Artigo: Inovação e planejamento rumo ao futuro

CARLOS AMÉRICO PACHECO
CARLOS AMÉRICO PACHECO - CNI/Divulgação

CARLOS AMÉRICO PACHECO

Professor de economia da Unicamp e diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fapesp

A questão tecnológica é indissociável da indústria. No Brasil e no mundo, ambas nasceram no século 19, mas ainda como coisas pontuais, relativamente isoladas. Aqui, as iniciativas de Barão de Mauá ou de Delmiro Gouveia são bons exemplos, tal como as instituições de ciência e tecnologia criadas naquela época, como o Museu Nacional, o Museu Goeldi e a Escola de Minas, em Ouro Preto. No século 20, isso adquiriu enorme velocidade. A ciência, a tecnologia e a indústria saíram triunfantes da 2ª Guerra Mundial. Mostraram enorme poderio, indicado pelo desenvolvimento tecnológico e pelas estatísticas da produção decorrentes do esforço de guerra: o aprimoramento tecnológico e o gigantesco aumento da construção naval e da produção de aviões, o laser, a penicilina e, por fim, a bomba atômica.

O Brasil saiu da 2ª Guerra Mundial engajado nas possibilidades de crescimento da indústria e ciente do papel que a ciência desempenharia nisso. Militares, diplomatas e lideranças da CNI (Confederação Nacional da Indústria), entre outros, tiveram papel decisivo na construção das instituições de fomento à ciência criadas no pós-guerra. O impacto do que acontecia no mundo sobre o Brasil é tão extraordinário que a primeira instituição que nós criamos no pós-guerra foi o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, voltado à questão nuclear. Depois criamos o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), além do BNDES, cujo papel, até hoje, é fundamental para o desenvolvimento industrial do país.

O segundo PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), lançado em meados da década de 1970, talvez seja a maior demonstração da articulação entre a agenda tecnológica e a agenda industrial. Foi o primeiro grande programa-polo do Brasil, e nos deve inspirar ainda hoje. Ali nasceu o Proálcool, uma espécie de missão desenvolvida por muitas instituições e empresas brasileiras para o desenvolvimento de tecnologias nacionais próprias, com o objetivo de enfrentar os desafios daquele momento: energia e balança de pagamento.

Na década de 1980, perdemos o passo, com a crise da dívida e a hiperinflação. Quando conseguimos estabilizar a economia, modernizamos as instituições, as universidades cresceram e os institutos de pesquisa ficaram melhores, mas a apreciação cambial e a macroeconomia cobraram seu preço. O sistema industrial reduziu seu peso na economia brasileira, apesar de continuar sendo um setor relevante.

Temos pela frente um desafio: como nos mantermos relevantes e competitivos nas indústrias da Segunda Revolução Industrial, como a têxtil, a petrolífera, a automobilística e a química. Como manter alguma competência na indústria que emergiu após a 2ª Guerra, como a eletrônica, que migrou para a Ásia. E, em especial, como se posicionar na indústria do futuro, que talvez não seja um setor novo, mas um conjunto de tecnologias que vão impactar todos os setores econômicos, como inteligência artificial, data science, IoT (Internet das Coisas), entre outras.

Todos os países estão em uma corrida em torno da agenda tecnológica para o futuro, principalmente Estados Unidos e China, em uma rivalidade crescente em torno da tecnologia quântica. No meio dessa corrida, o Brasil retrocedeu do ponto de vista econômico. Nos últimos seis ou sete anos, andamos de lado ou para trás. Fizemos um enorme esforço para tudo dar errado. O preço disso foi o baixíssimo crescimento da economia. Quando você não cresce, não há agenda industrial e tecnológica que funcione. O cenário internacional é difícil, em razão de barreiras comerciais, proibição de compras e de aquisições de empresas, proibição de acesso tecnológico às empresas chinesas e um conjunto de questões que, agora, ficaram ainda mais exacerbadas pelo contexto da Guerra da Ucrânia.

Nossa industrialização teve importante avanço durante o Plano de Metas e também na década de 1970, quando havia rivalidade entre as empresas americanas e as europeias do setor automotivo. Seu objetivo principal era propiciar o ingresso do Brasil no mundo desenvolvido até o final do século 20. Há, aqui, uma inspiração que pode nos ajudar hoje: formular uma política industrial nessa linha, acoplada com a política tecnológica. Já fizemos isso antes e podemos fazer outra vez: olhar o que está acontecendo no mundo para escolher o papel que nos cabe nesse novo e imprevisível cenário internacional, e o que é preciso ser feito para vislumbrar oportunidades para a inserção do Brasil na economia global. Precisamos agir logo, de forma consistente e planejada, porque há muitos e novos desafios pela frente, alguns verdadeiros tsunamis sociais, econômicos e culturais.