Guilherme estava em viagem internacional quando tentou reservar hospedagem e – surpresa! – teve a compra negada e o cartão de crédito bloqueado. Ele tinha feito o aviso de viagem e já tinha até utilizado o cartão no exterior, mas, por algum motivo, a transação gerou um alerta de fraude que custou horas com ligações para o call center só para resolver o problema depois de muitas tentativas frustradas.
"Bloqueios desse tipo podem acontecer quando o sistema antifraude não consegue verificar a identidade do usuário", explica José Restrepo, diretor de marketing da Unico, empresa brasileira especializada em identidade digital. "Isso pode ocorrer, por exemplo, quando o valor da transação foge do padrão para aquele usuário, quando ele tenta utilizar um site pela primeira vez ou ainda usa um cartão de crédito de outra pessoa."
A situação descrita no inÃcio do texto é apenas um exemplo das inúmeras dores que qualquer pessoa enfrenta quando precisa comprovar sua própria identidade - seja para realizar um pagamento com cartão de crédito, fazer um empréstimo, abrir uma conta e assim por diante. É bem possÃvel, por exemplo, que você já tenha bloqueado seu cartão por confundir a senha numérica. Também é provável que tenha sido obrigado a ir fisicamente a uma agência para resolver a questão.
Agir proativamente para evitar fraudes é um processo padrão e desejável, seja para proteger o usuário ou mesmo a empresa envolvida na transação. Mas existe uma forma mais eficiente tanto para facilitar a vida dos usuários como para evitar que as tentativas de fraude possam se concretizar: a identidade digital. Trata-se de um mecanismo que reúne um conjunto de informações, dados, documentos e comportamentos para a identificação digital e segura de indivÃduos.
Imagine se o Guilherme do inÃcio do texto pudesse comprovar que é ele mesmo para fazer a reserva de hospedagem apenas olhando para a câmera do seu celular. "É assim que funciona a identidade digital via biometria facial", detalha o diretor de marketing da Unico. "Se, naquela situação, houvesse uma identidade digital conectada com os bancos e emissores dos cartões, o usuário seria autenticado rapidamente, o que poderia evitar o bloqueio do cartão", esclarece.
Para se ter uma ideia, de janeiro a março deste ano, a Unico realizou 54,4 milhões de autenticações (quantidade de vezes que usuários autenticaram a identidade nas transações online) por meio da biometria facial. Desse total, 1 milhão foram tentativas de transações suspeitas, ou seja, consideradas como fraude de identidade e, consequentemente, foram barradas.
Mas se engana quem pensa que a identidade digital está restrita ao segmento financeiro. "A cada dia, temos novos casos de uso da identidade digital e que trazem ganhos para cidadãos, empresas e governos", destaca Restrepo. Para os dois últimos, a tecnologia entrega redução de custos e aumento de eficiência. Para empresas, especificamente, pode entregar também aumento no faturamento. E, para as pessoas, oferece experiências melhores (e mais seguras) no acesso a produtos e serviços públicos e privados.
Um exemplo recente é o da Ucrânia, que, durante o conflito com a Rússia, agilizou a criação de uma identidade digital para seus cidadãos e disponibilizou acesso a todos os serviços públicos pelo celular. Além disso, substituiu o passaporte em papel por uma versão digital, o que permitiu que muitas pessoas conseguissem sair do paÃs e entrar na União Europeia para fugir da guerra.
"Tudo isso é apenas o começo", aposta o executivo, acreditando que, com uma infraestrutura preparada para aproveitar seus benefÃcios, a identidade digital deve se tornar a porta de acesso universal aos mais diversos serviços, cidadania e produtos de forma segura e com privacidade dos dados pessoais.
E seu entusiasmo não está isolado no mundo. O mercado global de identidade digital foi estimado em US$ 16,6 bilhões, em 2021, e a expectativa é de que atinja US$ 40,44 bilhões até 2027, conforme um estudo da ResearchAndMarkets.com.
André Miceli, CEO e editor-chefe do MIT Technology Review Brasil, fundador e diretor executivo da Infobase Consulting e coordenador acadêmico na FGV, também faz coro a esse entusiasmo. "As tendências apontam para esse caminho e isso se deve pela praticidade, que é um dos principais benefÃcios", afirma. "No Brasil, especialmente, a questão da segurança também deve motivar as pessoas a usar a identidade digital."
Para o futuro, Miceli acredita que, dependendo do nÃvel de adesão, a identidade digital ainda pode incorporar outras funcionalidades. "Mas ainda há um longo caminho a percorrer", afirma. Na sua opinião, os principais obstáculos para o uso mais abrangente da tecnologia podem ser a construção de sistemas de cibersegurança seguros para o armazenamento dos dados contidos na identidade digital e ainda a dificuldade de implementação em zonas remotas, onde o acesso à internet é mais limitado.
Restrepo, da Unico, inclui na lista de desafios a questão de ainda não termos no paÃs todos os sistemas e organizações trabalhando em conjunto. "É preciso que o documento digital possa ser reutilizado em qualquer instituição, sem necessidade de criação de contas em todas as plataformas", explica. A boa notÃcia, que ele mesmo destaca, é que um estudo da Liminal Strategy Partners prevê que o mercado de identidade reutilizável (essa que de ser reutilizada em todas as transações) deve crescer de US$ 32,8 bilhões, em 2022, para US$ 266,5 bilhões em 2027, o que representa uma taxa anual de crescimento de 69%.
A superação desses obstáculos depende do trabalho conjunto de todas as instituições. Depende de o governo regular a utilização das informações e de os mercados se arriscarem nessa direção. "Sabemos que regular sempre está um pouco atrás da curva da inovação, então, depende muito da iniciativa privada para inovar e demonstrar que a identidade digital tem ganhos para todos se for implementada corretamente", afirma Restrepo.