Aumento no consumo amplia relevância da regulamentação de cigarro eletrônico

Produto usado no Brasil por mais de 2 milhões de adultos é fruto de contrabando, tem venda ilegal e não passa por controle de qualidade

O Brasil já tem mais de 2,2 milhões de adultos que consomem cigarros eletrônicos, segundo dados do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), apesar da produção e comercialização serem proibidas no país. É um público com acesso somente a produtos provenientes do mercado ilegal, sem origem controlada, sem controle de qualidade e que chegam ao país por meio de contrabando e são comercializados sem regras.

Esse cenário mostra a urgência da discussão sobre a regulamentação da produção e comercialização do produto, como aconteceu em boa parte do mundo, seja do ponto de vista da saúde pública seja do ponto de vista econômico.

No Brasil, o cigarro eletrônico é proibido desde 2009 por determinação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O debate sobre regulamentação, no entanto, permanece na agência. O diretor-presidente, Antônio Barra Torres, relator da matéria, já manifestou interesse em definir o assunto ainda neste ano.

A proibição, diz a agência, visa restringir o consumo. Mas o que se vê no dia a dia é a comercialização ilegal e o aumento do número de pessoas com acesso ao cigarro eletrônico, incluindo menores de idade, público ao qual não é destinado.

A curva de experimentação de vaporizadores entre os adultos fumantes no país cresce ano a ano –6 milhões provaram o dispositivo no ano passado, segundo o Ipec. E o número de consumidores habituais mais do que quadruplicou de 2018 a 2022 (veja quadro).

"Apesar da proibição de 2009, a importação, o comércio e o consumo de cigarros eletrônicos continua no Brasil. A proibição tem sido ineficaz não só para impedir a venda como também para inibir o consumo e informar as pessoas. Nesse caso, há uma ameaça à saúde da população, que não sabe o que está consumindo nem os riscos associados a esse consumo", diz Carolina Fidalgo, advogada especialista em regulação sanitária.

Enquanto o Brasil proíbe totalmente o cigarro eletrônico, dezenas de países e regiões do mundo já criaram suas regras. Entre eles estão Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Japão, Nova Zelândia e toda a União Europeia.

Assim, permitem ao consumidor acessar produtos que seguem as determinações sanitárias dos países e podem, a exemplo do que acontece com os cigarros convencionais, controlar a concentração de nicotina no produto e colocar advertências e descrições dos componentes nas embalagens.

Normas claras ajudam ainda no estabelecimento dos pontos de venda legais, inibindo a comercialização ilegal e para os menores de idade.

"A regra posta, de proibição, claramente não funcionou e cabe revisão. Temos cerca de 80 países no mundo com regras sanitárias para os cigarros eletrônicos que conversam com a Anvisa. A maior preocupação que temos é com o risco gravíssimo que estamos correndo com mais de 2 milhões de pessoas consumindo esses dispositivos sem controle de origem e sem receber informações sobre os riscos do produto", afirma Alessandra Bastos, ex-diretora da Anvisa, farmacêutica e consultora da BAT Brasil.

O impacto da regulamentação também é econômico. A Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG) produziu um estudo que projeta que o mercado ilegal de cigarro eletrônico no Brasil movimenta cerca de R$ 7,5 bilhões ao ano.

Segundo o cálculo da entidade, considerando apenas a importação do produto, a arrecadação média anual de impostos federais cresceria R$ 2,2 bilhões com a criação de regras para a produção e comercialização dos dispositivos.

REDUÇÃO DE RISCOS

A regulamentação teria efeito também em questões de saúde pública. O cigarro eletrônico não é isento de riscos. No entanto, estudos comprovam que o dispositivo é menos nocivo que o cigarro convencional, em que há a queima do tabaco.

Uma revisão de mais de 400 estudos científicos conduzida por pesquisadores do King’s College London, da Inglaterra, e divulgada pelo Ministério de Saúde inglês, mostrou que os vaporizadores são 95% menos prejudiciais que o cigarro comum ou 20 vezes menos nocivos à saúde.

Na Nova Zelândia, a regulamentação dos cigarros eletrônicos faz parte de uma abordagem mais ampla de redução de danos do tabaco e propõe um conjunto de iniciativas para alcançar o objetivo de geração livre do tabagismo em 2027, incluindo a redução do número de pontos de vendas de cigarro e limites restritos de nicotina.

A Cochrane, reconhecida rede internacional de saúde pública, por sua vez, publicou em novembro de 2023 que existem evidências de que o uso de cigarro eletrônico com nicotina é tão eficiente no processo de parar de fumar quanto os tratamentos com medicamentos para cessação.

Outra pesquisa realizada com 638 adultos fumantes no MUSC Hollings Cancer Center, nos Estados Unidos, também mostrou que o uso de cigarro eletrônico pode ajudar as pessoas a diminuírem ou cessarem o hábito de fumar.

O estudo foi feito com fumantes recrutados em 11 cidades norte-americanas, divididos em dois grupos. Um deles recebeu cigarros eletrônicos durante quatro semanas. O outro não recebeu nenhum suprimento.

Na avaliação dos resultados, as pessoas do primeiro grupo relataram mais abstinência completa de cigarros convencionais e redução no número de cigarros fumados por dia. Elas também diminuíram as tentativas de parar de fumar com outros métodos.

Amparado em estudos como esses, o governo inglês divulgou neste ano um pacote de medidas para redução do tabagismo. Uma delas é a entrega de um kit gratuito com cigarro eletrônico para um milhão de fumantes como estímulo para deixarem de usar outros produtos de tabaco.

A repressão às vendas ilícitas e para os menores de idade também integram o rol de ações governamentais nessa ofensiva. O Reino Unido tem como meta reduzir para 5% o número de fumantes até 2030.

A Suécia, que está prestes a se tornar o primeiro país do mundo livre do tabagismo conforme classificação da OMS, também reconhece os produtos alternativos de entrega de nicotina como menos prejudiciais que os cigarros convencionais.

Países que regulamentaram o cigarro eletrônico conseguiram, ainda, controlar com mais eficiência seu uso pelos jovens.

"Os estudos mostram que o cigarro eletrônico não é isento de riscos, mas é menos danoso do que o cigarro convencional e pode ser uma boa ferramenta para redução de danos para fumantes de cigarro a combustão", afirma o oncologista Edgard Mesquita Rodrigues Lima.

"Sem a regulamentação, não conseguimos nem fazer estudos próprios no Brasil nem colocar em pauta essa discussão sobre a redução de danos e deixamos os consumidores dos produtos ilegais sem informação e expostos a riscos.O debate no Brasil tem sido muito superficial e sem embasamento técnico e científico", completa o médico.

No Brasil, a taxa de experimentação dos dispositivos por menores é de 16,8%, segundo o IBGE (2019). Nos EUA, entre 2019 e 2023, o consumo de jovens caiu 36% como efeito da regulamentação.

As redes sociais brasileiras estão inundadas de dicas de formas perigosas de usar vaporizadores. Os exemplos internacionais mostram que, com regras claras definidas por agências de saúde, como a Anvisa, seria mais fácil combater a venda para jovens, além de estabelecer medidas para a conscientização dos consumidores, como já acontece com o cigarro convencional.

*Conteúdo patrocinado produzido pelo Estúdio Folha.