Ciência comprova eficácia e aponta novos caminhos para Cannabis medicinal

Pesquisas sobre o funcionamento do sistema endocanabinoide reforçam os benefícios das substâncias derivadas da planta e ampliam perspectivas para o desenvolvimento de novos tratamentos

Hand holding Pipette with cannabis oil against Cannabis plant, CBD Hemp oil, medical marijuana oil concept

Getty Images/iStockphoto

Os centros de excelência de medicina do mundo já reconhecem a Cannabis medicinal como uma área emergente no campo da saúde. Na última década, as pesquisas revelaram o caráter revolucionário dos canabinoides, nome dado a substâncias encontradas na planta e que também são produzidas pelo organismo.

"A Cannabis está para a medicina do século 21 como os antibióticos estiveram para a medicina no século 20", enfatiza o neurocientista Sidarta Ribeiro, professor do Instituto do Cérebro, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e coautor do livro "Maconha, Cérebro e Saúde".

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A razão de todo esse entusiasmo é o sistema endocanabinoide, ainda pouco conhecido do público em geral, mas de extrema importância para o funcionamento do organismo por garantir a homeostase das células, ou seja, o equilíbrio interno delas.

Em geral, as pessoas estão mais familiarizadas com outros sistemas da fisiologia humana, como o cardíaco e o respiratório, que são formados por conjuntos de órgãos visíveis a olho nu e localizados em regiões determinadas do corpo. Mas o endocanabinoide é um sistema intracelular, espalhado pelo organismo.

Ele foi descoberto em 1964 pelo pesquisador búlgaro, radicado em Israel, Raphael Mechoulam, que mais tarde ficou conhecido como pai da Cannabis.

Mas as pesquisas que confirmaram as evidências do cientista demoraram décadas para acontecer, justamente por falta de matéria-prima - a planta ainda é considerada substância ilícita na maior parte dos países.

Os estudos avançaram mesmo nos últimos dez anos com a mudança gradativa na legislação dos Estados Unidos – dos 50 estados americanos, 38 legalizaram o uso medicinal da Cannabis – e a consequente abertura global para o estudo científico.

Comprovou-se que o sistema produz substâncias que possuem estrutura semelhante às encontradas na planta (os chamados canabinoides) e, por isso, foi batizado de endocanabinoide (endo vem do grego e quer dizer dentro). Essas substâncias desempenham papel importante na modulação dos neurotransmissores e, consequentemente, na comunicação intracelular.

Claudio Queiroz, professor do Instituto do Cérebro da UFRN, explica que o sistema é formado por receptores (CB, canabinoides) localizados nas membranas das células do corpo, principalmente na cabeça.

"Eles são ativados por ligantes endógenos (produzidos pelo próprio corpo), como a anandamida e o 2AG (araquidonilglicerol). E também por ligantes externos, como os canabinoides da planta. Quando os receptores são acionados, produzem respostas no sistema nervoso central e periférico", diz. Queiroz compara o sistema endocanabinoide a um sensor, que regula a excitação das moléculas para mais ou para menos, de acordo com o ponto de equilíbrio.

O professor explica que tanto os ligantes endógenos quanto os externos, quando conectados aos receptores, bloqueiam ações que estejam desequilibrando as células. "Por exemplo, a epilepsia é um surto, um excesso de atividade cerebral, bloqueado pelo estímulo do sistema endocanabinoide", afirma Queiroz, que pesquisa o efeito terapêutico dos canabinoides em camundongos epiléticos em parceria com Sidarta Ribeiro.

"Estamos falando de um sistema bioquímico, que vem sendo descrito como um dos mais relevantes do organismo", diz Sandra Freitas, consultora química para o bem-estar nutricional do CEC (Centro de Excelência Canabinoide). Esse sistema modula as respostas imunológicas, a comunicação neural e celular, entre outros processos. "Pesquisas apontam que o desequilíbrio desse sistema leva a doenças como insônia, depressão e epilepsia, entre outras", diz ela.

Isso explica a eficácia das terapias à base dos canabinoides produzidos a partir da planta. Uma vez no organismo, essas substâncias regulam o que está em desequilíbrio, seja pela falta ou pelo excesso. As pesquisas científicas, agora, tentam desvendar em quais doenças a Cannabis é eficaz. Na base do PubMed, plataforma que reúne estudos científicos, há mais de 28 mil pesquisas sobre o tema.

Nos Estados Unidos, o National Cancer Institute (NCI), que já indica o uso da Cannabis no tratamento da dor, da náusea, da perda de apetite e da ansiedade, agora realiza estudos para comprovar se os canabinoides são capazes de inibir o crescimento de tumores, ao mesmo tempo que protegem as células normais. No Brasil, há pouco mais de um ano, o Hospital Sírio-Libanês abriu o Núcleo de Cannabis Medicinal para o atendimento de pacientes e estudos na área.

Existem mais de cem tipos de canabinoides encontrados na planta. Os mais conhecidos são o CBD (canabidiol), o THC (tetrahidrocanabidiol) e o CBG (cannabigerol), normalmente diluídos em extratos, que compõem a base da terapia canabinoide.

Ao entrar na circulação sanguínea, o extrato age automaticamente nos locais onde há mais necessidade. "As substâncias da Cannabis se ligam aos receptores do corpo, funcionando da mesma forma que uma chave ao entrar na fechadura, acionando uma série de atividades autorreguladoras", explica Sandra Freitas.

Algumas doenças têm como gatilho a disfunção desse sistema. "A epilepsia pode ser causada pela hipofunção do sistema endocanabinoide, como apontam pesquisas recentes", afirma Cecilia Hedin, especialista da FioCruz em neurociência. Isso explica o fato de o óleo de CBD funcionar como anticonvulsivante, pois eleva a produção do canabinoide em falta no organismo. E por isso, diz ela, o CBD pode ser usado no tratamento de outras doenças, como a depressão.

"Costumo dizer que relaxar, comer, dormir, esquecer e proteger são as principais funções dos canabinoides", resume Marília Zaluar Guimarães, professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pesquisadora do Instituto D´OR. "Essas moléculas têm efeito anti-inflamatório. Ajudam muito na velhice, época em que há o desequilíbrio desse sistema, contribuindo para o bem-estar nessa faixa etária."

O sucesso do tratamento, no entanto, também depende da individualização do diagnóstico. "O médico terá de se interessar pelas rotinas do paciente, como a do sono e a do funcionamento do intestino, entre outras, para ser assertivo na dosagem e nas horas mais adequadas para tomar o medicamento", diz Sandra. "A Cannabis é uma reguladora de vida e não de doença."

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