Os últimos dez anos representaram uma revolução na medicina e na oncologia. Da ficção científica para vida real, a evolução do conhecimento biológico possibilitou descobertas que transformaram a prática médica e que, mais recentemente, começaram a se tornar acessíveis para um número maior de pessoas.
Depois de 50 anos sem novidades no tratamento do melanoma, foram aprovadas no Brasil ao longo dos últimos cinco anos as terapias alvo e as imunoterapias. Diferentemente das quimioterapias convencionais, tais tratamentos inovadores possuem mecanismos de ação mais específicos, que prolongam a vida do paciente e promovem maior qualidade de vida.
Enquanto a imunoterapia utiliza medicamentos que estimulam o sistema imunológico do paciente a reconhecer e destruir células cancerosas, a terapia-alvo inibe componentes específicos que contribuem para o crescimento e sobrevivência das células tumorais do melanoma, prevenindo também a destruição das células saudáveis.
“Há 15 anos, a expectativa de vida de alguém com melanoma avançado ou metastático, que é quando o câncer se espalha para outros órgãos, era muito ruim. Quase não havia alternativa terapêutica”, afirma André Abrahão, diretor médico da Novartis Oncologia.
Os avanços na oncologia mudaram esse cenário e permitiram um olhar para o paciente de forma individualizada. Exames genéticos revelam se a pessoa tem ou não a mutação genética. E, uma vez conhecidas as características moleculares do paciente, o médico é capaz de prescrever a terapia mais adequada para combater a doença.
Terapias alvo são indicadas especificamente para pacientes com mutação no gene BRAF, pois atuam diretamente nas células alteradas. Já imunoterapias tem indicação para pacientes com ou sem mutação, pois atuam por meio da estimulação e restauração da função imunológica.
Sérgio Jobim de Azevedo, professor do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que em cerca de 50% dos casos de melanoma de pele existe uma mutação no gene BRAF, que se multiplica desordenadamente. “Hoje existem medicamentos que inibem a proliferação desse gene, resultando em redução das lesões e regressão da doença: é a terapia-alvo.”
A associação desses vários conhecimentos e descobertas são pontos fundamentais para o avanço do tratamento do melanoma, uma vez que as diferentes características moleculares dos pacientes necessitam de diferentes tipos de tratamento. Quando diagnosticado nas fases iniciais da doença, o paciente tem chance de cura da doença, diferentemente dos estágios mais avançados, em que o tratamento tem como objetivo prolongar a vida do paciente, mas sem finalidade curativa.
“Quando descoberto no início e está restrito à epiderme (camada superficial da pele), é feita a retirada cirúrgica da lesão”, explica Abrahão.
“O melanoma e os cânceres de pele são o melhor exemplo de que, se detectar cedo, está resolvido”, diz Azevedo. “A pele é um órgão que se vê. E isso facilita o que chamamos de prevenção secundária: a detecção precoce de lesões no momento em que a chance de cura é muito maior e que a efetividade de uma cirurgia simples é de quase 100%.”
O especialista explica que a exposição solar é o principal fator de risco para o desencadeamento do melanoma. As pessoas ruivas ou de pele e olhos claros têm maior predisposição. A melhor forma de prevenir é se proteger do sol (e dos raios ultravioleta): evitar exposição, principalmente entre 10h e 15h, e usar protetor solar.
“É fundamental as pessoas saberem que existe câncer de pele e que elas têm que se observar. Devemos ficar atentos ao surgimento de um novo sinal de cor (pinta) ou à mudança em um sinal já existente”, afirma Azevedo.
“A prevenção e o tratamento precoce são determinantes para o melanoma. Com isso conseguimos mudar a história de uma doença”, completa Abrahão. E, enquanto não se encontra a cura para as fases avançadas do melanoma, é fundamental conseguir controlar a doença. “Na fase avançada, no melanoma metastático, as novas terapias conseguem prolongar muito a vida. Isso é importante porque a oncologia está avançando rapidamente e, cada vez que ganhamos um ou dois anos, vem outra terapia e prolonga mais dois ou três anos. E quem sabe, lá na frente, não estamos falando de cura?”.
No Brasil, no entanto, muitas vezes o melanoma é detectado em estágio avançado, principalmente na rede pública. E a situação se torna ainda mais grave porque esses tratamentos inovadores ainda não estão disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde).
“A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) já incorporou a terapia-alvo e a imunoterapia ao sistema privado. Mas esses tratamentos precisam também chegar ao SUS, que atende 75% dos brasileiros”, defende Abrahão.
Sérgio de Azevedo, que atende a rede pública de saúde como chefe do serviço de Oncologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, concorda. “A diferença entre a medicina praticada na rede privada é muito superior à praticada na rede pública. O SUS tem muitos méritos, mas, quando falamos de terapias modernas, deixa a desejar.”
Ele afirma que a quimioterapia, único tratamento disponível no SUS para melanoma, não funciona para a grande maioria dos casos. “Quando recebo um paciente com melanoma na rede pública é muito triste. É constrangedor.”
Segundo Abrahão, é importante que a população tenha conhecimento sobre o assunto para lutar pelos seus direitos. “A única forma que as pessoas têm de participar desse processo é fazendo suas vozes serem ouvidas nas consultas públicas, nas associações de pacientes e por intermédio de seus médicos, questionando ‘Por que eu não posso?’.”