A CNI (Confederação Nacional da Indústria) propôs ao novo governo um plano estratégico de longo prazo de reindustrialização do país, a ser gerido pelo Ministério da Indústria e Comércio Exterior, a exemplo do que ocorre com o Plano Safra, que fomenta de forma bem-sucedida a produção rural desde 2003.
O argumento inicial da CNI é que a indústria responde por mais de 22% do PIB, portanto a alocação de recursos públicos deveria ser proporcional ao peso do setor na economia. "O Plano de Retomada da Indústria, em parte, se autofinancia pois acelera o crescimento econômico e a arrecadação tributária", aponta o documento.
Com a reindustrialização, lideranças empresariais do setor preveem um forte estímulo para iniciativas de inovação e de digitalização da economia, políticas que terão impacto direto sobre a produtividade, permitindo que o país produza mais a partir de menos recursos. Isso reforçará a resiliência das cadeias produtivas, viabilizando novos investimentos e empregos, para que o país possa competir nos segmentos mais valorizados pela sociedade no pós-pandemia.
"A pandemia e os problemas de abastecimento que tivemos, mais recentemente o aumento de preços de alimentos e energia, a guerra e a crise econômica global reforçaram a importância das políticas públicas de desenvolvimento industrial centradas na inovação. O Brasil não pode ficar fora disso que está acontecendo no mundo", diz Gianna Sagazio, diretora de Inovação da CNI.
Marcelo Thomé, presidente do Instituto Amazônia+21, afirma que a agenda ambiental e de sustentabilidade trouxe oportunidades para os empresários brasileiros nas áreas em que o país mais tem vantagens comparativas com o restante do mundo, caso de energias renováveis, produção de biocombustíveis e alimentos, manejo de florestas e fornecimento de créditos para a descarbonização da economia.
"Já faz alguns anos que o setor industrial entendeu a importância dessa agenda para além da dimensão do licenciamento ambiental, das regras e normas, mas para grandes oportunidades que se abrem com geração de créditos de carbono, concessão de florestas, transição energética e economia circular", declara.
Para implementar essa estratégia, a CNI destaca medidas para melhorar o ambiente de negócios, ampliar a logística, formar e capacitar melhor a mão de obra e reduzir o chamado Custo Brasil. Isso deve tornar os produtos brasileiros mais competitivos no mercado internacional e doméstico, ganhando espaço nas exportações e reduzindo importações.
A reindustrialização pede uma maior dotação orçamentária para tecnologia e depende também da formação de hubs com parcerias junto a universidades e centros de pesquisa e inovação, afirma o documento. Também necessita de políticas orientadas por missões internacionais, direcionadas a setores estratégicos para o desenvolvimento produtivo, científico e tecnológico.
A associação defende ainda uma revisão tributária que não penalize as exportações e as cadeias produtivas mais longas, caso da indústria, além de condições melhores de financiamento e estruturas de garantias para aumentar a capacidade do parque industrial brasileiro.
Para iniciar esse processo, o plano prevê direcionar o poder de compra do estado para o desenvolvimento tecnológico e a promoção de uma cultura de alta qualidade em produtos e serviços, com inclusão social e dentro das melhores regras de governança e conformidade exigidas pela sociedade.
Propostas da indústria em 11 áreas temáticas
- 1- AMBIENTE DE NEGÓCIOS E SEGURANÇA JURÍDICA
Na coordenação das políticas de estado do setor industrial, lideranças empresariais defendem a voltado Ministério da Indústria e Comércio Exterior, com autonomia para gestão de recursos vinculados ao Plano de Retomada da Indústria, além de outras iniciativas para desenvolver as seguintes medidas:
•aprovar a lei de recuperação judicial e extrajudicial das micro e pequenas empresas, o chamado Marco Legal do Reempreendedorismo;
•aperfeiçoar a relação entre Fisco e contribuintes coma aprovação do Código de Defesa dos Contribuintes e a atualização do Código Tributário Nacional;
•criar uma plataforma online para registro de todos os regulamentos federais por produto e segmentos de negócios
; •instituir um canal para denúncias sobre produtos pirateados, roubados e que não atendam regulamentos técnicos;
•estabelecer um processo de dupla visita para as fiscalizações do setor consideradas de baixo risco.
- 2- MEIO AMBIENTE E ECONOMIA DE BAIXO CARBONO
Para o país liderar os esforços globais de descarbonização e de mudança na matriz energética, a indústria lista uma série de medidas condizentes com o tamanho e relevância das florestas brasileiras, reservas de água, potencial de energia renovável e produção de alimentos e biocombustíveis. Entre as propostas estão:
•incentivar modelos de negócios inovadores e impulsionar cadeias que valorizem a floresta em pé e o uso sustentável da biodiversidade;
•criar um mercado regulado robusto de crédito de carbono, na forma de um sistema de negociações de direitos de emissões;
•instituir a Política Nacional de Economia Circular com intuito de desburocratizar e viabilizar a chamada logística reversa;
•trazer segurança jurídica e incentivar novas fontes renováveis de energia, como hidrogênio e eólica offshore;
•aprimorar e modernizar o processo de licenciamento ambiental para agilizar e dar segurança jurídica aos procedimentos;
- 3- INOVAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
A competitividade dos produtos brasileiros no mundo depende da estruturação de uma política nacional de ciência, tecnologia e inovação, articulada junto com as iniciativas da política industrial, diz Gianna Sagazio, diretora de inovação da CNI. O objetivo é tornar a economia brasileira mais digital, sustentável e inclusiva, por meio das seguintes iniciativas:
•elevar o investimento em pesquisa e desenvolvimento para um patamar compatível com a média dos países da OCDE de 2% do PIB. O último dado disponível, de 2019, era de menos de 1%;
•promover autonomia financeira e de gestão do INPI para que aperfeiçoe procedimentos e reduza prazos de análise de patentes;
•fomentar parcerias com universidades e centros de pesquisa para formar hubs de tecnologia;
•criar mecanismos de encomendas que possam estimular o desenvolvimento de tecnologias nacionais, reduzindo a dependência internacional; •
acelerar a digitalização das empresas industriais brasileiras a partir de estímulo à conversão digital com financiamento facilitado e favorecido;
•promover a transformação digital de médias e pequenas empresas em programas de larga escala como o Brasil Mais Produtivo (B+P), voltado a ganhos de produtividade e eficiência;
•priorizar missões público-privadas para conhecer experiências internacionais e promover negócios.
- 4- COMPRAS GOVERNAMENTAIS
Como um dos maiores consumidores de produtos e serviços do país, o estado tem a capacidade de usar seu poder de compras para promover produtos e serviços frutos da inovação tecnológica, incentivando qualidade e melhores práticas de conformidade. Para isso, deve:
•regulamentar o artigo 26 da Nova Lei de Licitações, (14.133/2021) estabelecendo margens de preferência e critérios para as compras públicas;
•regulamentar o inciso 6º desse artigo para estabelecer critérios e conferir segurança jurídica à aplicação de medidas de compensação comercial, industrial ou tecnológica;
•garantir nas negociações internacionais a prática
- 5- INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA
Com um peso anual estimado de R$ 1,5 trilhão (22% do PIB), o chamado "Custo Brasil" consome recursos e tempo de empresas e cidadãos por inúmeros gargalos. Na infraestrutura e logística, que reúne alguns dos principais gargalos, a CNI propõe:
•conceder administrações portuárias para a gestão privada
•implementar concessões rodoviárias de manutenção;
•regulamentar os marcos legais de ferrovias e cabotagem;
•aprovar o PL 414/2021, que aprimora o modelo regulatório e comercial do setor elétrico, assegurando a expansão do mercado livre e a eficiência do setor elétrico;
•reduzir os encargos setoriais incidentes sobre a conta de energia elétrica;
•alterar o marco legal para possibilitar outorgas de concessão na área do pré-sal;
•promover o acesso de terceiros às infraestruturas do setor de gás natural e combustíveis líquidos.
- 6- DESENVOLVIMENTO E CAPACITAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS
Outro gargalo que onera a indústria é a educação e formação deficientes da mão de obra. Para investir nos recursos humanos, a indústria propõe a elaboração de uma política nacional de educação profissionalizante e tecnológica, em diversos níveis, como instrumento de incentivo à empregabilidade. Também sugere:
•requalificação profissional e aperfeiçoamento de trabalhadores, frente aos impactos da transformação digital;
•atração de jovens em situação de vulnerabilidade social para processos de formação e qualificação;
•orientação de carreira e melhora no acesso a informações sobre o mercado de trabalho voltado a estudantes;
•atualização dos cursos de engenharia;
•implementação de uma política nacional de educação digital (PL 4.513/2020).
- 7- RELAÇÕES DE TRABALHO
A indústria defende modernizar a legislação de aprendizagem profissional para que o jovem receba uma formação de qualidade, alinhada à demanda dos setores produtivos, sem onerar a empresa. Também propõe a atualização em uma série de regras trabalhistas para poder ampliar os empregos no setor:
•permitir o trabalho aos domingos e feriados para todas as atividades da indústria;
•possibilitar que o serviço médico da empresa subsidie a perícia médica do INSS e tenha acesso ao laudo emitido;
•liberar o médico do trabalho para solicitar a prorrogação do auxílio-doença;
•criar o Conselho Administrativo de Recursos Trabalhistas;
•estimular a dupla visita orientadora nas fiscalizações do trabalho;
•implementar as novas normas de segurança e saúde no trabalho dentro da legislação previdenciária e trabalhista.
- 8- SAÚDE E SEGURANÇA
O Brasil pode se tornar referência em atenção primária à saúde, com acesso equânime aos serviços a todos os trabalhadores. Uma gestão mais eficaz dos recursos disponíveis teria impacto relevante na economia, podendo reduzir o custo associado a absenteísmo, acidentes e aposentadoria precoce, estimado em 2015 em cerca de 7,6% do PIB. Para isso, o país deveria consolidar as bases de dados de saúde com o objetivo de obter uma maior assertividade nas orientações médicas e uma melhor gestão do setor, com acesso do cidadão ao seu prontuário eletrônico. Outras medidas a serem adotadas:
•regulamentar a telessaúde e integrá-la com os sistemas público e privado com foco nos cuidados continuados e no aumento do acesso à saúde;
•utilizar o poder de compra público para o fortalecimento da indústria nacional da saúde e reduzir a vulnerabilidade na importação de insumos e equipamentos médico-hospitalares;
•estabelecer parcerias com países referência em gestão de saúde, com foco na saúde integral do trabalhador.
9- TRIBUTAÇÃO
A indústria é o segmento que mais paga tributos. Embora represente 22,2% do PIB, o setor responde por 38% da soma da arrecadação de tributos federais, ICMS e contribuições previdenciárias. Por outro lado, a indústria recebe apenas entre 12% e 13% da renúncia tributária federal, enquanto a agropecuária chega a 20%. Para promover justiça tributária e a reindustrialização, a CNI propõe:
•desonerar exportações e investimentos;
•aperfeiçoar os mecanismos tributários de incentivo à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação tecnológica;
•ampliar prazos para pagamento de tributos;
•facilitar a compensação automática de créditos tributários, assegurar o ressarcimento imediato dos créditos acumulados e restituir, integralmente, os resíduos tributários (Reintegra);
•permitir a depreciação acelerada de bens de capital aplicados a novos investimentos;
•eliminar travas para o aproveitamento de prejuízos fiscais;
•harmonizar as regras de tributação de lucros obtidos no exterior com os padrões internacionais;
•convergir as regras de Preços de Transferência do Brasil ao padrão da OCDE;
•aprimorar o modelo brasileiro de acordos para evitar dupla tributação (ADTs) e ampliar a rede de acordos com outros parceiros internacionais;
•manter a equivalência de tratamento do investimento com capital próprio e capital de terceiros (JCP ou ACE).
- 10-FINANCIAMENTO E GARANTIAS
As maiores economias do mundo mobilizam planos trilionários de apoio e incentivos para financiar suas indústrias em setores considerados estratégicos, na maior mobilização de recursos públicos desde a Guerra Fria. "Nas principais economias, os governos direcionam parcela substancial do orçamento para o desenvolvimento de sua indústria," diz o documento da CNI, lembrando que o pacote de financiamento à infraestrutura e empregos nos EUA teve orçamento de US$ 1,2 trilhão. Para financiar os investimentos, a indústria propõe:
•recriar o sistema de financiamento e garantias para exportação;
•levar recursos públicos e funding para financiamento e garantias de investimentos e exportações;
•reforçar o papel do BNDES como promotor do desenvolvimento industrial e do comércio exterior;
•ampliar os recursos públicos para fundos garantidores internos (FGO e FGI) e torná-los permanentes para assegurar o funcionamento contínuo de programas de financiamento (Pronampe e Peac);
•aprovar o Novo Marco de Garantias (PL 4.188/2021) para ampliar o conjunto de ativos utilizados como colateral, além de fracionamento de garantias na concessão de crédito;
•facilitar a migração de tomadores de crédito entre diferentes provedores de recursos;
•implantar um programa venture capital com mecanismos de redução de risco para investidores, nacionais e internacionais, focado em startups intensivas em tecnologia.
- 11- COMÉRCIO E INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL
Para ampliar a inserção do Brasil no comércio internacional, a CNI defende que o país tenha um modelo de governança com coordenação intra e intergovernamental, incluindo a participação do setor privado. O segmento deve ter metas, objetivos e recursos, de modo a tornar o processo decisório eficiente, transparente e previsível para implementar uma agenda de negociações comerciais abrangente que inclua: • entrada em vigor dos acordos bilaterais e multilaterais do Mercosul com a União Europeia, continuidade das negociações do Brasil com o México, do Mercosul com o Canadá, Reino Unido e SACU (União Aduaneirada África Austral), entre outros;
• revitalizar a agenda econômica do Mercosul e ampliar as disciplinas não tarifárias dos acordos na América Latina; • implementar uma estratégia nacional para superação de barreiras comerciais;
•reduzir a burocracia e a insegurança jurídica nas operações de comércio exterior e concluir a implantação do Portal Único de Comércio;
•instituir o marco legal do Operador Econômico Autorizado (OEA), implementar o Acordo de Reconhecimento Mútuo (ARM) com EUA e celebrar novos ARM com Argentina, Reino Unido e União Europeia;
•fortalecer o combate a medidas desleais e ilegais de comércio, por intermédio do alinhamento às práticas adotadas nas principais economias mundiais e de um canal unificado de denúncias sobre fraudes nas importações;
•dar seguimento ao processo de adesão à OCDE;
•ampliar o intercâmbio das agências e órgãos reguladores brasileiros com os seus congêneres internacionais.