A diarista Iracelma Jesus dos Santos, 34, e o técnico de informática Bruno Souza, 33, não se conhecem, mas, além de serem autônomos e saírem diariamente para atender clientes, têm outra coisa em comum: passaram a deixar seus carros na garagem a maior parte do tempo nos últimos meses.
O motivo é a alta acumulada nos preços dos combustíveis ao longo de 2021 e seu impacto na inflação, que atingiu 10,42% pelo IPCA-15 de dezembro, fazendo com que Iracelma e Bruno deixassem de usar seus veículos no deslocamento de onde moram, na periferia de São Paulo, até as casas de seus clientes, em diferentes bairros da capital paulista e em outras cidades da Grande São Paulo.
De acordo com dados do IPCA-15, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a gasolina acumulou alta de 49,59% desde o início do ano, o diesel, de 48,01%, e o etanol, de 63,28%. Em média, segundo o Índice de Preços Ticket Log (IPTL), o litro da gasolina no estado de São Paulo custa R$ 6,45. O do etanol, R$ 5,13.
Em 2020, no auge dos lockdowns em virtude da pandemia, Iracelma passou a usar, no lugar do transporte coletivo, seu SUV, modelo 2013, para atender seus clientes, diminuindo assim o risco de contaminação pela Covid-19.
"Praticamente só usei o carro, sem pegar nenhum transporte coletivo, mas neste ano a coisa ficou inviável. Com esses aumentos de combustível a cada 15 dias, parei de usar meu carro para trabalhar", diz ela. Como mora no Jardim Jaraguá, bairro na zona norte distante de estações de metrô, ela dá preferência ao ônibus e, quando retorna mais tarde, conclui o trajeto com carro de aplicativo.
Bruno fez as contas e, na ponta do lápis, afirma estar economizando cerca de R$ 700 por mês, que eram gastos com gasolina e estacionamento, desde que deixou de usar o carro para trabalhar. Durante a pandemia, com o aumento do home office, ele passou a prestar assistência técnica aos clientes em domicílio.
No dia a dia, ele utiliza metrô e carro de aplicativo nos trajetos que faz da zona leste, onde mora, até seus clientes. "Com a pandemia, aumentou o atendimento na casa das pessoas e, com a alta no preço dos combustíveis, sai muito mais barato integrar metrô e app do que usar o carro", disse.
Usar o transporte coletivo e por aplicativos também os livra do estresse. "Não tenho que me preocupar com estacionamento ou congestionamento, vou acertando detalhes com os clientes ou planejando a logística de novos atendimentos pelo celular", afirma Bruno.
Segundo pesquisa do Datafolha, realizada em parceria com a 99 em seis capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador), os moradores avaliam que os carros de aplicativo contribuem de forma positiva para a mobilidade urbana. Para 83% dos entrevistados, os carros compartilhados diminuem os congestionamentos.
De acordo com a especialista Cristina Albuquerque, gerente de Mobilidade Urbana do programa de Cidades do WRI Brasil, situações como as vividas por Iracelma e Bruno serão cada vez mais comuns, independentemente do aumento dos combustíveis.
"O trabalho em casa é uma realidade que veio para ficar para pessoas de poder aquisitivo mais elevado, enquanto que uma grande parte dos trabalhadores voltou a ter de se deslocar diariamente. O home office não é uma realidade para todos, e quem presta serviços para aqueles que estão em casa precisa se deslocar", explica Cristina.