Artigo: Por uma política industrial robusta

ANA CRISTINA RODRIGUES DA COSTA
ANA CRISTINA RODRIGUES DA COSTA - CNI/Divulgação

ANA CRISTINA RODRIGUES DA COSTA*

Economista, é coordenadora de Estratégia Industrial e Desenvolvimento do BNDES

A industrialização tardia e dependente foi, certamente, um dos fatores que impediram o Brasil de alcançar um maior desenvolvimento até agora. Para nos adaptarmos a um mundo em constantes transformações geopolíticas, com aumento da rivalidade entre estados nacionais, reconfiguração das cadeias de valor global, escassez de insumos etc., é crucial a criação de uma política industrial que fortaleça as cadeias locais de fornecimento com maior agregação de valor e inovação, tornando o país mais resiliente diante de crises de diversas naturezas. O pressuposto dessa política é a constituição de setores com empresas capazes de assimilar e produzir novas tecnologias.

Apesar das incertezas e das tecnologias inteligentes e conectadas criadas nos países avançados, bem como da necessidade de enfrentar as questões climáticas e ambientais, além de absorvedores, precisamos ser, também, desenvolvedores dessas tecnologias. Ainda que o Brasil tenha grandes desafios e gargalos a serem superados, precisamos perceber que esse mesmo contexto complexo abre novos espaços e oportunidades para a construção de uma política tecnológica e industrial sustentável própria.

O conjunto de capacitações organizacionais e produtivas no nível das firmas pode ser desenvolvido pela rede de instituições científicas e tecnológicas existentes no país – como a EMBRAPII (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) e os Institutos SENAI de Inovação, possibilitando desenvolver as chamadas tecnologias habilitadoras, que perpassam vários setores. Tais tecnologias contribuem fortemente para a agenda da descarbonização, aprimorando desde o que desenvolvemos há décadas, como o uso do etanol, até o que buscamos agora no hidrogênio verde.

Outro ponto relevante é como "relegitimar" a indústria, promovendo sua função social: empregos de melhor qualidade, mais qualificados, mais bem remunerados e capacidade para inovar, com maior encadeamento para frente e para trás nas cadeias de valor. Ao investir na indústria, estaremos construindo os alicerces do país para gerar mais riquezas no futuro. Esse setor necessita, ainda, de uma política macroeconômica convergente com a política industrial, para que o país possa ter a capacidade de equilibrar seu balanço de pagamentos ao longo do tempo.

Nos últimos anos, temos importado cada vez mais, principalmente peças, componentes e insumos. Isso faz com que nossos engenheiros e nossas empresas percam a capacidade de inovação e de absorção tecnológica, assim como a capacidade de exportar produtos de maior valor agregado. O desafio é como adentrar nas cadeias de valor global, de maneira a termos mais do que indústria maquiladora. Só assim será possível construir uma economia mais resiliente, descarbonizada e mais autônoma nas suas tomadas de decisão.

É importante um Estado forte, que possa abrir caminhos para montar instituições de desenvolvimento como o BNDES, com capacidade de ação e planejamento. Além disso, é preciso abrir mais relações com a academia, com a sociedade civil e com as empresas para a construção de ambientes democráticos que possam desenvolver pactos de curto e longo prazos. Neles, a indústria deve ser relevante – a tal ponto que os apoios dados pelo Estado ao setor se legitimem graças à possibilidade de ajudar a construir o futuro da nação: geração de riqueza mais bem distribuída, com melhor equidade e justiça social.

A indústria é fornecedora de bens, máquinas, equipamentos e serviços, principalmente os serviços intensivos em conhecimento, fundamentais para os passos que queremos dar. Podemos trabalhar com a indústria que temos, inclusive para atender às urgências sociais e ambientais. Os Estados Unidos têm como driver de crescimento os investimentos em defesa, energia e saúde. Precisamos descobrir quais são nossos drivers, para fazermos as ligações com setores cujas tecnologias ali desenvolvidas perpassem os demais setores.

Por exemplo, temos os investimentos para a indústria 4.0, que aumentam a produtividade e a eficiência, especificamente para se atingir a meta de descarbonização. Além disso, precisamos mudar as fontes dos processos produtivos, para sermos mais eficientes em termos energéticos com fontes renováveis, como temos conseguido há muito tempo com o desenvolvimento dos biocombustíveis, do biogás e da biomassa, além das energias eólica e solar. Da mesma forma, setores relevantes – como agricultura, petróleo e gás, defesa e aeronáutica, saúde, energias renováveis e mobilidade – podem ser estimulados a investir a partir de encomendas tecnológicas, parcerias público-privadas, leilões, concessões etc. Assim, conseguiremos criar uma matriz positiva, gerando um ciclo virtuoso para repassar ao restante da economia.

(*) Publicado originalmente no livro "200 anos de Independência – a indústria e o futuro do Brasil", este artigo não expressa a posição do BNDES, mas, sim, da autora.