RARAS E POUCO CONHECIDAS

No total, as doenças raras atingem 400 milhões de pessoas no mundo; diagnóstico precoce é determinante para tratamento correto, redução de complicações e melhora da qualidade de vida do paciente

O avanço científico e tecnológico dos últimos anos possibilitou o diagnóstico de muitas doenças raras, que atingem cerca de 6% da população mundial. Uma doença é classificada como rara pela Organização Mundial da Saúde (OMS) quando atinge até 65 pessoas para cada 100 mil habitantes. Parece pouco, mas isso corresponde a cerca de 400 milhões de pessoas no planeta1: quase duas vezes a população do Brasil.

Cerca de 80% dessas doenças decorrem de fatores genéticos, e a maior parte delas se manifesta na infância2. Quanto antes diagnosticada, maior a chance de controle e de sucesso no tratamento.

“A demora no diagnóstico é o principal problema enfrentado pelo paciente de doenças raras”, afirma a geneticista Ana Maria Martins, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretora do Centro de Referência em Erros Inatos do Metabolismo. “A dificuldade começa pela formação. Não temos informações sobre doenças raras durante a faculdade de medicina. Se o médico nunca ouviu falar em uma dessas doenças, não consegue pensar no seu diagnóstico.”

Segundo Regina Próspero, fundadora do Instituto Vidas Raras, que orienta e apoia familiares, amigos e pacientes portadores de Mucopolissacaridoses (MPSs) e outras doenças raras, o diagnóstico dessas enfermidades no Brasil chega a demorar entre 5 e 10 anos, o que aumenta o risco de lesões e complicações.

Ela teve dois filhos com mucopolissacaridose 4. O primeiro morreu aos seis anos, em 1995. “Na época, não havia tratamento para a doença. E eu tive meu segundo filho, também com MPS. Quando surgiu o tratamento, o Dudu tinha perdido a visão, já estava surdo, com deficiência cardiorrespiratória severa e pressão alta. Com a medicação certa, ele voltou a escutar, a deficiência cardiorrespiratória melhorou e hoje ele está com 31 anos e é um rapaz muito inteligente, fez duas faculdades”, conta.

Mas quando uma pessoa deve suspeitar se está com uma doença rara? “Quando ela tem um problema de saúde, passa por vários médicos e faz vários exames sem ter uma conclusão. A partir do terceiro médico sem diagnóstico, o paciente deve começar a pensar na possibilidade de ser uma doença rara”, diz Ana Maria Martins.

A geneticista explica que essas doenças têm sinais e sintomas parecidos com uma ou outra doença mais frequente, mas os médicos não conseguem fechar o diagnóstico porque elas não cumprem todos os requisitos para ser uma das doenças comuns.

“E o médico, diante da dificuldade de diagnóstico, também precisa pensar na possibilidade de ser uma doença rara. Quando o paciente diz que já foi ao reumatologista e ao imunologista, por exemplo, o profissional precisa pesquisar, ir atrás de artigos científicos, para tentar descobrir o que é”, afirma.

A maioria das doenças raras que têm tratamento, como a Terapia de Reposição Enzimática (TRE) para repor a enzima que o paciente não produz, são chamadas de Erros Inatos do Metabolismo3.

Uma vez que o especialista suspeite do diagnóstico de uma doença rara, a história do paciente e o exame físico ajudam no diagnóstico. Mas a confirmação se dá por meio de um exame de sangue específico para fazer a dosagem da atividade da enzima que se suspeita estar deficiente naquele paciente.

“Toda doença começa com sinais e sintomas, e esse é o momento de fechar o diagnóstico. A partir daí, quanto mais passa o tempo, maiores são as complicações. Se o diagnóstico é rápido, mesmo que a doença não tenha tratamento específico, há uma série de atitudes que podem melhorar a qualidade de vida do paciente”, conclui.

O diagnóstico precoce também é fundamental quando se trata de doenças hematológicas, consideradas doenças raras. No caso da PTTa (Púrpura Trombocitopênica Trombótica adquirida), por exemplo, o diagnóstico rápido e preciso é essencial: sem o tratamento adequado, a taxa de mortalidade chega a 90% dos casos4.

A doença é considerada uma emergência médica: ela causa coágulos em pequenos vasos sanguíneos que podem bloquear o fluxo para os principais órgãos, como rins, cérebro ou coração. Sem tratamento, o tempo médio entre o diagnóstico e a morte do paciente na fase aguda da doença é de nove dias5.

ENTENDA AS DOENÇAS RARAS

Erros inatos do metabolismo (EIM)

Doenças raras de natureza genética e hereditária causadas pela falta de alguma enzima no organismo. A falta de uma enzima gera falha na síntese, degradação, armazenamento ou transporte de moléculas7

Entre os tipos de EIM estão as doenças de armazenamento lisossômico (DAL)

Lisossomo é uma das estruturas mais importantes do organismo. Funciona como uma usina de reciclagem nas células, encapsulando e matando bactérias, vírus e células em crescimento desordenado. Nas doenças do armazenamento lisossômico, a deficiência de determinadas enzimas causa o acúmulo de substrato não degradado em órgãos e tecidos8

População pode opinar sobre incorporação de terapia no SUS

A evolução da medicina possibilitou nos últimos anos o desenvolvimento de medicamentos e terapias que representam uma revolução no tratamento das doenças raras. O desafio é democratizar o acesso dos pacientes a esses tratamentos, muitas vezes não disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), que atende 75% dos brasileiros.

A sociedade pode contribuir para o processo de tomada de decisão do governo para a inclusão de terapias no SUS por meio de consulta pública. A consulta permite que pessoas e associações opinem a respeito da incorporação de medicamentos e tecnologias na rede pública. O mecanismo é uma das etapas da Avaliação de Tecnologias em Saúde realizada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), do Ministério da Saúde.

O governo abriu, no dia 22, consulta pública para manifestação da sociedade a respeito da incorporação de medicamento para tratamento da esclerose múltipla remitente, que atinge cerca de 85% dos pacientes com esclerose múltipla. Uma das mais conhecidas doenças raras, a esclerose múltipla é uma doença neurológica crônica e progressiva, sem cura.

A consulta fica aberta até o dia 15 de março, para que sejam apresentadas as contribuições. Basta acessar conitec.gov.br/consultas-publicas. A sobre esclerose múltipla é a de número 10.

Referências

1 - Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia https://www.sbemsp.org.br/imprensa/releases/164-hoje-e-o-dia-mundial-das-doencas-raras

2 - Interfarma https://www.interfarma.org.br/noticias/2106

3 - Platt FM, Boland B, Van Der Spoel AC, Lysossomal storage disorders. The cellular impact of lysossomal dysfunction. J Cell Biol. 2012, 199(5); 723-73

4 - Scully M, et al. Br J Haematol. 2012; 158(3):328

5 - Goel R, et al. Transfusion, 2016; 56(6):1451-8

6 - Interfarma https://www.interfarma.org.br/noticias/2106

7 - Scielo Scientific Eletronic Library Online, Revista Paraense de Medicina; v.20 n.2 Belém jun. 2006; Erros inatos do metabolismo: revisão de literatura http://scielo.iec.gov.br

8 - BMJ Best Practice https://bestpractice.bmj.com/topics/pt-br/1021

9 - Orpha.net https://www.orpha.net

10 - DLE Genética Humana e Doenças Raras https://dle.com.br/exames/teste-do-pezinho

11 - Residência Pediátrica. A Revista do Pediatra http://residenciapediatrica.com.br

MAT-BR-2100923. Fevereiro de 2021