Ao mesmo tempo que enfrenta uma série de desafios, como o aumento no desmatamento e o desrespeito aos seus povos, a maior floresta do mundo mostra um enorme potencial de crescimento sustentável; comemorado hoje, o Dia da Amazônia é a oportunidade para refletir sobre iniciativas ambientalmente responsáveis e inclusivas que contribuem para a construção de um planeta melhor.
Madeira legal no combate ao desmatamento
Enquanto o desmatamento ilegal na Amazônia coloca o Brasil na lista dos grandes vilões ambientais do planeta e impacta o cumprimento das metas do Acordo de Paris, iniciativas bem-sucedidas provam que é possível aliar manejo florestal, geração de renda e sustentabilidade.
O trabalho da Coomflona (Cooperativa Mista da Flona do Tapajós), que há mais de 15 anos utiliza parte da floresta para produzir madeira de forma legalizada em Belterra, no interior do Pará, é um desses exemplos.
O ponto de virada no negócio ocorreu em 2013, quando o grupo obteve o selo FSC 100% comunitário, uma espécie de carimbo internacional que indica o cumprimento de todas as boas práticas florestais. Com representantes em mais de 80 países, a FSC (Forest Stewardship Council) é uma organização não governamental sem fins lucrativos criada em 1994 para promover o manejo florestal.
“O ciclo completo de um processo de certificação envolve cinco anos, mas claro que é um processo que se renova a longuíssimo prazo”, afirma Ricardo Camargo Cardoso, coordenador de Certificação Florestal da Imaflora, uma das principais certificadoras do selo FSC no Brasil.
Em linhas gerais, explica Cardoso, as propriedades que se interessam pela certificação precisam cumprir uma espécie de checklist que abrange dez princípios fundamentais ligados às boas práticas florestais, como, por exemplo, o respeito a todas as leis do país e a adoção de um plano de manejo adequado.
Segundo Cardoso, no caso da Amazônia, além da certificação de grandes processadoras de madeira, existem as pequenas cooperativas, nas quais os custos da certificação podem ser um impeditivo.
“É por isso que temos um fundo social para isso. Cinco por cento de cada contrato de certificação é destinado a este fundo, inclusive dos contratos da área agrícola”, afirma. A instituição também faz certificação de cadeia de custódia, outro selo importante para quem pretende exportar os produtos que saem da floresta.
No caso da Coomflona, dois anos após a certificação, em vez de um único cliente, a cooperativa passou a ter cinco. A maioria deles, que integra cadeias de custódia 100% certificadas, tem como objetivo levar a madeira para a Europa.
“Podemos dizer que somos atualmente a segunda ‘prefeitura’ na região, se não formos a primeira”, afirma Daniel Rocha dos Santos, 34, atual vice-presidente da Coomflona. “Nosso faturamento está na casa dos R$ 25 milhões na safra (período que vai de dezembro a dezembro)”, afirma Santos.
O grupo conta com 295 cooperados que trabalham em todo processo de produção de madeira. Além da renda direta, os recursos movimentam a economia local. Os cooperados investem na produção de óleo de copaíba e de andiroba seca e ainda mantêm em funcionamento uma pequena indústria de móveis, com peças assinadas por designers conhecidos e venda em pontos do sudeste do país.
Segundo Santos, todo o processo de extração das árvores tem etapas rígidas de controle. “Nós avaliamos bem as parcelas da floresta que serão usadas. Fazemos mapas no computador com o engenheiro antes de começar o abate e procuramos usar bem as clareiras para o impacto ser reduzido. Neste manejo dirigido, também evitamos os igarapés e as APPs (Áreas de Proteção Permanente). Precisamos manter a capacidade de regeneração da floresta porque vivemos dela”, afirma.
Apesar de seguir todos os protocolos, Santos afirma que o comércio ilegal de madeira ainda gera medo. “Nossa preocupação é que nosso produto seja usado para esquentar a madeira ilegal. Ainda que, pela rastreabilidade que temos da nossa madeira, nós podemos garantir a sua procedência em toda a cadeia de custódia, já que todos os produtos têm um selo que pode ser reconhecido em qualquer lugar”, afirma.
Segundo números do Ministério da Justiça e de Segurança Pública, entre janeiro e novembro de 2020, 36,7 mil metros cúbicos de madeira ilegal foram apreendidos apenas em rodovias federais. Quantidade 95% maior do que em 2019 no mesmo período. Apenas em abril de 2021, na maior operação da história, a Polícia Federal apreendeu entre os estados do Pará e do Amazonas mais de 200 mil metros cúbicos de madeira.
Em termos de áreas certificadas pelo método da FSC existem hoje 7,6 milhões de hectares em todo o Brasil. Desse total, apenas 1,9 milhão de hectares em áreas nativas. “É 0,4% das áreas florestais do país. Temos um potencial grande para avançar”, afirma Cardoso.
Selo é garantia contra ilegalidade
O total de áreas de florestas nativas ou plantadas certificadas registrou um aumento de 17% no ano passado, de acordo com a FSC, instituição responsável por certificar práticas ambientais ligadas à produção em florestas.
Esse índice, no entanto, segundo Daniela Vilela, diretora executiva da FSC Brasil, ainda está distante de alcançar todo o potencial do Brasil. “Depois de uma fase muito boa, onde muitos produtores procuraram a certificação para suprir uma demanda pela madeira legal, sinto que voltamos um pouco aos anos 1990, quando havia muita desconfiança em relação ao produto madeireiro da Amazônia”, afirma Daniela Vilela.
Mesmo diante dessa incerteza gerada pelo desmatamento, há produtores que confiam e investem na obtenção de selos para mostrar ao mundo que eles são diferentes daqueles que fazem tudo de forma ilegal. “A certificação é segurança, é a confiança na informação. Muitas vezes, até mesmo dentro da cadeia, há o risco de se comprar madeira ilegal sem saber”, afirma.
A produção legal tem maior demanda no exterior. Importadores da Europa, por exemplo, publicaram carta aberta atestando o interesse por “madeira de origem boa e sustentável, métodos de exploração de baixo impacto e práticas de manejo florestal que sustentem a produção florestal de longo prazo’’.
O documento indica que o manejo sustentável, no longo prazo, tende a ser mais viável do que as atividades ilegais. Segundo Daniela, as políticas públicas precisam focar em todo o processo. “Os dados mostram um desmatamento mais baixo onde a produção é mais organizada.”