Ecoturismo amazônico entra no radar do brasileiro

Limitações impostas pela pandemia impulsionam procura por experiência em instalações sustentáveis na selva, desde opções de base comunitária a segmentos de alto luxo

Deck flutuante do Anavilhanas Jungle Lodge, hotel de selva às margens do rio Negro, no Amazonas

Deck flutuante do Anavilhanas Jungle Lodge, hotel de selva às margens do rio Negro, no Amazonas Anavilhanas Jungle Lodge/Divulgação

Não é simples. Para começar, é preciso voar até uma cidade localizada no interior do Amazonas. Depois, encarar mais um bom tempo de barco até finalmente chegar a um flutuante bem no meio de uma reserva sustentável, local que será a sua hospedagem pelos próximos dias. Apesar das limitações e dificuldades de acesso, o ecoturismo amazônico, segundo vários estudos sobre a economia da região, tem tudo para ser um dos pilares do desenvolvimento sustentável de toda a Amazônia.

O setor atualmente se estrutura a partir de várias opções ao turista. Desde hotéis de selva sofisticados até pousadas mais simples. Muitos desses projetos buscam envolver as comunidades tradicionais nas atividades, o que ajuda a aumentar a renda dos povos da floresta.

Nesse campo, um dos pioneiros é o Uakari Lodge, administrado pelos gestores da reserva de desenvolvimento sustentável Mamirauá, unidade de conservação do Amazonas e maior reserva em ecossistema de várzea na Amazônia, com uma extensão de 1.124.000 hectares.

O hotel está estrategicamente localizado entre os rios Solimões, Japurá e Auati-Paraná e é o lar dos macacos uacari. Por estar em uma riquíssima área de várzea, as águas onde ficam os flutuantes da pousada têm uma variação de 10 a 12 metros ao longo do ano.

“No período da seca, entre setembro e dezembro, é melhor para fazer trilhas e caminhadas pela mata. Nas chuvas [meados do ano], com os rios mais cheios, as canoas chegam mais perto das copas das árvores e pode-se observar os macacos bem mais de perto”, afirma Pedro Nassar, coordenador do programa de turismo de base comunitária da reserva.

Instalações do Uakari Lodge, pousada pioneira em turismo de base comunitária na reserva Mamirauá
Instalações do Uakari Lodge, pousada pioneira em turismo de base comunitária na reserva Mamirauá - Uakari Lodge/Divulgação

Pelo plano de manejo da reserva, o local pode receber mil pessoas ao ano no máximo, sendo que a capacidade máxima dos flutuantes (balsas sobre o rio que funcionam como quartos que são ligados por passarelas ao flutuante central onde está o restaurante) é de 24 pessoas. “Nosso público vem muito do exterior, mas agora, nessa retomada, esperamos que o público nacional aumente em aproximadamente 30%”, afirma Nassar.

O segmento de luxo, impulsionado pela pandemia, também começa a atrair cada vez mais o público interno. Segundo Fabiana Caricati, sócia-diretora do Anavilhanas Jungle Lodge, hotel de selva localizado em frente ao Parque Nacional de Anavilhanas às margens do Rio Negro, a 180 km de Manaus, a retomada indica essa tendência. “Desde junho nossa ocupação tem aumentado e a perspectiva até dezembro é que a procura de turistas brasileiros continue alta. Até 2019, 70% dos nossos hóspedes eram estrangeiros. Hoje os brasileiros representam 85%”, afirma.

Segundo ela, o Brasil, por causa dos seus biomas, tem um potencial enorme para desenvolver as duas principais frentes do turismo ambiental: a mais aventureira, em que a experiência outdoor é o principal foco, e a voltada para o turismo de luxo, que também foca na experiência, mas sem abrir mão do conforto.

“Para que isso se desenvolva cada vez mais precisamos ter uma maior valorização e conscientização das unidades de conservação, como algo que pode trazer renda e gerar empregos para toda a comunidade”, afirma Fabiana.

Setor é prioritário para desenvolvimento

Por mais que os empresários do setor de ecoturismo estejam se organizando, os números mostram que o segmento ainda gera um faturamento distante do potencial que a atividade apresenta.

Um estudo do Instituto Escolhas divulgado em 2019, por exemplo, ressalta que o ecoturismo deve ser encarado como um dos quatro eixos de oportunidades a serem desenvolvidos para a região, ao lado da bioeconomia, da piscicultura e da transformação digital.

O estudo detalha para os quatro eixos prioritários dez projetos que poderiam ser implementados com investimentos públicos e privados num total de R$ 7,2 bilhões ao longo de dez anos. No caso do ecoturismo, entre os principais projetos de fomento, há a criação de cinco hubs logísticos de recepção aos turistas (ecoturismo e aventura, turismo de pesca, turismo científico, turismo étnico e turismo de negócio), além do investimento em capacitação de pessoal, com a criação de uma espécie de Sebrae da Floresta.

O caminho, segundo empresários do setor, pode sim gerar frutos para a região amazônica. Proprietário da Venturas Viagens, de São Paulo, Jota Marincek diz ter notado que a pandemia de Covid-19 provocou uma espécie de atualização das relações das pessoas com a natureza, gerando uma conexão mais forte. E é nesse contexto que o empresário constrói sua visão otimista do futuro. “O potencial é grande. As tendências internacionais apontam para um turismo de simbiose com as comunidades locais e, na Amazônia, você tem isso com a questão dos indígenas, dos caboclos ribeirinhos, que podem ser aprofundadas visando proporcionar experiências autênticas para os visitantes”, afirma Jota.

Segundo ele, há novas iniciativas surgindo no setor, o que é importante, ainda que mereça atenção. “Claro que precisamos perguntar quem são os investidores, quais seus interesses. Mas percebo que as empresas hoje estão tomando consciência de que não adianta fazer algo muito suntuoso, sem conexão com as comunidades locais.”