Entrevista: "Não existe país forte sem uma indústria competitiva"

Robson Braga de Andrade, presidente da CNI, alerta que Brasil precisa reverter processo de desindustrialização para alcançar trilha do desenvolvimento econômico e social

A partir de estudos e consultas feitas a entidades e lideranças industriais de todo o país, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) elaborou um Plano para Retomada da Indústria, no qual são apresentadas diversas propostas com vistas a reverter o acelerado processo de desindustrialização em curso no país e a viabilizar uma maior inserção competitiva do país nas cadeias globais de valor.

Além de objetivos estratégicos de longo prazo, o plano inclui propostas para subsidiar as ações dos primeiros 100 dias do novo governo na área. Nesta entrevista, o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, aponta os principais entraves ao desenvolvimento industrial no Brasil e dá uma visão geral das medidas consideradas fundamentais para a reindustrialização do país.

Robson Braga de Andrade, presidente da CNI
Robson Braga de Andrade, presidente da CNI - CNI/Divulgação

Que fatores explicam o processo de desindustrialização do Brasil?

As causas da perda de competitividade da indústria nacional são muitas. Destacam-se, entre elas, os elevados custos sistêmicos, conhecidos como Custo Brasil, que, de acordo com estudo do Movimento Brasil Competitivo, consomem R$ 1,5 trilhão anualmente das empresas instaladas no país.

Esse rombo é resultado de diversos problemas, tais como: sistema tributário complexo, oneroso e cumulativo; infraestrutura deficiente; financiamento escasso e caro; baixa qualidade da educação; ambiente macroeconômico instável e insegurança jurídica.

Esses fatores tornam os produtos brasileiros mais caros que os de nossos principais concorrentes, o que se converte em perdas de exportações e em vantagens indevidas para os produtos importados, relativamente aos produzidos no Brasil.

O que precisa ser feito para reverter esse quadro?

Uma prioridade urgente é promover uma reforma da tributação sobre o consumo. A PEC 110, que tramita no Congresso, contempla as principais demandas do setor produtivo nessa área, entre elas a eliminação da cumulatividade e a imediata recuperação dos créditos tributários devidos. A consolidação da tributação indireta é imprescindível para corrigir as distorções do sistema tributário atual, que levam à perda de competitividade e de eficiência da indústria.

Outra medida essencial é a recuperação da capacidade de investimento em infraestrutura. O aumento de investimentos em transportes, energia, saneamento e telecomunicações garantiriam reduções de custo significativas para as empresas, a médio e longo prazos.

Essas medidas seriam suficientes para reverter o processo de desindustrialização e promover a retomada do setor?

Não. É imperativo, também, que o país invista na adoção de uma política industrial moderna. Novas estratégias de desenvolvimento industrial têm sido o grande foco de países como Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul, China, Alemanha e demais países da União Europeia. Levantamento realizado pela CNI sobre os ambiciosos planos desses países nessa área revela que, juntos, eles preveem investimentos da ordem de US$ 5 trilhões, nos próximos anos, em políticas de apoio às suas respectivas indústrias, com vistas a alcançar objetivos estratégicos, como a digitalização e a descarbonização da economia.

"O Brasil precisa investir na adoção de uma política industrial moderna, alinhada às boas práticas internacionais"

Em qual estágio está a formulação de uma política industrial para o Brasil?

O Brasil está muito atrasado nesse campo. Todas as nações desenvolvidas, e mesmo algumas que estão em estágio similar ao nosso, têm atuado no sentido de fortalecer ao máximo suas indústrias, sobretudo porque vivemos atualmente em um cenário de acirrada rivalidade entre os estados nacionais, barreiras comerciais e remodelação das cadeias globais de valor.

Há, ainda, a escassez de insumos e matérias primas, que se agravou com a pandemia de Covid-19 e a Guerra na Ucrânia. No Plano de Retomada da Indústria, elaborado pela CNI, que estamos encaminhando ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, defendemos que o novo governo coloque como uma de suas prioridades a adoção de uma política industrial alinhada às melhores práticas internacionais.

Quais premissas a CNI defende para elaboração de uma política industrial?

Um dos principais objetivos de uma política industrial moderna é o desenvolvimento científico e tecnológico, que coloca a inovação como principal fonte de ganhos de produtividade e de competitividade. Outro pressuposto é que ela seja estruturada com a garantia de recursos orçamentários e tenha como um de seus principais pilares o financiamento direcionado, com juros competitivos, para inovação, exportação e economia de baixo carbono. No mundo, as linhas de financiamento que sustentam esses investimentos são majoritariamente públicas, dada a sua importância estratégica.

Nossas propostas não se baseiam na criação de incentivos nem na redução de tributos, mas na adoção de medidas que garantam às indústrias nacionais igualdade de condições frente à acirrada competição do mercado internacional, com a redução do Custo Brasil e com políticas de apoio à indústria nacional similares às implementadas pelos nossos concorrentes. A premissa básica é a seguinte: não existe país forte e desenvolvido sem uma indústria competitiva e integrada ao mercado global.

"É fundamental reduzir o Custo Brasil, que consome R$ 1,5 trilhão anualmente das empresas"

Para finalizar: qual o impacto da desindustrialização para o país?

O efeito é muito danoso, porque a indústria tem enorme capacidade de multiplicar riquezas e de puxar o crescimento dos demais setores, por possuir cadeias produtivas longas e ser o grande indutor de inovações da economia.

A revolução de telecomunicações ocorrida nas últimas décadas, que afetou profundamente o setor de serviços, dependeu da criação de produtos industriais, como smartphones, sensores, torres de transmissão etc.

A alta produtividade e a produção em larga escala da agropecuária nacional deve-se, também, em larga medida, aos insumos fornecidos pela indústria, tais como fertilizantes, defensivos, ferramentas, máquinas e equipamentos com grande conteúdo tecnológico.

Além disso, o setor industrial gera cerca de 10 milhões de empregos formais e é responsável por 38% da soma dos tributos federais, do ICMS e das Contribuições Previdenciárias, por 66,4% dos investimentos privados em pesquisa e desenvolvimento e por 72% das exportações de bens e serviços. Ou seja: quanto menor for a participação da indústria no PIB menor será o desenvolvimento econômico, social e tecnológico do país.