O setor de saúde suplementar obedece a uma série de regulamentações. Vinculada ao Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é o principal órgão que regulamenta os planos privados de assistência à saúde. A ANS normatiza e controla as atividades das operadoras, para garantir a qualidade dos serviços. Mas muitos conflitos entre beneficiários e operadoras são levados ao Poder Judiciário, gerando assim a chamada judicialização da saúde.
O tema foi discutido no painel "Os desafios da judicialização na saúde suplementar", que reuniu Ana Bertani, superintendente jurídica da Abramge; Nathalia Pompeu, diretora executiva do Grupo Hapvida NotreDame Intermédica; e Rodrigo Mafra, gerente de negócios da operadora Sermed Saúde.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), este ano pode terminar com 550 mil novas ações relativas à saúde distribuídas no Judiciário brasileiro. Desse total, 210 mil referem-se à saúde suplementar.
Até julho, 325 mil ações foram recebidas pelos tribunais do país. Se confirmada a estimativa até dezembro, haverá um aumento de 15% nas ações de saúde pública e de 12% nos processos referentes à saúde suplementar, em comparação com o ano passado.
"O acesso à Justiça é um direito de todos, mas a excessiva judicialização traz consequências, como o aumento dos custos, que impacta a sustentabilidade do setor e compromete o acesso à saúde", afirma a advogada Ana Bertani. "Além disso, estimula comportamentos oportunistas e gera sobrecarga e morosidade ao Judiciário."
No ano passado, foram 460 mil as novas ações judiciais sobre saúde, sendo 164 mil referentes à saúde suplementar, com alta de 19% em relação ao ano anterior, segundo o CNJ. "Isso representa 2 mil novos processos por dia", explica Bertani.
O acesso à Justiça é um direito de todos, mas a excessiva judicialização traz consequências, como o aumento dos custos, que impacta a sustentabilidade do setor e compromete o acesso à saúde
Por serem leigos em saúde, como os juízes decidem quem tem razão? Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), em parceria com outras instituições, analisou as ações envolvendo a saúde suplementar que tramitaram na 1ª e 2ª instâncias do Tribunal de Justiça de São Paulo, no período de 2018 a 2021.
O estudo aponta que a taxa de sucesso dos usuários nas ações contra as operadoras foi de 60% nas duas instâncias. Quando incluídas as decisões parcialmente favoráveis aos usuários, a taxa aumenta para cerca de 70%. Os tribunais tendem a condenar as operadoras em cerca de 80% dos casos relacionados à negativa de cobertura assistencial, um dos principais motivos das ações.
Como a saúde suplementar já obedece a uma série de leis e regulamentações, seria esperado que as decisões judiciais discutissem aspectos técnicos dos tratamentos e evidências científicas quanto à sua necessidade, especialmente quando fora do rol da ANS.
Muitas vezes uma operadora é obrigada pela Justiça a custear um medicamento cujo valor é maior do que seu faturamento. Isso pode inviabilizar muitas médias e pequenas operadoras
Mas, na 2ª instância, em apenas 3 dos 599 casos analisados há informação de que foi realizada perícia judicial, em 9 o tribunal informa que perícia deveria ocorrer e nenhuma ação menciona parecer do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT-Jus), fonte de informações do próprio CNJ para casos de saúde.
"Existem vários instrumentos técnicos para auxiliar na decisão, como a lei dos planos de saúde, a plataforma NAT-Jus e comitês estaduais. Mas sua utilização é baixíssima, especialmente nas ações de negativa de cobertura", diz Bertani. "Na maioria das vezes, o juiz decide com base em laudos médicos, usa jurisprudência do tribunal ou aplica o Código de Defesa do Consumidor."
Para as operadoras médias e pequenas, a judicialização tem se tornado um centro de custos pesado, na avaliação de Rodrigo Mafra, gerente de negócios da Sermed Saúde, operadora com sede em Sertãozinho, no interior de São Paulo, que atende a cerca de 75 mil beneficiários.
"Muitas vezes uma operadora é obrigada pela Justiça a custear um medicamento muito caro, que está fora do rol da ANS, e o valor é maior do que o faturamento da operadora", afirma Mafra. "Isso pode inviabilizar a sustentabilidade econômica de muitas médias e pequenas."
Para entrar na Justiça contra fraudadores, as operadoras precisam se estruturar e reunir provas, mas não é fácil. O ideal seria termos legislação específica e delegacias especializadas em fraudes de saúde
Mafra defende a criação de um fundo garantidor, administrado pela ANS, para arcar com altos valores decorrentes de ações judiciais que podem afetar as operadoras. "Seria uma forma de salvar as menores, que têm orçamento finito", propõe.
De acordo com a lei dos planos de saúde, exclusões assistenciais são permitidas. São passíveis de terem sua cobertura negada, por exemplo, tratamentos cirúrgicos experimentais, procedimentos clínicos ou cirúrgicos estéticos e medicamentos importados sem registro na Anvisa.
Operadoras recorrem à Justiça
As operadoras de planos de saúde também recorrem à Justiça. Isso acontece, na maioria das vezes, quando enfrentam fraudes, um problema que tem crescido no setor. "Para entrar na Justiça contra fraudadores, as operadoras precisam se estruturar, com a formação de comitês contra fraudes, além de ter meios para reunir provas e documentos para iniciar um processo", afirma a advogada Nathalia Pompeu, diretora executiva do Grupo Hapvida NotreDame Intermédica.
Segundo ela, a criação de delegacias especializadas em fraudes contra a saúde e de legislação específica, como já existem em outros países, seria uma forma de facilitar e acelerar as queixas-crime. "Precisamos ter tipologia específica para esses crimes e meios de comprovar má fé, para condenar os criminosos e fraudadores."
*Conteúdo patrocinado produzido pelo Estúdio Folha