Regra do circuito fechado trava concorrência e dificulta inovação nas estradas

No encerramento do Maio Amarelo, especialistas discutem no seminário Inovação e Segurança nas Estradas tecnologias que reduzem o número de acidentes e o papel da regulação

Marcelo Nunes, da Abrafrec, Rafa Zimbaldi, deputado estadual, e Hildo Rocha, deputado federal (no telão) durante o seminário

Marcelo Nunes, da Abrafrec, Rafa Zimbaldi, deputado estadual, e Hildo Rocha, deputado federal (no telão) durante o seminário Keiny Andrade/Estúdio Folha

No encerramento do Maio Amarelo, mês escolhido pela ONU para que se discutam ações que efetivamente reduzam o número de mortes e de acidentes no trânsito, o Estúdio Folha e a Buser, plataforma de viagens de ônibus, realizaram o seminário Inovação e Segurança nas Estradas (veja abaixo).

Especialistas em mobilidade falaram sobre as novas ferramentas que estão sendo usadas para ampliar a segurança das viagens nas cidades e nas estradas e sobre os entraves regulatórios que dificultam a concorrência e iniciativas para baratear o valor das passagens.

Regramento atual é entrave ao crescimento econômico

Os participantes do painel de abertura do seminário Inovação e Segurança nas estradas foram unânimes em afirmar que a regulação brasileira no setor de transportes rodoviários está obsoleta. Entraves regulatórios dificultam a entrada de novos players dispostos a investir em tecnologias que ampliam a segurança das estradas e, ao mesmo tempo, reduzem os custos para os passageiros.

"No âmbito federal, tem havido pouca evolução", afirmou Hildo Rocha, deputado federal e presidente da Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados. "Precisamos flexibilizar a legislação para termos mais opções, menores preços, mais conforto à disposição dos usuários. A ANTT [Agência Nacional de Transportes Terrestres] tem de levar em consideração que impedir que se melhore a oferta de serviços não é a melhor forma de fiscalizar o setor."

Entre as regras vigentes que atrapalham o desempenho do segmento, foi especialmente criticada no debate a do circuito fechado no transporte rodoviário interestadual de passageiros por fretamento, que obriga que o grupo de pessoas na viagem de ida seja o mesmo na da volta, de acordo com um decreto de 1998. Por exemplo, um grupo que saia do interior de São Paulo para embarcar em um cruzeiro no porto de Santos deve ser o mesmo que retorna para o interior, mesmo que a viagem de navio dure semanas.

"O decreto é prejudicial ao país, os empresários deixam de gerar oportunidades", comentou Rafa Zimbaldi, deputado estadual e ex-presidente da Comissão de Transportes da Assembleia Legislativa de São Paulo. "Se for suspenso, o impulsionamento do turismo será muito grande", afirmou Marcelo Nunes, presidente da Abrafrec (Associação Brasileira dos Fretadores Colaborativos).

O Projeto de Decreto Legislativo 494/2020 tramita na Câmara dos Deputados com o intuito de suspender a regra do circuito fechado. Por sua vez, o PDL 69/2022, também em trâmite na Câmara, busca sustar a Portaria 27 da ANTT, de março deste ano, a que elenca como transporte clandestino o serviço prestado por empresas de fretamento em circuito aberto.

Dados da LCA Consultoria apontam que o fim do circuito fechado pode acirrar a concorrência, reduzindo preços e atraindo mais passageiros, o que irá gerar um impacto de R$ 2,7 bilhões no PIB, aumentando em R$ 500 milhões a arrecadação e criando cerca de 65 mil novos empregos.

Porém, na seara política, os caminhos para viabilizar a abertura passam por um trabalho de convencimento dos parlamentares, que precisam, segundo Hildo Rocha, ser sensibilizados da necessidade da livre concorrência de mercado. "Muitos têm uma ideologia contrária a isso", disse o deputado federal.

Em São Paulo, a legislação é um pouco mais avançada em relação ao fretamento no transporte rodoviário, mas há muito a avançar. Um dos grandes entraves para mudanças, destacou Zimbaldi, está justamente na constituição de monopólios no segmento. "Atingem inclusive o transporte público coletivo municipal, que muitas vezes é caro e de qualidade péssima", disse.

"Os grandes empresários do setor de transportes estão acostumados a mandar no mercado e a cobrar os preços que querem", disse Nunes.

1998

R$ 2,7 bi
É o ano do decreto que fixou a regra do circuito fechado, que obriga que o grupo de pessoas na viagem de ida seja o mesmo na da volta No PIB é o impacto que a abertura do circuito geraria, aumentando em R$ 500 milhões a arrecadação e criando 65 mil novos empregos, segundo a LCA

Uso da tecnologia reduz o número de acidentes

As novas tecnologias usadas pelas plataformas colaborativas de transporte coletivo já trazem resultados positivos na prevenção de acidentes e podem impulsionar outras empresas a seguir o mesmo caminho.

Essa foi a principal conclusão dos painelistas que participaram da segunda mesa de debates do seminário promovido pela Buser e o Estúdio Folha.

Laura Arantes, da Amobitec, Ciro Biderman, professor da FGV, Zé Gustavo, head da Buser, e o mediador Vaguinaldo Marinheiro
Laura Arantes, da Amobitec, Ciro Biderman, professor da FGV, Zé Gustavo, head da Buser, e o mediador Vaguinaldo Marinheiro - Keiny Andrade/Estúdio Folha

À medida que ocorre a disseminação de novas tecnologias e práticas avançadas de gestão da segurança no setor, é possível ter ganhos de escala e mais mobilização por adequações, lembrou Ciro Biderman, professor dos cursos de graduação e pós-graduação em administração pública e economia da FGV (Fundação Getulio Vargas). "As empresas terão que se mexer para vencer a concorrência", disse.

O professor destacou que, para essa estratégia dar certo, é preciso "utilizar a inteligência para os dados" no intuito de obter maiores avanços tecnológicos no setor de transportes. "Dados existem a valer, mas há pouca inteligência", frisou.

Como exemplo de uso inteligente de informações, Zé Gustavo, head de Políticas Públicas Regional da Buser, citou a estratégia de integração das ações da empresa, que atua em um tripé constituído por fator humano, veículo e via.

A startup instala nos ônibus da rede parceira câmeras para monitoramento da fadiga dos motoristas. Para obedecer às velocidades permitidas nas estradas, a Buser opera com sistema de telemetria que emite alertas quando os limites são ultrapassados. Quando isso acontece, os fretadores parceiros são multados. "Motoristas advertidos mais de duas vezes não trabalham mais conosco", disse Zé Gustavo.

Ele salientou ainda que a plataforma realiza cursos específicos com os condutores das empresas parceiras, visando à otimização do desempenho desses profissionais.

Esse acompanhamento do uso das novas tecnologias é fundamental, afirmou Laura Arantes, membro da Diretoria Executiva da Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia). "Na inserção de tecnologia e novos aparatos, uma governança muito bem amparada é essencial para termos bons resultados", disse.

Segundo ela, para potencializar os resultados positivos decorrentes do uso da tecnologia é preciso também um acompanhamento eficaz das empresas contratadas para a execução do serviço.

Durante o painel, os debatedores também abordaram levantamento feito com base nos dados da ANTT, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, sobre acidentes nas rodovias brasileiras em 2021. A taxa de acidentes por 10 mil veículos no caso dos ônibus regulares foi de 83,36 contra 5,63 no fretamento.

Zé Gustavo, porém, fez um alerta de que, sem um marco regulatório que garanta segurança a todos, o setor irá travar. "O Estado terá de ter coragem para avançar nessa questão."