O que mudou na mobilidade urbana de São Paulo nos últimos dez anos

Política Nacional de Mobilidade Urbana completa uma década ajudando a fomentar a expansão de ciclovias, corredores de ônibus e linhas de metrô. Chegada dos aplicativos de transporte e de compartilhamento de veículos ofereceu aos moradores novas maneiras de se deslocar e se relacionar com a metrópole

Em uma década, caminhos da mobilidade se multiplicam em São Paulo

Em uma década, caminhos da mobilidade se multiplicam em São Paulo Divulgação

São Paulo vive nos últimos dez anos mudanças importantes em seus meios de transporte e na maneira como se deslocam diariamente seus quase 20 milhões de habitantes. Ainda que estejamos longe de um sistema de mobilidade ideal e que alguns problemas se revelem de complexa resolução, dada a enorme extensão territorial e tamanho da população, são relevantes os avanços proporcionados pela expansão das ciclovias, do metrô e dos corredores de ônibus, além do início da operação dos aplicativos de transporte e da chegada de veículos elétricos e compartilhados, que oferecem ainda mais opções de deslocamento aos seus moradores.

Também se nota entre 2012 e 2022 uma maior preocupação com a ocupação de espaços públicos, numa espécie de "reconquista" da cidade por seus habitantes. Muito dessa transformação se deve à ação direta de diversos setores da sociedade, empresas privadas, ONGs, especialistas e representantes dos governos municipal e estadual. Antes esparsas, as iniciativas começaram a ganhar tração a partir de janeiro de 2012, com a sanção da lei que estabelece diretrizes para a Política Nacional de Mobilidade Urbana.

A nova legislação trouxe impactos significativos no desenvolvimento dos modais de transporte da cidade. "A grande transformação verificada no período foi a redistribuição do espaço viário da capital", afirma Rafael Calabria, coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). "Foi um debate que se acelerou bastante a partir de 2013, quando a administração municipal passou a empreender estratégias de expansão de formas de locomoção alternativas ao uso de carros individuais."

Sistema cicloviário de São Paulo já soma 699,2 km de ciclovias e ciclofaixas
Sistema cicloviário de São Paulo já soma 699,2 km de ciclovias e ciclofaixas - Divulgação

Um dos focos dessa diversificação foi a construção de ciclovias. Hoje, o sistema cicloviário de São Paulo já soma 699,2 km de ciclovias e ciclofaixas, segundo a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) para atender 1,6 milhão de bicicletas. Desse total, a maioria foi pavimentada na última década, já que até 2012 a malha cicloviária era de apenas 84,1 km.

"O grande desafio agora é fazer com que essa rede se conecte entre o centro e as regiões mais periféricas, historicamente pouco assistidas pelos sistemas de transporte", ressalta Rafael Calabria.

Em paralelo à proliferação das ciclovias, empresas passaram a disponibilizar o serviço de aluguel de bicicletas em parceria com a prefeitura. Por meio de aplicativos, os usuários podem se cadastrar em projetos como o Bike Sampa e o CicloSampa, que oferecem locação por tempo de uso ou mensalidade.

Projeto-piloto Faixa Azul implantou uma pista de 5,5 km para o tráfego exclusivo de motocicletas na avenida 23 de Maio
Projeto-piloto Faixa Azul implantou uma pista de 5,5 km para o tráfego exclusivo de motocicletas na avenida 23 de Maio - Divulgação

Além dos ciclistas, os motociclistas, que somam 1,3 milhão na capital, também passaram a ser alvo de iniciativas específicas. Com o intuito de integrá-los de uma forma mais amistosa ao trânsito e melhorar a convivência com os demais condutores, em 25 de janeiro deste ano foi implantado na avenida 23 de Maio o projeto-piloto Faixa Azul, uma pista de 5,5 km de extensão para o tráfego exclusivo de motocicletas.

MAIS CORREDORES E METRÔ

Nos últimos dez anos, outra grande preocupação dos gestores do município foi com as faixas e os corredores de ônibus, que atualmente somam 631,2 km – 500 km de faixas exclusivas e 131,2 km de corredores. "Houve um avanço relevante nesse aspecto, mas ainda está aquém do planejado e, portanto, do necessário", afirma Calabria. "O plano de corredores é muito maior e não está sendo cumprido. A gestão entre 2017 e 2020, por exemplo, prometeu 72 km e entregou menos de 10 km, sendo que o ideal é que tivesse feito 150 km."

A prefeitura de São Paulo informa que para 2022 estão previstas licitações dos corredores BRT Radial Leste I e II (18,1 km), BRT Aricanduva (13,6 km) e Chucri Zaidan (3,4 km), além da requalificação de cinco corredores: Imirim (4,6 km), Amador Bueno da Veiga (5 km), Itapecerica (3,5 km), Santo Amaro/João Dias (7,8 km) e Interlagos (9 km). Também está prevista a retomada das obras da requalificação do corredor Santo Amaro (3 km).

Faixas e corredores de ônibus atualmente somam 631,2 km em São Paulo - Folhapress

Calabria também ressalta que só expandir não é o bastante. É preciso promover a integração entre os diversos tipos de transporte. "A verdadeira solução para uma rede de transportes é que ela seja naturalmente integrada, com uma estrutura que interligue os diversos modais para que os usuários cheguem em segurança a seus destinos", explica. Dessa maneira, segundo ele, o metrô não precisa chegar a todos os cantos da cidade, mas oferecer a possibilidade de integração com outros meios que proporcionem uma movimentação mais eficiente para o usuário.

O sistema metroviário, aliás, expandiu-se entre 2012 e 2022. No período, ampliou sua rede em 29,85 km, com 27 novas estações, chegando hoje a um total de 104,4 km e 91 estações. Em fevereiro deste ano, a prefeitura anunciou o início das obras de ampliação da Linha 15-Prata, que ligará a Vila Prudente a Jacu-Pêssego. A Linha 15-Prata estabelece o primeiro monotrilho de alta capacidade, que irá conectar as regiões leste e sudeste da cidade à rede de trilhos. As obras do monotrilho em São Paulo vêm sofrendo sucessivos atrasos ao longo dos últimos anos e ainda suscitam dúvidas sobre sua eficiência.

APLICATIVOS E MAIS INTEGRAÇÃO

Maria Betania dos Santos Neto é uma das usuárias que passou a adotar a integração de diferentes tipos de meios de transporte no seu dia a dia
Maria Betania dos Santos Neto é uma das usuárias que passou a adotar a integração de diferentes tipos de meios de transporte no seu dia a dia - Arquivo pessoal

A vendedora Maria Betania dos Santos Neto, 51, é uma das usuárias que passou a adotar a integração de diferentes tipos de meios de transporte no seu dia a dia. Moradora do Itaim Paulista, na zona leste, ela tem usado aplicativos de transporte combinados com ônibus, trem e metrô, dependendo das circunstâncias, para cumprir sua agenda. "O aplicativo me atende a qualquer hora e a um preço bastante razoável", diz Betania.

Sobretudo nas regiões mais afastadas do centro, como extremos da zona sul e leste, onde Betania vive, os aplicativos se consolidaram como meios de transporte complementares, utilizados para levar os cidadãos com mais segurança e economia, principalmente nos trechos finais/iniciais de suas jornadas diárias em conexão com os terminais de ônibus, trens ou metrô.

"É interessante ver que os usuários de aplicativo em São Paulo são bastante multimodais, ou seja, utilizam também o transporte coletivo e ativo. Isso mostra como os aplicativos chegam como um complemento à rede de transporte tradicional, aumentando a capilaridade do sistema", diz Carolina Guimarães, gerente de Políticas Públicas e Research da 99.

No decorrer dos últimos anos, os aplicativos de transporte, por sinal, se tornaram cada vez mais presentes no cotidiano dos usuários. "Por transportar vários usuários ao longo do dia, os apps facilitam a circulação de uma maneira mais ampla que o carro individual, que tende a ser um meio de transporte que beneficia apenas o seu motorista e proprietário", diz Calabria.

Jovem aguarda chegada de transporte de aplicativo na cidade de São Paulo
Jovem aguarda chegada de transporte de aplicativo na cidade de São Paulo - Getty Images/iStockphoto

Segundo pesquisa do Datafolha realizada em parceria com a 99 em seis capitais brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador), 73% dos entrevistados veem o uso de carros por aplicativo como algo que contribui para a mobilidade urbana. Para 83%, os carros compartilhados diminuem os congestionamentos e 79% dos moradores acreditam que a integração de um ou mais meios de transporte é vantajosa.

OS PEDESTRES E A CIDADE

Projeto Ruas Abertas promove o fechamento da avenida Paulista aos domingos para o trânsito de veículos
Projeto Ruas Abertas promove o fechamento da avenida Paulista aos domingos para o trânsito de veículos - Divulgação

Outra importante mudança ocorrida ao longo desses últimos dez anos contempla o comportamento e a atitude dos pedestres. Pouco a pouco, os espaços dedicados exclusivamente ao lazer sem a presença de veículos foram se ampliando numa forma de conquista do espaço urbano.

Nesse sentido, o projeto "Ruas Abertas’’, que desde de junho de 2016 promove o fechamento de vias como a avenida Paulista aos domingos para o trânsito de veículos, vem se mostrando um dos mais exitosos, atraindo cerca de 30 mil pessoas a cada final de semana.

Com 3,4 km de extensão, o elevado Presidente João Goulart (Minhocão) também se converteu em um verdadeiro parque nos finais de semana. Desde março de 2018, ele permanece fechado das 21h30 de sexta às 6h30 de segunda. Nos dias úteis, o horário de abertura para pedestres é das 20h às 22h.

Com 3,4 km de extensão, o Minhocão se converteu em um verdadeiro parque nos finais de semana
Com 3,4 km de extensão, o Minhocão se converteu em um verdadeiro parque nos finais de semana - Divulgação

Na opinião de Ana Carolina Nunes, mestra em políticas públicas, doutoranda em administração pública pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e integrante da Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo, essas iniciativas de fechamento de vias para pedestres são maneiras de "mostrar que as ruas não estão só a serviço do transporte motorizado individual e particular".

Para ela, trata-se de uma mudança de paradigma importante. "Como a Paulista e o Minhocão são espaços muito amplos, acabam sendo convidativos para as pessoas redescobrirem a cidade fora dos carros, com outro ritmo e outra relação com o espaço urbano." É a mobilidade em constante revolução na capital paulista.