O avanço da ciência no combate ao câncer tem apresentado resultados surpreendentes nos últimos anos. A oncologia de precisão representa uma revolução na área: ao focar na origem do tumor, crescem as chances de destruÃ-lo de forma mais eficiente, com menores riscos de toxicidade. O resultado é o aumento tanto da sobrevida como da qualidade de vida do paciente.
No Brasil, tratamentos de ponta como a terapia-alvo e a imunoterapia estão incorporados à rede privada de saúde desde janeiro de 2018, mas ainda parecem ser um futuro distante para os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), que representam cerca de 80% da população.
A situação do tratamento de melanoma no paÃs reflete o abismo crescente em relação à eficácia das terapias oferecidas pela rede privada e pelo sistema público de saúde. Apesar de ser o menos comum dos cânceres de pele (cerca de 4% dos casos), o melanoma é o tipo mais agressivo, representando 90% das mortes por câncer de pele no Brasil. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 55 mil pessoas morram por conta da doença todos os anos, o que representa seis mortes por hora.
"O tratamento para melanoma oferecido pelo SUS é o mesmo de 30 anos atrás. Não dá para comparar com o da rede privada", afirma o oncologista Antônio Carlos Buzaid, diretor geral do Centro Oncológico da Beneficência Portuguesa de São Paulo e membro do comitê gestor do Centro de Oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein.
Atualmente, a diretriz que estabelece o tratamento sugerido pelo SUS para melanoma metastático (quando o câncer se espalhou para outros órgãos) contempla apenas um quimioterápico-padrão, que não apresenta resultados muito efetivos, segundo médicos. "É uma quimioterapia antiga, com baixo potencial de cura. É muito diferente quando falamos dos tratamentos mais modernos, como a terapia-alvo e a imunoterapia", diz o oncologista.
O melanoma metastático pode atingir órgãos como cérebro, pulmões, ossos ou fÃgado. Cerca de 40% dos pacientes evoluem para metástase cerebral e estima- -se que apenas 20% dos pacientes em estágio avançado sobrevivam por cinco anos.
"A terapia-alvo e a imunoterapia são fundamentais para as diretrizes nacionais e internacionais de tratamento do melanoma metastático. Elas já foram aprovadas no Brasil há bastante tempo, então, não há justificativa para não serem incorporadas pelo SUS, a não ser pelo fator econômico", afirma o oncologista Fábio Franke, presidente da Aliança Pesquisa ClÃnica Brasil e membro do Comitê de Pesquisa ClÃnica da Sociedade Brasileira de Oncologia ClÃnica.
O melanoma metastático é um tipo de câncer com alta frequência de mutações genéticas. A mais comum delas, que representa cerca de 50% dos casos, ocorre em um gene chamado BRAF. A terapia-alvo é indicada para casos como esses, em que o câncer tem origem em uma mutação genética identificada e existe uma droga para combatê-lo.
Os medicamentos são administrados por via oral e atacam as células tumorais que são portadoras de mutações genéticas, poupando as células normais, o que garante menos efeitos colaterais, por exemplo.
Já a imunoterapia estimula o próprio sistema imune a reconhecer o câncer e combatê-lo. "É o tratamento mais efetivo para os casos em que o gene que sofreu alteração não foi identificado ou que ainda não existe remédio especÃfico para combater a mutação", explica Buzaid.
Segundo Franke, a grande questão no Brasil hoje é que os tratamentos de câncer oferecidos pelo SUS estão defasados por conta das novas tecnologias. "E a distância entre o tratamento ideal e o que é disponibilizado à grande maioria da população, por meio do SUS, está aumentando rapidamente", afirma.
A Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias) e o Ministério da Saúde estão avaliando a possibilidade de incorporar à rede pública as duas classes de tratamento (terapia-alvo e imunoterapia) e novos medicamentos para o combate ao melanoma. Assim, como acontece em outros paÃses, pacientes do setor público e privado terão acesso aos tratamentos mais efetivos. A reunião que deve decidir sobre o tema está prevista para este mês.
Uso de comprimidos facilita o tratamento e evita ida ao hospital
A possibilidade de tratar um tipo grave de câncer em estágio avançado por via oral já é realidade para os casos de melanoma em que é usada a terapia-alvo. Em vez de ir ao hospital, o paciente toma o medicamento em casa, com um copo de água.
O oncologista Fábio Franke explica que o princÃpio da quimioterapia é um remédio diluÃdo em soro e aplicado na veia, o que exige hospital ou unidade especializada. O medicamento deve ser diluÃdo na hora e administrado por um profissional. Em alguns protocolos há necessidade de várias doses, até mesmo diárias.
"Quando conseguimos substituir esse soro injetável por um comprimido tomado em casa, as vantagens são inúmeras. Evita-se o deslocamento, a permanência no hospital e não há o custo da estrutura exigida pela quimioterapia tradicional", diz.
Segundo Franke, a administração oral, no caso da terapia-alvo, pode ter a mesma eficácia que o tratamento feito no hospital. A imunoterapia, por enquanto, é feita apenas com medicamentos injetáveis.
QUAL ESCOLHER? ​
Os pacientes com melanoma que expressam mutação genética identificada podem se beneficiar da terapia-alvo. Já a imunoterapia pode ser oferecida para todos os tipos de melanoma.
"Na terapia-alvo, costumamos ter uma resposta mais rápida, com a vantagem de ser administrada por comprimidos. A resposta da imunoterapia demora um pouco mais, mas temos resultados duradouros, com pacientes chegando a 10 anos de intervalo do reaparecimento da doença. E há casos de cura do melanoma, mesmo em metastáticos, o que seria impossÃvel poucos anos atrás", diz Franke.
O oncologista Antônio Carlos Buzaid complementa que, em estágios avançados de melanoma, o potencial de cura da terapia-alvo é pequeno, mas o tratamento oferece possibilidade de controle da doença. E ressalta que a imunoterapia oferece chance de curar, de erradicar a doença.
"Optamos por uma ou outra de acordo com as caracterÃsticas dos pacientes, principalmente se ele possui mutações genéticas. Ambas são eficazes, depende do caso", conclui Franke.