Preconceito faz pacientes adiarem tratamento para depressão

Dados da OMS apontam que metade dos doentes está sem atendimento; campanhas e entidades querem incentivar busca por ajuda especializada

O figurino da mulher criada para cuidar da casa nunca coube a Vânia Pádua, de 60 anos. Ela sempre quis mais. Determinada, foi além do papel que lhe foi imposto desde cedo pela família. Formada em economia, trilhou uma carreira de sucesso e conquistou sua independência. Sentia-se realizada, quando, em 1999, veio o baque.

Por problemas pessoais, ela teve de abandonar o trabalho. "Comecei a me isolar, a não sair mais de casa", lembra. "Não tinha mais alegria, perdi o interesse por tudo." Em 2001, quando a vida parecia entrar nos eixos, veio um segundo golpe. A empresa teve de reduzir custos e a economista foi demitida. "Aí perdi o chão de vez", diz.

Lançada em um mundo de escuridão, como ela própria define, sua existência se transformou em dor. "O dia era a morte. Eu sabia que tinha de reagir, mas não conseguia", conta. A ideia de sair de casa lhe causava ansiedade e pânico. Lá fora, a vida em movimento era como um atestado de sua incompetência para lidar com os próprios sentimentos e emoções. Ainda mais reclusa, Vânia passou a comer compulsivamente e a fumar. Tinha vontade de morrer.

Voltou a trabalhar, mas aquela sensação de impotência persistia. Em 2008, uma colega sugeriu que a economista procurasse um psiquiatra. Como ela, uma mulher forte, que lutou tanto por sua independência, poderia estar deprimida? Para Vânia, depressão era "coisa de gente fraca". Ou, como dizia sua mãe, "de quem não tem um tanque de roupa para lavar". No fundo do poço, a economista se livrou dos preconceitos e foi ao médico.

Começava ali uma nova batalha. Vânia tomou todos os antidepressivos, em todas as combinações possíveis. Melhorava por dois ou três meses e recaía. "Sempre que mudavam as medicações, vinha a confiança em retomar a minha a vida", conta. "Mas, a cada decepção, eu ficava pior do que estava antes." Ela foi diagnosticada com depressão resistente ao tratamento (DRT), quando o paciente apresenta episódios depressivos moderados a graves e não responde ao uso de pelo menos dois antidepressivos, de classes diferentes, por dose e tempo adequados.

Mas Vânia persistiu. Foram momentos de grandes conflitos internos – um círculo vicioso de esperança e desesperança. Finalmente, em 2017, os medicamentos foram ajustados e, aos poucos, a doença foi controlada.

"Hoje o amanhecer não me apavora mais", comemora. "Abro a janela e me sinto preparada para enfrentar e resolver os problemas." A economista recuperou a autoestima perdida no processo de adoecimento e lida com os medos e inseguranças. "Não me recolho mais. Eu me respeito e me aceito", define. Atualmente, ela é subsíndica do condomínio onde mora e tem certeza de que não quer voltar à rotina de pressão do mundo corporativo. Sonha em abrir um negócio na área da gastronomia, com a afilhada. "Já consigo ver vida na minha vida", resume.

Vânia tem consciência de que se, aos primeiros sinais da depressão, tivesse olhado para si própria com um pouco mais de gentileza e buscado ajuda profissional poderia ter evitado (ou minimizado) o martírio que lhe consumiu muitos anos e todas as suas economias.

Apesar dos avanços da medicina, a depressão segue como um grande tabu. Em pleno século 21, o paciente ainda pode ser visto, erroneamente, como fraco, incapaz e problemático. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), o estigma é um obstáculo para o manejo correto do transtorno tão importante quanto a falta de recursos e de profissionais treinados. A consequência é aterradora: metade dos doentes está sem tratamento1.

O preconceito em relação à doença leva o paciente a um sentimento dilacerante de inadequação. Vergonha e culpa de sentir o que sente. E, sem a empatia da sociedade, se isola, como fez Vania. O desfecho pode ser dramático. Estima-se que cerca de 98% das pessoas que morreram por suicídio tinham algum transtorno de humor, especificamente a depressão, presente em 15% a 20% dos casos.

Também na saúde, a melhor arma contra os tabus é a informação – de qualidade e com embasamento científico. É preciso falar sobre depressão. Falar para o paciente, sua família e amigos. Falar sobre o transtorno no trabalho e nas escolas. Falar para a sociedade. "Depressão é uma doença como qualquer outra. Ninguém se constrange em dizer que é diabético ou hipertenso, por exemplo", compara Jorge Neves, líder da Unidade de Neurociências da farmacêutica Janssen. Pertencente ao grupo Johnson & Johnson, há dois anos a empresa lançou o movimento Falar Inspira Vida, com o objetivo de engajar as pessoas a procurar ajuda especializada.

Há de se vencer também o preconceito em relação aos medicamentos psiquiátricos. Como lembra Jorge, muitas pessoas ainda ficam desconfortáveis, por exemplo, em relação ao tempo de uso dos remédios ou a um medo – injustificado – de dependência desses tratamentos.

Para Marta Axthelm, a experiência dos grupos de apoio é transformadora. Marta preside a Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata), uma das entidades que fazem parte do Movimento Falar Inspira Vida. "Quando o paciente fala e quando sua fala é ouvida por outros que já percorreram o mesmo caminho, ele percebe que não está sozinho nessa empreitada", conta. "Cada um compõe um grande mosaico que serve para todos." E, assim, vai se formando uma rede de acolhimento e encorajamento.

O diagnóstico e tratamento corretos oferecem ao paciente uma vida normal, como a de qualquer pessoa sem o transtorno. Ninguém que esteja enfrentando um quadro de depressão deveria se contentar com menos do que isso.

Fonte: https://falarinspiravida.com.br/assets/files/janssen-guiateen-agosto.pdf

Referências:

  1. "Depressão"

(Depressão - OPAS/OMS | Organização Pan-Americana da Saúde (paho.org))

  1. "Depressão: quando saber falar e ouvir inspira a vida"

(https://falarinspiravida.com.br/assets/files/guia-falar-inspira-vida.pdf)

Movimento quer quebrar estigma sobre a doença

Lançado em 2020, o Movimento Falar Inspira Vida, idealizado pela Janssen, pretende, por meio do conhecimento, contribuir para a construção de uma sociedade mais empática aos temas da depressão e do suicídio. Um ambiente livre de julgamentos para que os pacientes (seus familiares e amigos) sejam incentivados a buscar ajuda especializada.

Algumas das iniciativas do movimento:

- Documentário "Existir & Resistir: o Desafio da Depressão". Produzido em parceria com o Discovery Channel, o filme relata a jornada de pacientes com depressão – de como eles venceram o medo, a vergonha e a culpa e, ao aceitar a própria doença, conseguiram buscar ajuda especializada

- Game "Jornada do Acolhimento – Inspirando o cuidado com a depressão". De maneira leve e interativa, jogo estimula a busca por ajuda médica sob quatro perspectivas diferentes

- Guia Falar Inspira Vida sobre depressão com foco no acolhimento da sociedade, ambiente corporativo e jovens.