ARMANDO MONTEIRO NETO
Foi senador e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; atualmente é conselheiro emérito da CNI
O Brasil teve uma industrialização tardia, que só nasceu um século e meio depois que foram implantadas as 1ª e 2ª Revoluções Industriais na Europa. Graças a um acerto em polÃticas adotadas a partir do inÃcio do século 20, o paÃs conseguiu construir uma indústria vigorosa, diversificada e que, até bem pouco tempo, era a mais importante plataforma manufatureira da América Latina. Agora, temos uma situação curiosa: industrialização tardia e desindustrialização precoce. O Estado desempenhou papel importante nesse processo. Na Era Vargas, edificamos a indústria de base, que deu suporte a um vigoroso ciclo de substituição de importações, com produção de bens de consumo duráveis. Esse ciclo se completou na década de 1970, com o segundo PND (Plano Nacional de Desenvolvimento). Naquela ocasião, iniciamos um ciclo de substituição de importações de bens intermediários e de bens de capital.
Entretanto, a partir dos anos 80, perdemos impulso, em razão da instabilidade macroeconômica, com um processo inflacionário descontrolado e, depois, com uma fortÃssima apreciação cambial e uma drástica elevação das taxas de juros. Esses fatores atrapalharam muito a indústria brasileira. Houve, também, uma certa dificuldade de entendermos a natureza das mudanças no cenário mundial. Não conseguimos transitar da polÃtica de substituição de importações para um modelo aberto, que exigia desenvolver competências, especialmente na produção de bens de maior densidade tecnológica. Aos poucos, fomos perdendo competências em áreas fundamentais, perceptÃveis no déficit na balança de manufaturados, como os setores farmacêutico, eletroeletrônico e de informática.
Diversos fatores determinaram esse quadro e terminaram por tirar o Brasil do ranking dos dez paÃses com maior produção industrial. Perdemos essa posição nos últimos anos para Taiwan, por exemplo, que hoje tem uma produção industrial maior que a nossa; a Coreia do Sul já havia nos ultrapassado; a Indonésia já tem hoje uma produção industrial maior que a nossa; até o México, que tem uma configuração industrial diferente da nossa, já avança significativamente. Para recuperar nossa posição, precisamos de melhor coordenação intragovernamental para focar em uma agenda que corrija as distorções do chamado Custo Brasil.
Estudo elaborado pelo Movimento Brasil Competitivo estima que o Custo Brasil tira R$ 1,5 trilhão por ano das empresas instaladas no território nacional, o que representa 22% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa oneração do setor industrial puxa a competitividade do paÃs cada vez mais para baixo. O estudo demonstra que um dos principais componentes do Custo Brasil são as disfuncionalidades do sistema tributário brasileiro, que privilegia a importação, em detrimento da produção nacional, e adota um viés anti-industrial, que sobrecarrega o setor com uma segmentação que o resto do mundo não utiliza em relação à tributação de bens e de serviços.
Nesse contexto, a realização de uma reforma tributária é fundamental, uma vez que o sistema tributário nacional tem um viés anti competitividade. Entidades representativas do setor produtivo têm promovido visÃveis esforços de diálogo com o Congresso Nacional, que culminaram em iniciativas importantes, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110, que tem como diretriz principal a instituição de um modelo dual do Imposto de Valor Agregado (IVA). Ao nosso ver, essa proposta responde de maneira adequada a um modelo tributário de classe mundial, harmonizado com os sistemas que hoje predominam no mundo.
Por isso, é essencial priorizar esse tema na agenda nacional, envolvendo os setores público e privado, no sentido de criarmos polÃticas que enfrentem o problema e não mudem conforme os ciclos polÃticos. Precisamos ter clara compreensão de que, se não atacarmos a questão do Custo Brasil, vamos comprometer todos os esforços de modernização da economia feitos ao longo do tempo. Se não avançarmos nessa agenda, continuaremos a ter problemas para o relançamento da indústria brasileira.
O desafio, agora, é definir uma estratégia industrial que dialogue com os tempos atuais: a Indústria 4.0, a economia digital. É preciso entender que temos oportunidades, que podem ser aproveitadas na transição energética da descarbonização da indústria. Contudo, tudo isso dependerá da capacidade de adotarmos polÃticas industriais nascidas de uma aliança estratégica entre o setor privado e o setor público, para promoção da competitividade, em várias dimensões, longe de um viés protetivo. É preciso que seja implementada uma estratégia que coloque a retomada da indústria no centro da agenda nacional. Esse é um momento desafiador e, por isso, mais do que nunca, a liderança empresarial tem um papel decisivo para que essa agenda tenha centralidade.