Artigo: Domínio tecnológico & reindustrialização

PAULO GALA
Paulo Gala - CNI/Divulgação

PAULO GALA

Professor de economia na FGV-SP e economista chefe do Banco Master; é autor de "Brasil, uma economia que não aprende"

O Desenvolvimento econômico requer domínio tecnológico. Os países são ricos porque têm esse domínio ou, como dizem os economistas, estão na fronteira tecnológica. Não existe outro caminho para se desenvolver, aumentar a renda per capita, enriquecer o país e reduzir as desigualdades que não seja avançar no domínio tecnológico. E não existe país que tenha chegado à fronteira tecnológica do mundo sem possuir um setor industrial forte. A ideia de que existe desenvolvimento sem indústria não para em pé. A produção per capita industrial das nações mais desenvolvidas é, no mínimo, de US$ 5.000; em muitos casos, chega a US$ 10 mil. Alemanha, Suécia, Coreia do Sul, Suíça, Estados Unidos, Finlândia e Dinamarca, por exemplo, têm indústrias super high tech e produção industrial per capita altíssima.

Uma premissa-chave para a reindustrialização do Brasil é entender que serviços complexos e sofisticados caminham junto com o setor industrial. O problema é que esse processo tem de ser feito em um ambiente de mercados extremamente concentrados. É um mito a ideia de que vamos simplesmente promover uma abertura comercial e conquistar mercados. Estamos falando de um cenário em que as multinacionais têm 30%, 40%, 60% do comércio mundial. Nosso desafio é enfrentar essa concentração, bater os players tradicionais e construir empresas do porte de uma Boeing, de uma Siemens, de uma Pfizer.

Também precisamos reconhecer a assimetria de competição em um mercado cada vez mais concentrado. Nosso desafio é encontrar vantagens comparativas que nos permitam bater as companhias que já dominam os grandes mercados mundiais. Precisamos de políticas públicas que turbinem nossas empresas, para que elas consigam galgar espaços tecnológicos, e que as apoiem, mediante exigência de contrapartidas, como a conquista de mercado mundial, metas de exportação e avanços em sofisticação tecnológica. Já temos algumas companhias nacionais com domínio tecnológico e alcance global, mas elas ainda são exceções à regra. É preciso mais, muito mais.

Em um cenário de mercados concentrados, o Brasil tem a oportunidade da janela da transição verde, da sustentabilidade. Já somos um dos maiores players mundiais em etanol e em biomassa, e temos grande potencial para o hidrogênio verde. Além disso, 10% da energia nacional é gerada por parques eólicos localizados no Nordeste. Isso é mais do que é gerado em Itaipu.

O planeta está sendo destruído. Se não fizermos uma transição energética, a civilização não vai aguentar. E essa oportunidade caiu no colo do Brasil, mas, para aproveitá-la, precisamos desenhar políticas públicas que fomentem o desenvolvimento do país nessa área. Não vamos fazer isso apenas porque queremos salvar o planeta, mas também porque é o caminho para retomarmos a industrialização em setores que ainda não estão tomados, nem desenvolvidos, nem dominados pelas gigantes multinacionais. Estamos entre as maiores economias do mundo, mas só chegamos à metade do caminho e da escada tecnológica. Agora, a subida até o topo é muito mais difícil do que até a metade, porque vamos ter que enfrentar diretamente os grandes atores do mercado mundial.

De tempos em tempos, o Brasil se beneficia do boom mundial de commodities. Avançamos muito nos últimos dez anos na produção e exportação de soja, carne de boi e demais produtos do agronegócio, alcançando uma posição muito boa no ranking mundial. Além disso, somos o 2º maior produtor mundial de minério de ferro e o 9º de petróleo. Contudo, não estamos lidando satisfatoriamente com o desenvolvimento tecnológico industrial. Não temos políticas públicas desenhadas para aproveitar esse bom momento e reindustrializar o país. É o velho dilema brasileiro: quando temos uma bonança proporcionada pelas commodities, contamos com fluxo de dólares, reservas elevadas e crescimento nos setores extrativistas e do agronegócio, mas surgem problemas sociais, há o aumento no custo de vida, além da concorrência de produtos importados, o que afeta a indústria nacional.

Precisamos de políticas públicas que aproveitem o fluxo de divisas para investir na reindustrialização. Seria criar, por exemplo, uma indústria nacional de fertilizantes nitrogenados para dar segurança ao agronegócio. O conflito bélico na Ucrânia revelou o altíssimo risco de ficarmos na dependência da Rússia e da Bielorrússia nessa área. Não podemos repetir os erros do passado. É necessário e urgente desenhar uma agenda de reindustrialização com políticas públicas, missões, metas e projetos industriais, usando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outras fontes de promoção do desenvolvimento. Esse é um dos grandes desafios colocados para o Brasil no contexto de transição para a economia verde e para a sustentabilidade.