Descrição de chapéu saneamento

Recursos para saneamento dependem de cooperação entre setores público e privado

Em ano de eleições municipais, pressão social e aprimoramento das normas têm potencial para acelerar ingresso de vultosos investimentos

Estação de tratamento de esgoto de São José do Rio Preto

Estação de tratamento de esgoto de São José do Rio Preto Assessoria/Prefeitura de São José do Rio Preto

Os mais de 5.500 municípios brasileiros têm, até o fim de 2033, uma grande missão que é também um enorme desafio: obter e aplicar R$ 509 bilhões para atingir a universalização dos serviços de água potável e esgotamento sanitário.

Com a edição do novo Marco Legal do Saneamento, em 2020, ficou claro que o caminho para essa universalização envolve a constante colaboração entre os setores público e privado. Isso inclui a participação assistida da iniciativa privada, com concorrência pública, uma regulação forte sobre o sistema e segurança jurídica para atração de investimentos.

Enquanto o prazo de 2033 foi determinado pelo novo Marco Legal, a quantia necessária é uma estimativa baseada nas necessidades brasileiras. Ela representa investimentos de R$ 46,3 bilhões por ano, mais que o dobro do ritmo registrado nos cinco anos até 2022, de R$ 20,9 bilhões anuais.

Apesar do nível de recursos exigido pela missão do saneamento básico universal, ele não é um obstáculo intransponível, segundo Luana Siewert Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) que, desde 2007, atua para informar o cidadão do direito à universalização desse serviço.

"Não é que falte dinheiro. Faltam estruturação de projetos e decisões que coloquem esses projetos para frente, para que esse volume de recursos aumente", diz Siewert Pretto.

MAIS CONCORRÊNCIA

Os recursos necessários podem ser encontrados nas alternativas de financiamento criadas pelo novo Marco Legal. A lei de 2020 mudou drasticamente a forma como municípios brasileiros podem buscar recursos da iniciativa privada: acabou com os chamados contratos de programa, pelos quais empresas eram contratadas para tarefas e serviços específicos, sem necessidade de licitação, e passou a exigir processos de concessão, sempre com processo licitatório.

"O contrato de programa possibilitava que a estatal renovasse o contrato sem licitar, então você tinha reservas de mercado", afirma Gesner Oliveira, consultor e sócio da GO Associados e ex-presidente da Sabesp. "Agora precisamos trazer investimento privado, e você só consegue isso se abrir uma concorrência."

Essa concorrência, explica Luana Pretto, foi estimulada pela nova legislação. "O Marco Legal estimula que tanto o público como o privado concorram de igual para igual." A decisão de convocar a iniciativa privada ficou nas mãos das prefeituras, que precisam analisar se a empresa pública responsável por seu serviço de saneamento tem condições de cumprir a meta de oferecer água potável para 99% dos moradores e coleta e tratamento de esgoto para 90%, como determina o novo Marco Legal.

Caso concluam que não possuem tal capacidade econômico-financeira, análise exigida pela nova lei, os municípios devem buscar parceiros por meio das concessões, que incluem concessões totais de longo prazo, privatizações e a modalidade de parceria público-privada, a chamada PPP.

"Há um movimento por parte das companhias de busca por soluções, inclusive algumas superavitárias", diz a presidente-executiva do Trata Brasil. "A Sanepar [Paraná], por exemplo, tem ótimos indicadores, é superavitária, mas entendeu que não teria o ritmo de investimento para atingir as metas se não fizesse algumas PPPs para coleta e tratamento de esgoto."

SEGURANÇA JURÍDICA E TRIBUTAÇÃO

Gesner Oliveira diz que a peça mais importante entre as várias necessárias para atrair capital privado para o setor de saneamento no Brasil é segurança jurídica. Segundo ele, o novo Marco Legal garantiu mais da metade da segurança jurídica necessária, mas ela ainda precisa ser aprimorada.

Isso, diz Oliveira, exige uma regulação estável e previsível do setor, "sem intervenção política ou do poder econômico". "Aqueles que podem investir em saneamento, e há apetite para isso, precisam ter certeza de que as regras não mudarão no meio do jogo." Como pontos centrais dessa segurança, ele cita estabilidade nas regras tarifárias e a agilidade das agências reguladoras em processos de revisão de contratos, por exemplo.

Oliveira também ressalta como possível preocupação o impacto da reforma tributária brasileira no setor de saneamento básico, que desfrutava de isenção de impostos como ISS e ICMS e pode vir a ser tributado pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), previsto na reforma. "Se não for dado um tratamento diferenciado ao saneamento, isso pode acarretar a necessidade de fazer reequilíbrios de contratos de longo prazo."

A existência de dezenas de agências reguladoras em território nacional, municipais, estaduais e regionais, pode representar um desafio para empresas que invistam no setor, caso sejam sujeitas a regras diferentes. Nesse sentido, o papel da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) na uniformização das regras pelo Brasil, com a publicação de normas de referência, é essencial para oferecer segurança aos futuros financiadores de projetos de saneamento no país.

SETOR ATRATIVO

Apesar dos vultosos investimentos e dos prazos longos, Gesner Oliveira diz que há vários motivos pelos quais o saneamento básico mostra-se atrativo para investidores e operadores privados. "É uma demanda muito estável", afirma, referindo-se tanto à água quanto ao esgotamento sanitário.

Ele lembra que outros mercados representam riscos maiores para investidores, como o de tecnologia, em que novas soluções podem rapidamente tirar do mercado um produto ou serviço lançado anteriormente. "No saneamento, não. Você tem um contrato de 20 anos, renovável por mais 20, o valor presente líquido desse contrato é enorme." Ele ressalta também a facilidade de obtenção de empréstimos por empresas devido à previsibilidade e estabilidade do setor.

Luana Siewert Pretto lembra que a forte ligação entre saneamento básico e preservação do meio ambiente torna o setor ainda mais atraente para investimentos. "Os fundos existem, querem investir em um setor que é ESG [meio ambiente, social e governança], estamos falando em desenvolvimento econômico-social, melhoria do meio ambiente. Existe recurso financeiro para isso, mas a decisão política para esse investimento precisa acontecer."

Gesner Oliveira reforça ainda a importância das eleições municipais deste ano para a aceleração do nível de investimento, pois, segundo ele, "o que vira a chave é a pressão social por um serviço básico".

"As eleições oferecem uma grande oportunidade para os cidadãos perguntarem aos candidatos: ‘quando teremos 100% de água tratada, 100% de coleta de esgoto e 100% de esgoto tratado?’ É isso que vai fazer virar a situação."

Rio Preto universaliza setor com investimento

A elaboração de um plano diretor de gestão estratégica em 2005 que levou a novos investimentos e obras em saneamento. Essa foi a receita do município de São José do Rio Preto (cerca de 440 km de SP).

"Esse plano norteia todas as nossas ações", afirma Nicanor Batista Júnior, superintendente do Semae (Serviço Municipal Autônomo de Água e Esgoto) da cidade.

Na edição de 2024 do ranking nacional do saneamento do Instituto Trata Brasil, Rio Preto aparece em segundo lugar, com 100% de atendimento de água potável e 93% em esgotamento sanitário, atrás apenas de Maringá (PR).

Segundo Batista Júnior, desde 2005 houve uma continuidade das ações. "Conseguimos resolver o problema de abastecimento de água. Tínhamos falta d’água constante na cidade na década de 1990 e início dos anos 2000."

Em seguida, o foco tornou-se o esgotamento sanitário. "Fomos atrás de recursos, fizemos um financiamento junto à Caixa Econômica Federal e ao BNDES." Graças ao financiamento, a cidade construiu uma estação de tratamento, ampliada no final da década passada.

Rio Preto, cuja empresa de saneamento foi mantida sob controle municipal, continua buscando recursos. "Estamos pleiteando um novo financiamento para pegar água no rio Grande, distante 55 quilômetros de Rio Preto."

Como é comum no setor, os volumes envolvidos são vultosos. "É uma obra de R$ 1 bilhão, na primeira etapa. Estamos pleiteando R$ 650 milhões de financiamento, os outros R$ 350 milhões são recursos próprios nossos."

São José do Rio Preto é um grande polo industrial e de serviços no estado de São Paulo, mas cidades com menos recursos podem se beneficiar da regionalização, prevista no Marco Legal. Luana Siewert Pretto, do Instituto Trata Brasil, lembra que a regionalização pode ser a alternativa para que municípios com menos recursos atinjam a universalização em 2033.

"Muitas cidades pequenas não se viabilizam financeiramente", diz. "Então é preciso haver uma união entre cidades grandes e pequenas para que haja capacidade técnica e econômico-financeira para levar investimentos a essas localidades."

*Conteúdo patrocinado produzido pelo Estúdio Folha