Empresas adotam iniciativas para reduzir discriminação de mulheres e de grupos minoritários no mercado de trabalho

Mundo corporativo ainda está longe de refletir a diversidade da população brasileira, mas ações afirmativas e metas começam a mudar esse cenário

Érica Cândido, gerente sênior global de Gestão de Fornecedores do Departamento de Experiências do Cliente da 99

Érica Cândido, gerente sênior global de Gestão de Fornecedores do Departamento de Experiências do Cliente da 99 Divulgação

O mercado de trabalho brasileiro está longe de refletir a diversidade de sua população, e dados oficiais mostram a maior dificuldade enfrentada por mulheres e negros, seja no acesso ao trabalho, seja na ascensão na carreira.

A mais recente pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre o tema mostra que a taxa de desemprego entre as mulheres é de 13,9%, bem acima do registrado entre os homens (9%) e mais alta que a do país como um todo (11,1%). Quando a análise é feita por cor ou raça, pretos (13,6%) e pardos (12,6%) aparecem bem à frente dos brancos (9%).

A situação é ainda mais complicada quando se avalia a posição das mulheres em cargos de liderança dentro das empresas. Segundo o IBGE, elas representam apenas 37,5% do total em todo o país, apesar de serem quase 52% da população.

A boa notícia é que algumas empresas já perceberam a necessidade de ampliar ações afirmativas para tornar o ambiente corporativo mais diverso e igualitário, com resultados positivos sobre a produtividade.

É o caso da 99, empresa brasileira de tecnologia ligada à mobilidade e conveniência, que tem trabalhado em projetos e desenvolvido metas para inclusão dos grupos minorizados dentro da companhia, como vagas afirmativas, parcerias com consultorias e ampliação de benefícios para pessoas dentro dos recortes de diversidade.

Há quase quatro anos na 99, Érica Cândido, 35, é um bom exemplo. Atualmente é gerente sênior global de Gestão de Fornecedores do Departamento de Experiências do Cliente. Antes, trabalhou como especialista na área de Compras e atuou como gerente sênior do departamento para a América Latina até assumir o cargo atual. Ela reconhece que ainda há pontos de melhoria, mas se considera privilegiada por fazer parte de uma empresa que valoriza a representatividade das mulheres.

Érica Cândido, gerente sênior global de Gestão de Fornecedores do Departamento de Experiências do Cliente da 99
Érica Cândido, gerente sênior global de Gestão de Fornecedores do Departamento de Experiências do Cliente da 99 - Divulgação

Érica conta que embora hoje seja respeitada e exerça um cargo de liderança com autonomia, sofreu preconceito em várias situações ao longo da carreira por ser mulher, negra e de origem humilde. "Passei por empresas dos ramos de tecnologia, de beleza, de peças automotivas, e me deparei com pessoas com comportamento machista e racista. Entendo que nem sempre o preconceito foi intencional, mas ele existiu e ainda existe", afirma.

Para a consultora Virginie Fernandez, da VF Recursos Humanos, um dos principais desafios das mulheres no mercado de trabalho é justamente ter de provar que elas podem ter um desempenho idêntico ou até mesmo superior ao dos homens, independentemente da maternidade e de ter competências emocionais diferentes. "Essas diferentes competências nem sempre são bem avaliadas pela liderança ainda essencialmente masculina nas organizações", afirma.

O preconceito diante de mulheres em cargos de chefia foi quantificado na pesquisa "Atitudes Globais pela Igualdade de Gênero", do Instituto Ipsos. O estudo aponta que três em cada dez pessoas no Brasil (27%) admitem que se sentem desconfortáveis em ter uma mulher como chefe. O número é ainda mais expressivo entre os homens: 31% deles têm resistência em ter uma líder, ante 24% das mulheres.

Ao longo de sua trajetória, Érica diz que perdeu oportunidades de promoção para pessoas com a mesma capacidade que a dela. "Em muitos momentos, não consegui me posicionar porque um homem não deu espaço. Tive que aprender a falar firme para ser ouvida", lembra. "Quando o homem faz isso, está sendo forte, assertivo. Se é uma mulher, é chamada de descontrolada, invasiva. Vivi muitas situações assim."

"A mulher continua enfrentando diversos desafios no mercado de trabalho, mas pense na mulher negra ou na mulher negra e lésbica ou trans. Levando em conta temáticas comuns a esses grupos, existe um modelo arraigado na sociedade e nas mentes de que quem tem maior êxito no mercado de trabalho é o homem branco e heterossexual", afirma Virginie. A partir dessa premissa, segundo ela, qualquer integrante de um grupo minoritário vai enfrentar dificuldades frente a esse modelo dominante. "E geralmente acaba sendo preterido ao disputar uma vaga, em uma promoção interna ou para um aumento de salário."

ELAS NA LIDERANÇA

As ações afirmativas desenvolvidas pela 99, mencionadas pela Érica, trazem resultados positivos. É o que mostra o Censo de Diversidade e Inclusão da empresa, desenvolvido em parceria com a consultoria Transcendemos.

A pesquisa, que reúne informações sobre a representatividade feminina (e outros grupos minoritários) na companhia, traz dados processados e organizados sob os recortes de gênero, LGBTQIA+, raça/etnia e deficiência.

A análise dos dados é feita levando-se em conta dois indicadores chamados de DiversiCounter, que avaliam a percepção de Diversidade e de Inclusão na empresa. Eles partem do pressuposto de que as empresas devem refletir a demografia do país no qual operam (Diversidade ideal) e que seus colaboradores devem se sentir respeitados, pertencidos e com igualdade de oportunidades (Inclusão ideal).

Os resultados mostram que a representatividade das mulheres na 99 reflete a demografia da população brasileira e está de acordo com os objetivos da companhia. No segundo semestre de 2021, a empresa registrou 54% de mulheres em seu quadro geral de colaboradores. Na liderança, eram 47%, um aumento de 9% em relação ao semestre anterior.

Além disso, 89% das pessoas que trabalham na 99 concordam total ou parcialmente que a empresa é comprometida com as questões de diversidade e inclusão, resultado superior ao de empresas similares analisadas.

Para Érica, a igualdade de gênero nas empresas necessita atenção constante por conta da rotatividade de funcionários. "Também é importante que as próprias mulheres em posição de liderança busquem abrir mais espaço para outras mulheres, ajudem suas empresas a melhorar a representatividade feminina e levem esse diálogo aos homens."

Ela participa do projeto Mulheres que Lideram, um programa contínuo de treinamento para o desenvolvimento das mulheres em todos os níveis da carreira. "É uma ótima oportunidade de compartilhar conhecimento. A cada mês uma mulher em cargo de liderança é responsável pelo treinamento das colegas, e eu já estive à frente. Compartilhamos nossas experiências, contamos nossa trajetória, damos dicas, sendo um momento de encontro muito produtivo."