O ciclo destrutivo da Amazônia é bem conhecido. A floresta cai por causa da especulação fundiária, muitas vezes atrelada à cadeia da pecuária. Grileiros e desmatadores, ao lado dos garimpeiros ilegais, são a força motriz do desmatamento. A falta de uma fiscalização efetiva apenas alimenta esse ciclo vicioso.
O outro lado da moeda, entretanto, também existe em várias regiões da floresta. É o chamado "looping positivo", como afirma o biólogo João Campos-Silva, presidente do Instituto Juruá, que há mais de dez anos desenvolve projetos de produção sustentável com comunidades locais da Amazônia, principalmente ligados à cadeia de produção do pirarucu – também chamado de arapaima e maior peixe de escamas de água doce do planeta. "Quanto mais as pessoas melhoram de vida, mais elas cuidam e querem cuidar da natureza", afirma o pesquisador, vencedor em 2019 do Prêmio Rolex de Empreendedorismo por seu trabalho voltado para a preservação do peixe.
Para Campos-Silva, não há dúvida de que o pirarucu, que pode alcançar 3 metros de comprimento e pesar até 200 kg, deveria merecer um local especial na vitrine de produtos amazônicos.
"Essa cadeia nos ajuda a cunhar um conceito realmente amazônico para a bioeconomia. É um processo que integra proteção da natureza, ciência, conhecimento tradicional e justiça social. Trata-se portanto de um exemplo fantástico que inspira otimismo para muitas outras cadeias produtivas da Amazônia", explica o pesquisador.
Em linhas gerais, as comunidades tradicionais que estão conseguindo gerar renda com a comercialização do pescado respeitam não apenas o ciclo natural da espécie como também o que os trabalhos cientÃficos apontam. No fim do século passado, a espécie quase desapareceu dos lagos amazônicos por causa da pesca predatória. Mas quando os cientistas começaram a entender melhor o ciclo de vida do peixe, e aplicar esse conhecimento em polÃticas públicas regionais, facilmente compreendidas pelos pescadores, a situação mudou.
Hoje em dia, existe um rodÃzio na pesca do pirarucu. Ou seja, lagos explorados neste ano não são usados para a pesca no ano seguinte. Com isso, as populações vão se recuperando. E também existe um limite de captura em cada um dos corpos d'água. O envolvimento das comunidades tradicionais é fundamental, porque são elas que ajudam na fiscalização desse processo.
O resultado já é visÃvel. No rio Juruá, por exemplo, o fechamento de lagos conectados aos rios associado ao manejo dos estoques de peixes pela população local resultou em uma recuperação da espécie, multiplicando por 30 o número de pirarucus. O plano de Campos-Silva é ampliar ainda mais esse plano de preservação.
"Temos muitos resultados importantes desse ciclo virtuoso", explica Campos-Silva. Entre eles, não apenas a recuperação das populações de pirarucus mas de outras espécies, que vivem no mesmo habitat, como jacarés, tartarugas e tambaquis.
"E existem vários outros ganhos, como a melhoria da infraestrutura das comunidades, a redução da desigualdade de gênero dentro da pesca, a organização e coesão social, a oportunidade de treinamento, o aumento da autoestima local e a redução da migração rural urbana", afirma o biólogo que decidiu trocar o interior de São Paulo pelo interior do Amazonas.
Fora da água, e além dos tradicionais açaÃ, castanha e dendê, até mesmo a produção de café vem sendo incrementada na Amazônia. A produção orgânica dos grãos também ajuda a preservar a floresta, uma vez que as plantas de café estão se dando bem com as sombras geradas pelas grandes espécies de árvores da floresta.
Um projeto-piloto pioneiro de produção orgânica de café está em curso na cidade de ApuÃ, onde, inclusive, os Ãndices de desmatamento estão bastante altos. No municÃpio do sul do Amazonas, 50 famÃlias da região tocavam a produção até o inÃcio do ano quando tudo mudou.
"A demanda está alta. Vamos agora mais do que dobrar o número de famÃlias e atingir também 70 hectares de área de produção", afirma Mariano Cenamo, criador e diretor do Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia), que há aproximadamente 20 anos resolveu implantar todo o seu conhecimento de engenheiro agrônomo obtido na USP (Universidade de São Paulo) na Amazônia.
No inÃcio do ano, a organização de Mariano recebeu um aporte de investidores da ordem de R$ 11 milhões. Recursos que estão permitindo dar escala para o projeto de produção de café orgânico com as comunidades locais. "Os desafios são grandes, mas estamos conseguindo estruturar a operação, as equipes, e produzir em maior escala", explica.
Um dos grandes trunfos do projeto, que permite uma geração de caixa extra, inclusive para que o dinheiro chegue na ponta da cadeia, entre os moradores da floresta, é que ele está atrelado ao mercado de créditos de carbono. "Se não fosse isso, a conta não fecharia", diz Mariano.
Fundo apoia projetos que estimulam avanços tecnológicos
O Fundo JBS pela Amazônia vai apoiar mais sete iniciativas voltadas para o estÃmulo da bioeconomia, visando a melhoria na qualidade de vida das comunidades tradicionais e o desenvolvimento cientÃfico e tecnológico da região. Pela primeira vez, haverá suporte financeiro para um projeto em andamento em terras indÃgenas.
Por volta de 650 famÃlias, espalhadas por 16 terras indÃgenas no centro-sul de Rondônia e noroeste do Mato Grosso serão beneficiadas. É esperado que as famÃlias envolvidas com as cadeias de produção da castanha, de sementes florestais e de artesanato aumentem suas rendas anuais em 5%.
O projeto Corredor Sustentável do Cacau, no sudoeste do Pará, tem como objetivo criar um plano de negócios para um futuro Corredor de Cacau, o primeiro do mundo que combina a preservação florestal e restauração. Já o Ingredientes da Amazônia visa o desenvolvimento de novos produtos e ingredientes com base na biodiversidade local (cupuaçu, guaraná, castanha, babaçu e cogumelos, entre outros) para serem utilizados no setor de alimentos vegetais (plant-based).
O incremento tecnológico também faz parte dos objetivos do fundo da empresa JBS. Um outro projeto selecionado vai pesquisar a possibilidade de que matérias-primas vegetais encontradas na floresta sejam usadas na produção de bioplásticos. A iniciativa apoia pesquisa já existente no qual o resÃduo do ouriço da castanha-do-Pará é pré-beneficiado na própria comunidade, por meio de suas cooperativas ou associações, e enviado para indústrias para ser inserido na composição do plástico.