagnosticadas com o subtipo HER2 não alcançam uma resposta completa após o tratamento inicial com quimioterapia e com a cirurgia – são pacientes de alto risco, que apresentam a chamada doença residual na mama e precisam de cuidados diferenciados para que a doença não se torne metastática.

Para as mulheres que, mesmo após um tratamento prévio ainda apresentam doença residual invasiva, os avanços da ciência hoje permitem que o uso da terapia mais adequada reduza o risco de progressão da doença. “Esses tumores são sensíveis ao tratamento com remédio. Por isso a importância de não abandonar o tratamento”, afirma Pimentel.

O oncologista Sandro Martins, pesquisador do Núcleo de Epidemiologia e Vigilância em Saúde da Fiocruz, afirma que, por conta da pandemia, as mulheres estão encontrando dificuldades em todo o processo. Além do diagnóstico tardio, as pacientes já diagnosticadas encontram problemas para prosseguir com o tratamento.

“A mamografia é apenas a primeira porta de acesso ao sistema público de saúde. Se a mulher fez a mamografia e teve a necessidade de uma biópsia, ela encontrou dificuldade para realizar esse segundo exame. Se ela confirmou o diagnóstico, não conseguiu programar a sua cirurgia. É uma cadeia de problemas em sequência que vai, com certeza, prejudicar as curvas de mortalidade de câncer de mama no Brasil”, afirma.

Pimentel destaca também que a queda nos exames e na continuidade do tratamento vai refletir em um custo maior para o sistema público de saúde, pois as cirurgias serão mais invasivas, haverá mais quimioterapia, mais radioterapia e aumentará a morbidade. “A gente já tinha uma dificuldade prévia de rastreamento mesmo antes da pandemia. Agora, isso ficou mais dramático.”

Um problema destacado pelos especialistas é a dificuldade de acesso ao tratamento completo no sistema público de saúde. Existem novos medicamentos, mas ainda não estão disponíveis no SUS.

“Tudo na oncologia mamária a gente agrega um tijolinho de vantagem para a mulher ficar curada. Se você não tem disponível todo esse arsenal, você reduz a taxa de sucesso”, diz Pimentel.

A psico-oncologista Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia, defende que o sistema público de saúde desenvolva mecanismos para fazer uma espécie de “busca ativa” para monitorar essas pacientes na sua jornada em busca do diagnóstico precoce e do tratamento. “Se não buscarmos essas mulheres, vamos começar a ver muito mais casos de doença avançada, metastática e muito provavelmente vamos sair da pandemia de Covid-19 e entrar numa epidemia de casos avançados de câncer.”

Gestores precisam ouvir os pacientes, diz pesquisadora

A farmacêutica e pesquisadora Aline Silveira Silva, de 36 anos, foi diagnosticada com câncer de mama em fevereiro de 2013, exatamente dois meses após terminar um mestrado que tratava da importância da participação dos pacientes nos processos de incorporação de novos tratamentos e tecnologias no SUS.

“Ao receber o meu diagnóstico, resolvi colocar em prática tudo o que eu tinha estudado sobre o empoderamento do paciente e a importância de compartilhar informações para que ele se sinta acolhido e engajado. Os gestores precisam ouvir os pacientes, pois a doença não é apenas o tratamento. Ela tem impactos emocionais e sociais”, diz.

Segundo Aline, o envolvimento do paciente na tomada de decisões ocorre num momento muito tardio, em geral, quando é aberta uma consulta pública para a inclusão de novas drogas ou tratamentos.

Desde dezembro, no entanto, ao menos um representante de paciente pode acompanhar as reuniões de análises de incorporação de novas tecnologias para que possa apresentar as perspectivas do ponto de vista de quem tem a doença.

“O testemunho do paciente é fundamental, pois ele é o beneficiário final de tudo o que será feito. Uma paciente com câncer de mama inicial, por exemplo, tem como foco a cura. É uma perspectiva totalmente diferente da paciente com câncer de mama metastático”, afirma.

Para a pesquisadora, os pacientes devem se envolver mais com os processos da doença e exigir um tratamento integrativo, que é um dos pilares do SUS. E uma das formas de fazer isso é buscar informações em sites de ONGs e instituições confiáveis, além de grupos de apoio.

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