Por Jorge Nasser
Diretor-presidente da Bradesco Vida e Previdência
Estudos recentes indicam que a pandemia da Covid-19 deve reduzir em cerca de dois anos a expectativa de vida do brasileiro, que retornaria ao patamar de 2010.
Caso confirmada, a queda interromperá, pela primeira vez, um longo ciclo de evolução desse indicador, que era de 45,5 anos em 1945 e chegou aos 76,6 anos em 2019 — um ganho médio de cinco meses por ano-calendário.
São números com os quais não esperávamos mais nos defrontar. Diante da realidade, porém, a principal lição a ser extraÃda deles é que precisamos ressignificar o próprio conceito de "expectativa de vida", migrando da visão estatÃstica, estritamente técnica, para uma perspectiva mais humanizada: não se trata mais do tempo que teremos de vida, mas da vida que teremos nesse tempo. Qualidade, em vez de quantidade.
É como se o pós-pandemia nos acenasse com um novo ponto de partida, uma oportunidade de reflexão mais aprofundada sobre o nosso futuro, tanto do ponto de vista individual quanto coletivo.
Dada a sua natural condição de maior vulnerabilidade, os idosos foram os mais atingidos pela pandemia, não apenas no que diz respeito à taxa de mortalidade mas também aos efeitos sofridos nas mais diferentes dimensões de suas vidas. Para muitos, a maior necessidade de distanciamento social, por exemplo, acabou agravando o quadro de solidão e carência afetiva que já costuma afligir uma parcela expressiva dessa população.
Não há dúvida, entretanto, de que, em maior ou menor grau, a pandemia atingiu a todos, sem exceção. Crianças, adolescentes, jovens e adultos, embora menos afetados pela doença, tiveram suas rotinas e planos alterados, sendo obrigados a adiar estudos, projetos e sonhos.
De repente, nos descobrimos, todos, expostos a uma ameaça global cuja gravidade só encontra paralelo em outro evento do gênero ocorrido há nada menos do que cem anos.
"O impacto da pandemia direcionou ainda mais os olhares do planeta para a importância de cuidarmos da saúde fÃsica e mental. Vale lembrar que a ONU declarou o perÃodo de 2021 a 2030 como a Década do Envelhecimento Saudável. Para além disso, ficou também a certeza de que a longevidade se constrói dia após dia, pois o futuro nada mais é do que a soma de vários ‘presentes'".
Mas o que significa saúde? Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é um estado de completo bem-estar fÃsico, mental e social, e não apenas a ausência de doença. Essa visão é fundamental para que se compreenda a essência do conceito de longevidade: o bônus de uma vida longa só faz sentido se ela for vivida com autonomia e qualidade.
Estamos avançando, sem dúvida, mas há bem mais a fazer do que já foi feito.
É preciso perseverar na luta contra o preconceito do idadismo, que ainda estigmatiza os mais velhos como pessoas cujo tempo já passou, incentivar de maneira crescente a inserção digital dessa população e ampliar o amparo e o cuidado, em especial com a chamada quarta idade.
Importante, também, zelar pela adequada observância do Estatuto do Idoso, que assegurou uma conquista civilizatória fundamental, ao reconhecer a garantia ao envelhecimento saudável e em condições de dignidade como direito do cidadão e dever do Estado.
Hoje, sabemos que a idade significa mais do que o registro na carteira de identidade. A idade é a nossa história, representa nossas escolhas e hábitos. Com o passar do tempo, a "idade cronológica", aquela do RG, perde importância para a "idade biológica", que remete à nossa biografia.
Muitas pessoas atribuem grande peso ao fator genético e à hereditariedade, mas a predisposição genética representa entre 20% e 30% da nossa saúde.
A ciência já comprovou que a adoção de hábitos saudáveis pode reduzir em até 80% a incidência de doenças crônicas não-transmissÃveis, entre elas colesterol alto, hipertensão, problemas cardÃacos, diabetes, obesidade e diversos tipos de câncer.
De acordo com os especialistas, a receita é relativamente simples: cuidar da saúde mental, praticar atividade fÃsica regular, ter uma alimentação balanceada, controlar o estresse, procurar dormir bem, não fumar, beber com moderação e investir nos laços afetivos com familiares e amigos.
Quando se trata de longevidade e saúde, saber o que fazer, mas não mudar, é assumir um risco. Mais do que a oportunidade, temos a responsabilidade de nos tornar protagonistas do nosso futuro, fazendo desse novo ponto de partida o marco zero do nosso novo normal.