Empresas devem saber acolher colaboradores com depressão

Especialista alerta que, sem ações preventivas para lidar com a saúde mental de suas equipes, companhias devem se preparar para as consequências financeiras em decorrência da doença

Empresas devem saber acolher colaboradores com depressão

Empresas devem saber acolher colaboradores com depressão Pixabay

Não foi uma, nem duas, mas várias vezes –e ainda acontece. Enquanto preenche o atestado médico, o psiquiatra Elson Asevedo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), frequentemente ouve de seus pacientes: "Ah, doutor, não coloque que eu tenho depressão". É o medo da demissão; a vergonha de como poderiam ser vistos pelos chefes e colegas –incapazes, desinteressados, preguiçosos, sem atitude.

Por causa dos estigmas acerca das doenças mentais, 86% dos portadores de depressão escondem sua condição no ambiente de trabalho, revela levantamento conduzido pelo Instituto Ipsos, a pedido da farmacêutica Janssen, do grupo Johnson & Johnson. E o silêncio não faz mal apenas a eles, mas interfere no clima do escritório e compromete o bom andamento dos negócios.

"Até pouco tempo atrás, estimava-se que uma em cada três pessoas teria um transtorno mental de impacto ao longo da vida", diz Asevedo, membro também da Associação Brasileira de Psiquiatria. "Um terço já era bastante, mas os estudos mais recentes indicam que esse índice gira em torno de 60% a 70%." Ou seja, mais cedo ou mais tarde, em algum momento, as empresas terão de lidar com a saúde mental de seus colaboradores. Se não instituírem ações preventivas, se não ajudarem seus funcionários a encontrar tratamento precocemente, pontua o médico, devem estar preparadas para as consequências financeiras dessa negligência. E os prejuízos são grandes.

Com 251 a 310 milhões de doentes no mundo, a depressão é a principal causa global de incapacidade e, entre todas as doenças mentais, a que mais afeta negativamente a atividade profissional1.No Brasil, um quinto dos depressivos recebe pensão por invalidez 2 e as perdas econômicas anuais associadas ao transtorno são de 63,3 bilhões de dólares 3. Ficamos atrás apenas dos Estados Unidos. Desse total, 60% referem-se a faltas no trabalho e queda na produtividade3.

Quinto país em número de depressivos, com 11,5 milhões de doentes1, por causa do absenteísmo, o Brasil perde anualmente cerca de 1,4 mil dólares, por paciente3.

O impacto financeiro do presenteísmo é ainda maior --quase 6 mil dólares, anuais, por doente3. Fácil entender por quê. A imensa maioria dos pacientes, especialmente nas fases mais agudas, fica com a memória, concentração, tomada de decisões e capacidade de planejamento comprometidas2. O doente pode até ir para a empresa, mas seus pensamentos não o acompanham.

Como o ambiente corporativo tende a refletir a sociedade na qual as empresas estão inseridas, o movimento para tornar o dia a dia no escritório mais empático ao portador da depressão envolve todos nós –dentro e fora dos escritórios. É imprescindível abordar o transtorno pelo que ele de fato é. Uma emergência médica, agravada pela pandemia do novo coronavírus, uma doença como qualquer outra --passível de diagnóstico precoce e controle. Hoje em dia, no entanto, somente metade das pessoas com depressão está em tratamento e, delas, só 20% são, de fato, bem assistidas4.

Nas companhias em que o tema saúde mental é levado a sério, o diálogo é franco e aberto. Uma conversa baseada em informações qualificadas, livre de preconceitos, envolvendo toda a empresa. Dos executivos aos funcionários na base da hierarquia, todos juntos, lado a lado. "Nesse momento, não dá para ter exposições de superioridade", diz Asevedo. A abordagem é impreterivelmente horizontal.

Aos interlocutores do colaborador, que ninguém venha lhe sugerir o que fazer. "Suas soluções de saúde mental funcionam para você; portanto, guarde-as com você", diz o médico. "Uma conversa de apoio em saúde mental é eminentemente uma conversa de escuta, de valorização do outro, de valorização dos recursos internos de cada um."

Cria-se, assim, um espaço de segurança, onde os portadores de depressão se sintam à vontade para compartilhar experiências, sentimentos e emoções. Em um ambiente livre, solidário e diverso, todos trabalham melhor, a criatividade flui e as inovações brotam. O acolhimento atrai e retem talentos e impulsiona os negócios.

Mas, para isso, é preciso conhecer e compreender a depressão, seus sintomas e tratamentos. A companhia tem de ser educada para os transtornos mentais. É importante também que as lideranças sejam treinadas para reconhecer os sinais da doença, para, quando necessário, encorajar o colaborador a procurar ajuda especializada.

A transformação, reconhecem os especialistas, é complexa. Por vezes, exige mudanças em práticas já profundamente arraigadas na cultura corporativa. Fácil não é, mas feita a transição, todos ganham.

Paciente de depressão, Marcelo Deakins Mezei, de 25 anos, conhece a liberdade de ser quem se é no ambiente de trabalho. Desde fevereiro, trabalha como analista de treinamento em uma start-up de benefício corporativo, focada em saúde e bem-estar. "Fiz questão de dividir minha condição com meu time e minha chefia", conta. "Para mostrar a todos que, no trabalho, somos iguais." Também para que eles não estranhem (e respeitem) quando Marcelo estiver mais introspectivo, triste e distante.

A autoconfiança do jovem demorou a ser conquistada. Começou a ser esboçada em 2019 com a notícia da depressão e o início ao tratamento. Foi libertador nomear, conhecer e entender o que, nos 14 anos anteriores, havia lhe causado tanta dor e sofrimento. "Sem o diagnóstico, eu ficava completamente perdido, à mercê da angústia, da tristeza e da raiva. Muitas vezes, não me reconhecia, não sabia dizer quem eu era", lembra. Marcelo se encontrou. Começou a interpretar os sinais emitidos pela doença e, com o apoio do psiquiatra e da psicóloga, consegue se adiantar a possíveis crises. Agora, como ele diz, está tranquilo.

Referências:

1. "Depression rates by country – 2022"

(https://worldpopulationreview.com/country-rankings/depression-rates-by-country)

2. "Depressão – Como acolher no ambiente de trabalho"

(https://falarinspiravida.com.br/assets/files/guia-depressao-como-acolher-no-ambiente-de-trabalho-falar-inspira-vida.pdf)

3. "Global patterns of workplace productivy for people with depression: absenteeism and presenteísmo costs acrossa eight divrese countries"

(https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27667656/)

4. "Depressão"

(Depressão - OPAS/OMS | Organização Pan-Americana da Saúde (paho.org))