Imunocomprometidos são mais suscetíveis à infecção pela Covid-19

Além de manter o esquema vacinal em dia, pacientes com o sistema imunológico mais vulnerável devem manter o protocolo de segurança contra o coronavírus

Imunocomprometidos são mais suscetíveis à infecção pela Covid-19

Imunocomprometidos são mais suscetíveis à infecção pela Covid-19 Shutterstock

Vítima de doença renal policística, a santista Adriana Martha Pellicciotti de Souza, de 50 anos, já passou por dois transplantes. No primeiro, em 1987, seu pai foi o doador. Depois da cirurgia, por causa dos medicamentos imunossupressores, imprescindíveis para evitar a rejeição do novo órgão, as defesas naturais de Adriana enfraqueceram -como acontece com todos os transplantados.

Em 2002, Adriana acabou contaminada pelo bacilo de Koch, causador da tuberculose. O microorganismo se instalou no órgão de maior vulnerabilidade de Adriana, o rim doado pelo pai. Em um ano e meio de tratamento, aposentada por invalidez, ela se livrou do bacilo, mas perdeu as funções renais e voltou para a hemodiálise. Em 2004, veio o segundo transplante, agora, graças à doação da irmã. Tudo ia bem, mas recentemente ela foi alvo de uma outra doença oportunista.

Se para grande parte das pessoas o fungo Aspergillus fumigatus, transmitido pelo ar, não causa maiores problemas, entre os imunocomprometidos pode desencadear quadros graves. Adriana até tentou, por alguns meses, controlar a infecção com remédios. Não funcionou. E, em 14 de setembro último, ela voltou à mesa de operação.

No procedimento, perdeu 10% de um dos pulmões. Biopsiado, o material indicou a presença do bacilo de Koch e, hoje, além dos três remédios diários para evitar a rejeição do transplante, ela está sob tratamento profilático contra a tuberculose. Adriana não pode correr o risco de mais uma infecção.

Nos últimos 35 anos, a imunossupressão impôs a Adriana momentos de apreensão. Nada, porém, lhe causou tanto temor quanto o SARS-CoV-2. Assustada, ela evitou sair de casa. Pelo grupo de WhatsApp que mantém com outros transplantados, ela soube da morte de, pelo menos, seis pessoas.

Com a quarta dose da vacina, a santista diz estar um pouco mais tranquila. O que não é motivo para relaxar nas medidas de proteção. Adriana só sai à rua protegida pela máscara N-95, usa e abusa do álcool em gel, está sempre higienizando as mãos e evita aglomerações. Adriana até se reúne com a família e os amigos, mas evita beijos e abraços. E, ao voltar para casa, tanto ela quanto o marido Ciselizio correm para o banho e, sem perda de tempo, colocam as roupas para lavar. "Não posso me descuidar", diz.

Não mesmo. Nem ela, nem os cerca de 2% da população portadores de algum tipo de imunodeficiência.1 O enfraquecimento do sistema imunológico, em decorrência de alguma doença ou tratamento, aumenta a suscetibilidade a infecções (veja quadro). Além disso, eles não respondem com tanta eficácia aos imunizantes.

Os mais vulneráveis entre os vulneráveis são pacientes, como Adriana, submetidos a transplantes de órgão sólido. Conforme estudos multicêntricos americanos, eles precisam de pelo menos três doses da vacina contra o SARS-CoV-2 para alcançar o mesmo grau de proteção que as pessoas saudáveis atingem já na primeira dose. 2

No início da pandemia, o cenário nas unidades de atendimento de imunodeprimidos é descrito pelos especialistas como assustador. "De cada quatro transplantados, um morreu", conta o nefrologista José Osmar Medina, diretor do Hospital do Rim, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Atendíamos 200 pacientes por semana."

A probabilidade de um transplantado se infectar, apesar de já ter sido imunizado, é 85 vezes superior em comparação à população em geral, diz a infectologista Ligia Pierrotti, do Grupo de Infecção em Imunodeprimidos, do Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo. E 485 vezes maior de ele vir a desenvolver doença grave, com necessidade de hospitalização e risco de morte. "Mesmo assim é preciso vacinar", alerta a médica. "Se é ruim com vacina, pior sem ela."

Como lembra o hematologista Nelson Hamerschlak, do Hospital Israelita Albert Einstein, os imunocomprometidos também estão mais sujeitos à Covid longa. Caracterizada por fadiga, falta de ar e disfunção cognitiva, entre os principais sintomas, a síndrome costuma aparecer três meses depois da infecção e dura pelo menos dois meses.3

Apesar do fim do isolamento social e da retomada das atividades econômicas, é imprescindível aos imunocomprometidos que não suspendam os cuidados de prevenção ao SARS-Cov-2. Usar máscara, fazer a higienização constante das mãos e não aglomerar, além, é claro, de manter a vacinação em dia. Os especialistas recomendam que os pacientes conversem com seus médicos porque "cada caso é um caso."

Aos pacientes oncológicos em processo de remissão, Hamerschlak adverte: o câncer pode estar sob controle, mas o sistema imunológico tende a demorar meses e até anos para se restabelecer. A infectologista Ligia diz ser fundamental que as pessoas do convívio mais próximo dos imunocomprometidos sejam igualmente rigorosas nas medidas de contenção da Covid. Só assim é possível criar um cinturão de proteção em torno dos mais suscetíveis.