Castanha guarda enorme potencial de crescimento

Iniciativas comunitárias, tecnologias sociais, práticas de cooperação e diversificação são estratégias utilizadas para ampliar presença nos mercados interno e externo

Castanhas extraídas da floresta e à venda em mercado de Belém

Castanhas extraídas da floresta e à venda em mercado de Belém ORG XMIT: AGEN1011302204387435 Janduari Simões/Folhapress

Apesar do forte apelo internacional, da recente conjuntura que favorece a comercialização de alimentos saudáveis e do esforço dos produtores locais, a produção de castanha na Amazônia brasileira ainda está aquém do potencial que o setor apresenta.

Em 2018, por exemplo, o Brasil produziu 34,2 mil toneladas de castanha, gerando uma movimentação de aproximadamente R$ 140 milhões. Um ano antes, um estudo publicado pelo Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) já estimava em 3,7 milhões de toneladas ao ano o potencial da produção nacional.

Ainda assim, mesmo em um cenário agravado pela pandemia e pelas cheias dos rios da região – que prejudicou a safra do ano passado e tudo indica que deste também – os planos da Assoab (Associação dos Agropecuários de Beruri) são otimistas. A ideia é apostar na diversificação como uma maneira de ampliar a presença no mercado e alcançar um público consumidor maior.

“Além da castanha, vamos comercializar óleos e castanhas desidratadas em pacotes fracionados. Com maior gama de produtos, podemos ampliar a geração de renda sustentável nas comunidades atendidas”, afirma Sandra Neves, amazonense, descendente de libaneses e presidente da Assoab.

Iniciativas como a da Assoab em Beruri, pequeno município do interior do Amazonas, estão diretamente focadas no fortalecimento dos primeiros elos da cadeia de produção. O trabalho de conscientização e de boas práticas extrativistas envolvem comunidades, inclusive indígenas, distantes a 12 horas de barco da sede do município.

O grupo de produtores mantém ainda contrato com empresas de cosméticos que atuam em nível mundial, como a Natura, que garante tanto a venda quanto o preço da castanha que coletam. “Nossa maior receita é de fornecimento de amêndoas beneficiadas para grandes empresas dos setores de cosméticos e alimentício”, explica Sandra.

Castanhas extraídas da floresta e à venda em mercado de Belém
Castanhas extraídas da floresta e à venda em mercado de Belém ORG XMIT: AGEN1012032209054457 - Maurício Mercer/Folhapress

Em Beruri, o contrato da associação com grandes empresas faz com que 344 famílias associadas, que vivem ao longo da calha do rio Purus, entreguem um produto de qualidade, manipulado de forma correta para evitar contaminações por fungos. Toda a produção da floresta vai para a agroindústria administrada pela associação, que sustenta outras 65 famílias.

O arranjo local no interior do Amazonas é um dos exemplos que está no caminho certo, mas ele não é o único. “Apesar dos gargalos e desafios, existe um grande número de projetos que estão dando certo a partir de iniciativas comunitárias, tecnologias sociais e estratégias de cooperação, grande parte deles de instituições, redes e projetos que fazem parte do OCA (Observatório Castanha-da-Amazônia), afirma André Machado, assessor técnico do OCA. Segundo ele, a cadeia da castanha, até pelas dimensões e diferenças das áreas produtoras na Amazônia, ainda não tem um padrão ou uma característica bem definida.

“A cadeia da castanha-da-amazônia envolve milhares de famílias extrativistas, mais de cem organizações comunitárias (associações e cooperativas), algumas dezenas de empresas compradoras, além de um número significativo de intermediários e prestadores de serviços em toda a Amazônia. Sendo assim, ela é muito diversa e heterogênea. Em vários locais ainda há relações de desigualdade, assim como em outras regiões firmam-se parcerias promissoras entre empresas e comunidades numa lógica de comércio justo”, explica Machado.

Segundo ele, ainda existem vários gargalos pela frente em se tratando da Amazônia. “Trata-se de uma cadeia pouco apoiada em termos de regulação e políticas públicas, com alto nível de informalidade, e com baixos níveis de transparência e rastreabilidade”, afirma

Essa realidade se reflete no desempenho brasileiro no mercado internacional. O resultado é que o país tem ficado atrás de outros produtores em nível mundial, como a Bolívia.

Em um trabalho recém-publicado sobre o tema, Salo Coslovsky, professor da New York University, mostrou como uma melhor organização interna do setor produtivo no país vizinho fez com que eles atingissem mercados importantes, como a União Europeia, algo que o Brasil ainda não alcançou em todo o seu potencial. “Um dos segredos do sucesso dos produtores da Bolívia é que eles têm uma associação forte, dedicada ao tema”, afirma o pesquisador brasileiro radicado nos Estados Unidos.

Segundo os números compilados na pesquisa, em 2019, a maior parte do valor exportado de castanha do Brasil pelos três países amazônicos – o Peru também processa a noz – saiu da Bolívia. “Um país com muito menos recursos e capacidades econômicas do que seu maior vizinho conquistou 94% do enorme e lucrativo mercado europeu”, afirma Coslovsky.

O pesquisador afirma que para tentar mudar esse quadro, produtores brasileiros estão buscando novos projetos e parcerias para a produção da castanha. Dentre essas iniciativas, ele cita a Rede Origens Brasil, sediada na ONG Imaflora, que oferece consultoria a empresas como a Wickbold na aquisição de castanhas diretamente de pequenas comunidades da floresta. “Outras propostas promissoras são o Observatório Castanha da Amazônia e o Diálogos Pró-Castanha, que reúnem um grande grupo de entidades ativas no setor para entender como podem melhorar sua atuação.”