O câncer de mama afeta mulheres de todas as classes sociais — mas nem todas têm a mesma chance de cura no Brasil. A demora para receber o diagnóstico e para começar a tratar , além da falta de acesso aos cuidados adequados, podem tornar a jornada ainda mais desafiadora para as pacientes.
Um estudo que acompanhou mais de 1.500 brasileiras com câncer de mama deixou claro como as desigualdades no atendimento impactam a vida das pacientes. Segundo a pesquisa, publicada em 2023 na revista cientÃfica "Frontiers in Oncology"1, a taxa de sobrevida global após 10 anos foi de 91,9% para as pacientes do sistema privado de saúde, ante 65,4% para as atendidas pelo SUS.
A legislação garante a pacientes do sistema público o direito a um atendimento rápido em casos de câncer. A "lei dos 30 dias", de 2019, determina que pessoas com suspeita da doença façam um exame diagnóstico em até um mês, enquanto a "lei dos 60 dias", sancionada há mais de uma década, estabelece que o tratamento comece em até 60 dias após a detecção.
Na prática, porém, essas garantias não são sempre respeitadas. Segundo levantamento2 da Folha com base em dados do DataSUS de 2024, quatro em cada dez pacientes com câncer de mama foram diagnosticadas após os 30 dias determinados em lei. O tratamento também não começa no tempo que deveria: dados do Ministério da Saúde3 mostram que metade dos pacientes com câncer iniciam o tratamento com atraso.
Lançado pelo governo em dezembro de 2024, o Protocolo ClÃnico de Diretrizes Terapêuticas do câncer de mama é outra norma com potencial de trazer avanços importantes para as pacientes. Conhecido como PCDT Rosa, esse guia norteador do tratamento da doença incorporou tecnologias inovadoras, mas que ainda não estão disponÃveis para as pacientes do SUS.
"A comissão responsável pela incorporação de tecnologia ao SUS [Conitec] já reconheceu a eficácia e a viabilidade dessas tecnologias. O próximo passo é precificar e organizar o financiamento, mas isso não está acontecendo", explica Angélica Nogueira, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia ClÃnica. "Há um descompasso entre a aprovação e a disponibilização dessas melhorias para a população, que precisa ser corrigido."
Entretanto, desde 2018, 76 medicamentos e procedimentos incorporados à rede pública ainda não estão disponÃveis aos pacientes, o que representa quase um terço (31,4%) de todos os medicamentos e procedimentos incorporados entre 2018 e 2024, segundo levantamento da Folha. Por lei, o Governo Federal tem 180 dias para o fornecimento de medicamentos após a incorporação, que ocorre a partir da publicação de portaria do Ministério da Saúde no Diário Oficial da União (DOU). A lista abrange tratamentos contra câncer, diabetes, hepatites, doenças ginecológicas, além de exames e outros procedimentos4.
O atraso na disponibilização dos cuidados adequados para o câncer de mama têm feito com que muitas mulheres, mesmo quando diagnosticadas em estágio inicial, tenham menores chances de cura. Segundo Nogueira, a paciente do sistema público chega com a doença mais avançada, demora mais para iniciar o tratamento e tem acesso a tecnologias mais defasadas. "Então, o desfecho vai ser pior", resume.
Ela lembra que o tratamento ágil e especializado é decisivo no caso de tumores mais agressivos, como o HER2 positivo —um subtipo molecular presente em 15% a 20% dos casos5, que faz com que as células cancerÃgenas se multipliquem mais rápido.
Todos os dias, aproximadamente sete novas pacientes chegam ao SUS com o diagnóstico de câncer de mama HER2 positivo, em estágio inicial e com alto risco de recorrência da doença, de acordo com cruzamento de dados disponÃveis no DataSUS.
"É um tumor muito agressivo se não for tratado com drogas especÃficas, mas, com o tratamento adequado, tornou-se o subtipo mais curável de câncer de mama hoje", afirma a oncologista, que defende uma coordenação de esforços entre sociedades médicas, associações de pacientes e governo: "A gente entende que os recursos públicos são finitos, mas é preciso priorizar as tecnologias que são fundamentais".
Para a mastologista Rosemar Rahal, professora da UFG (Universidade Federal de Goiás), polÃticas como o PCDT são necessárias porque trazem uma visão global da abordagem do câncer. "É um passo importante, mas a preocupação que a gente tem é o quanto disso vai se converter em benefÃcio na ponta, para as pacientes", diz.
Ela considera o fluxograma do SUS adequado. "O problema é que, por entraves burocráticos e de organização, a paciente não consegue caminhar com celeridade dentro desse sistema", diz.
Segundo a mastologista, tumores de mama em estágio inicial, além de terem 95% de chance de cura, costumam ser tratados com procedimentos menos invasivos, o que faz a diferença para a qualidade de vida das pacientes. "Em muitas situações, não é preciso retirar toda a mama na cirurgia, por exemplo. E o tratamento com medicação também tende a ser menos agressivo", afirma Rosemar.
Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia, chama a atenção para o impacto emocional da doença e para a necessidade de um atendimento integral às pacientes. "É essencial que elas não apenas sobrevivam, mas tenham dignidade, autonomia e esperança ao longo do tratamento", afirma.
Para Holtz, "a espera, a desinformação e a desorganização do sistema" agravam ainda mais a dor dessas mulheres. "Cada dia de atraso compromete o prognóstico, impacta o emocional da paciente e reforça desigualdades. O câncer não espera", afirma.
Referências
1. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37441430/
5.https://exames.bio.fiocruz.br/index.php/en-us/cancer-de-mama-sintomas-sinaise-tratamento
6. Ministério da Saúde: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/dezembro novo-protocoloincorpora-cinco
7. Inca (Instituto Nacional de Câncer) 2024, https://ninho.inca.gov.br/jspui/handle/123456789/17002
8. Folha de S.Paulo
9. Ministério da Saúde https://www.gov.br/saude/ pt-br/assuntos/noticias/2024/dezembro/novo-protocolo-incorporacinco-procedimentos-para-cancerde-mama-no-sus
10. "Discrepancies in breast cancer’s oncological outcomesbetween public and private institutions in the southeast region of Brazil: a retrospective cohort study", https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37441430/
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M-BR-00019199. Maio 2025. - "Esse material se destina ao público leigo em geral.
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