Na primeira onda da internet, a chamada web 1.0, os usuários eram leitores entusiasmados com a possibilidade de acessar informações em texto por meio de um computador ligado à rede por modem e telefone. Quem viveu os anos 1990 tem na memória aquele ruÃdo caracterÃstico do momento em que a conexão discada era estabelecida.
Em meados dos anos 2000, muita coisa mudou. Vieram as redes sociais, a banda larga se popularizou e tornou possÃvel o compartilhamento dos mais diversos formatos – imagem, som, vÃdeo. Era o inÃcio da web 2.0, que promoveu os usuários a geradores (e curtidores) de conteúdo. Pessoas e smartphones tornaram-se inseparáveis, surgiu a nuvem e as fronteiras entre online e offline começaram a desaparecer.
Paralelamente, surgiu a internet das coisas (IoT), que passou a conectar também objetos e superfÃcies por meio de tags e sensores que enviam informações de todo tipo.
A internet foi evoluindo até que chegou a pandemia, que colocou o mundo em isolamento e acelerou tudo, inclusive a fusão entre fÃsico e digital. Entramos irreversivelmente na era "figital" (da contração fÃsico + digital) e passamos a viver "onlife" (de online + life). E, quando parecia que terÃamos tempo para assimilar tudo isso, chega o metaverso, que promete mudar tudo de novo.
É assim que começa a terceira onda da internet, a web 3.0 e é este o momento atual, de acordo com Massimo di Felice, sociólogo e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP). "Somos uma sociedade pós-presencial, para quem a distância fÃsica se tornou praticamente irrelevante", afirma. Cirurgias podem ser feitas com o paciente em um paÃs e os cirurgiões em outro. Abrimos conta no banco pelo celular e até carteira de trabalho e tÃtulo de eleitor tornaram-se digitais. Compramos obras de arte de qualquer parte do mundo a qualquer momento, sejam ou não NFTs (tokens não fungÃveis), usando ou não criptomoedas. Nossa forma de trabalhar e prestar serviços também mudou. Hoje, empresas de mobilidade e delivery, por exemplo, conectam pessoas diariamente somente pela internet.
E, por mais estranho que possa parecer, esse é só o começo do que Di Felice define como a transfiguração do mundo. "Nosso mundo real originário deve mudar de sentido", diz. "Sua dimensão será apenas uma das possÃveis, e haverá outras tão relevantes quanto", explica. Ou, como define Christian Perrone, advogado, consultor de polÃticas públicas e head das áreas de Direito e Tecnologia e GovTech do Instituto de Tecnologia e Sociedade, teremos a sobreposição entre fÃsico e digital. "Imagine que será possÃvel conversar com alguém que está em outro continente de uma forma muito mais natural do que numa tela de videoconferência. As pessoas poderão estar na mesma sala, sentadas à mesa, com uso de avatares ou de outra tecnologia que ainda nem imaginamos", diz Perrone.
E essa ideia de realidade e presença é apenas uma das nuances da nova era da internet, que promete ser descentralizada e entregar aos usuários o controle das suas próprias informações, por meio de uma identidade digital, por exemplo. "A ideia é que as relações na web 3.0 ocorram sem a necessidade de tantos intermediários", explica Perrone. Na prática, isso significa fazer compras diretamente de vendedores, sem passar por marketplaces. Ou fornecer apenas o número de cartão de crédito (e mais nada) para assinar um serviço de streaming.
Um exemplo disso é o Pix. Dados do Banco Central mostram que, em dezembro de 2020, foi registrado um recorde de transações: 1,4 bilhão de pagamentos instantâneos foram realizados. Cerca de 40% dessas transações aconteceram entre pessoas fÃsicas (person-to-person ou P2P), que ofereceram produtos ou serviços usando como intermediário apenas o meio de pagamento que, diferentemente do passado, agora é instantâneo e gratuito. E o impacto dessa evolução da tecnologia na população é enorme. Se antes era necessário ter uma conta bancária em uma agência fÃsica, agendar uma transferência e ainda pagar taxa, hoje basta uma conta online com uma chave Pix cadastrada.
Mas há ainda aquelas complexidades que permeiam todas as ondas da web e vão se intensificando com elas. Segurança e privacidade, por exemplo. "Estamos encontrando maneiras de desenvolver tecnologias que possam atender às principais demandas por privacidade, incluindo mais controle sobre os dados pessoais", afirma Yasodara Cordova, principal privacy researcher da IDtech Unico. Para ela, a verdadeira web 3.0 será uma web em que as tecnologias saberão guardar segredos e as pessoas terão mais mecanismos para controlar quem tem acesso a seus dados, com transparência sobre quem os acessou. "As tecnologias que permitirão que isso aconteça virão em parte do mundo das blockchains, e serão intensamente apoiadas pelas chamadas PETs (Privacy-Enhancing Technologies) e por novas técnicas e protocolos criptográficos", diz. Tudo isso representa muito desenvolvimento para melhorar o que já foi desenvolvido até agora. "É um mar de oportunidades", afirma.