Obra parada custa; é preciso inovar para solucionar esse problema

Saulo Cruz/Estúdio Folha
José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC)
José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC)

Presidente da CBIC defende alternativas, entre elas PPPs, para conclusão de projetos como UBSs e creches que estão, em média, 70% concluídos

Retomar as mais de 4.600 obras nos diversos segmentos da infraestrutura que estão paradas no Brasil é uma das principais bandeiras da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). Para o presidente da entidade, José Carlos Martins, a retomada dessas construções pode ajudar o país a criar de imediato 500 mil empregos. Para que as propostas de destravar o setor se tornem realidade, é necessário o empenho de vários órgãos, afirma. Além disso, na avaliação de Martins, é preciso inovar, pensar fora da caixa. Veja os principais trechos da entrevista.

A retomada do crescimento econômico brasileiro está muito lenta. De que forma a indústria da construção pode ajudar a acelerar esse processo?

José Carlos Martins - Só sairemos dessa situação via geração de emprego e retomada do investimento. Porém, o estado brasileiro não tem capacidade de investir. O setor da construção pode ajudar, com investimentos da iniciativa privada ou via parceria público e privado, as PPPs. Podem ser também concessões, aplicações de contratos de performance ou subconcessões. Há vários modelos que poderiam ser viabilizados. É fundamental criar alternativas.

Há quase 5.000 obras do PAC paradas. Entre elas, cerca de 1.700 Unidades Básicas de Saúde. Como resolver essa situação?

Esse caso é emblemático, pois a pesquisa encomendada pela CBIC mostra que o valor médio para a conclusão de cada UBS é de R$ 118 mil. Para finalizarmos todas as 1.700 seriam necessários R$ 200 milhões. Porém, o maior problema é que, muitas vezes após a conclusão, o custo de colocar profissionais, a manutenção e funcionamento da unidade são incompatíveis com a capacidade econômico-financeira da prefeitura. Há uma absoluta falta de planejamento.

Todas as obras paradas têm baixo custo para conclusão?

Cada caso é um caso. São 4.700 obras paradas, o que é muito. Para concluí-las seriam necessários investimentos de R$ 40 bilhões. Há obras de todos os tamanhos, custos e complexidades. Para se ter uma ideia, 2% das obras correspondem a 41% da necessidade de investimento. Essas obras de maior valor deveriam ter tratamento especial. Precisam ser analisadas com lupa. Já as 1.700 UBSs têm perfil diferente, pois estão, em média, 70% concluídas. Se olharmos por outro prisma, esse problema pode ser uma enorme oportunidade, pois significa a geração de empregos para concluir essas obras. Só nesse total de obras paralisadas seriam cerca de 500 mil vagas.

Poderia detalhar como seria possível retomar essas obras?

Uma das propostas da CBIC para o caso das UBSs e das creches seria fazer uma consulta junto às prefeituras, para ver quais teriam condições de terminar a obra. Para aqueles projetos em que as prefeituras não tivessem interesse, poderia ser aberto um edital nacional para chamar a iniciativa privada para participar da finalização dessas construções. A parte do estado que entraria nessa PPP seria o que já foi executado. A iniciativa privada terminaria a obra e teria o direito de uso por um período. Há vários planos de saúde popular, e parte dessas UBSs poderia ser usada por algum desses planos. Obra parada custa. É preciso inovar para resolver esse problema, eliminar a burocracia para o projeto ser viabilizado, senão corremos o risco de jogar todo esse patrimônio fora, porque ele está se deteriorando, sofrendo vandalismo. Uma obra abandonada vira ponto de droga e violência.

Estudos apontam que o setor da construção poderia gerar 1 milhão de empregos diretos. Há outro setor que possa gerar tantos empregos rapidamente?

Não. Além da retomada das obras paralisadas, há várias outras iniciativas ligadas às concessões municipais, manutenção de rodovias, revitalização de centros urbanos, a retomada do Minha Casa Minha Vida, que resultariam na criação de 1 milhão de empregos. Eu não conheço nenhum outro setor com essa capacidade de gerar empregos de forma tão rápida. O setor da construção já teve 3,4 milhões de trabalhadores com carteira assinada. Hoje são 2 milhões. Há muita mão de obra disponível.

No caso de uma retomada, o setor de construção estaria capitalizado para contratar e iniciar os trabalhos?

Esse ponto é crucial, pois todas as alternativas que estamos propondo passam também pela melhoria das condições do crédito, para que as empresas consigam ter acesso às linhas de financiamento, pois o setor está descapitalizado. Não adianta ter linhas de crédito se as empresas não tiverem como acessar. É preciso criar novos formatos. Por exemplo, um contrato assinado poderia servir como garantia para obtenção do crédito. Hoje propomos no crédito imobiliário uma central de recebíveis nos moldes da utilizada no mercado de financiamento de veículos como forma de melhorar as garantias. Precisamos de algo similar para esse mercado. Em contrapartida, as empresas precisariam melhorar sua governança, ser mais transparentes e ter programas de compliance bem elaborados.

A retomada das obras depende de boa articulação política?

Depende de boa vontade de todas as partes envolvidas, como a área jurídica, via Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal de Contas da União, o Legislativo, que é quem terá que fazer as leis e aprová-las, e a Caixa Econômica Federal, que é a gestora da maior parte dessas obras, entre outros atores. Se continuarmos com as regras e condições que valem hoje, não vamos fazer nada, o que seria uma pena enorme, pois significariam bilhões de reais jogados fora, milhões de empregos perdidos e serviço público inadequado para a população, que poderia estar usufruindo desses benefícios.

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