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Professores, representantes do poder público e agentes do terceiro setor assistem ao 3º Siei. O tema desse foi "Desenvolvimento Integral e Aprendizagem: o mesmo direito, várias realidades" |
Seminário discute os desafios do ensino integral e mostra a importância da escuta da voz dos jovens e do uso da arte e cultura no processo educativo
Educação integral não é apenas o aumento do tempo de permanência dos alunos na escola. É uma proposta que envolve articulação de gestores, educadores, crianças e jovens em torno de um compromisso de desenvolvimento amplo de todos.
Partindo dessa premissa, o 3o Siei (Seminário Internacional de Educação Integral), promovido pela Fundação Itaú Social e pela Fundação SM no Sesc Pompeia, em São Paulo, reuniu pessoas de diversos segmentos para discutir formas para a geração de programas e para a garantia do direito ao acesso de todos a uma educação de qualidade em um país de contrastes.
O Plano Nacional de Educação (PNE) estabelece que até 2024 pelo menos 25% dos alunos da educação básica (ensinos infantil, fundamental e médio) sejam atendidos em tempo integral. Em 2016, o percentual era de 11,5%.
"A educação integral nos tira do lugar. Ela procura saber onde as crianças moram, como vivem", afirmou Pilar Lacerda, diretora da Fundação SM.
O seminário deu voz a jovens e representantes do terceiro setor que atuam em programas educativos. "Precisamos de mais levas de jovens como os que falaram no Siei. É precioso tê-los aqui. Faremos mais, sempre ao lado de quem tem mais intensidade para mexer na situação, o poder público", disse Angela Dannemann, superintendente do Itaú Social.
Um deles foi Daniel Remilik, do Redes da Maré, do Rio de Janeiro. A instituição oferece atividades como cursos pré-vestibular e oficinas culturais. Ele lembrou que a realidade do território onde estão inseridos já é um fator de limitação do acesso à educação.
Confira o que aconteceu no 1º dia de evento
"Não entendemos a educação como uma coisa isolada. Na Maré, por exemplo, nosso maior problema é a violência. Nesse ano, foram 40 dias sem aula. Numa trajetória de doze anos, você perde dois", afirmou.
Depoimentos como esse serviram de ponto de partida para discussões sobre a importância de se considerar os muitos desenhos da educação integral para que o Brasil consiga desenvolver o potencial que a sociedade desigual impede dia após dia. Para Mônica Franco, superintendente do Cenpec, é preciso que a escola se dê conta de que as memórias afetivas das crianças acontecem em espaços que muitas vezes não são vistos como educativos.
"O projeto da educação integral não desenvolve só algumas habilidades. Ela é a percepção do mundo de uma outra forma, o desenvolvimento humano em sua integralidade", afirmou.
Natacha Costa, diretora do Cidade Escola Aprendiz, defendeu que "se a escola pública pode ser a máquina de fazer a democracia, precisamos reconhecer quem somos, o que queremos e para onde queremos ir".
Os palestrantes também destacaram que, em um projeto de educação integral, as vozes de todos precisam ser escutadas.
Confira como foi o 2º dia do Siei
Helena Singer, da Ashoka, lembrou que o Brasil consolidou o direito de toda criança à escola. Mas ressaltou que o conceito de educação resumido a esse espaço está ultrapassado, daí a importância de experiências que trabalham o ensino de outras formas, como as ligadas à cultura.
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"Só daremos a nossa contribuição para o mundo se valorizarmos nossa história, nossa cultura, nossa riqueza", Helena Singer, vice-presidente da Ashoka |
Sem atenção não há nem aprendizado nem ensino
A educadora canadense Catherine L'Ecuyer fala sobre a importância do brincar e da realidade para as crianças
Como garantir a atenção das crianças e sua educação plena em um mundo cheio de estímulos e refém da velocidade? Essa foi uma das questões discutidas pela educadora canadense Catherine L'Ecuyer, autora do livro "Educar na Curiosidade", em sua palestra "A importância de educar na atenção".
Realidade
A atenção nasce do contato com a realidade. Até os seis anos, quando começa o ensino fundamental, a criança não tem capacidade de abstração: entendem o que vê e toca, tem memória sensorial. Por isso é importante preencher a vida dela com realidade. Quando é bombardeada por conteúdos visuais rápidos e frenéticos das telas, ela fica viciada e se entedia diante de outros estímulos.
Brincadeira Desestruturada
Estudos demonstram que esse é um modo privilegiado de desenvolver funções executivas como atenção, autocontrole, planejamento, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva. Crianças nascem com a qualidade inata de descobrir, mas vivem em um mundo com mais telas do que janelas. O ritmo frenético entorpece a curiosidade.
Os "neuromitos"
Os "neuromitos" são as más interpretações da literatura em neurociência. Por exemplo, não é verdade que os primeiros três anos das crianças são críticos e que é preciso enriquecer o ambiente delas nesse período para que se desenvolvam plenamente. Os pais podem relaxar, não precisam virar animadores de auditório. Até os seis anos, a criança não necessita de ensino formal. É mais importante que desenvolva a capacidade de atenção, controle interno, tranquilidade.
Multitarefa é inimiga
Estudos dizem que não é possível fazer, ao mesmo tempo, duas coisas que exijam processamento de informação. Quando tenta fazer isso, a pessoa oscila o foco de suas atividades o que gera mais superficialidade de pensamento, mais erros e menos capacidade de definir relevância.
Prestar Atenção
A criança encontra um objeto e presta atenção em como seu principal cuidador olha para aquele objeto. Se olha com interesse, a criança se interessa. Ela replica o padrão de atenção dos pais.
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"Estou convencida de que a crise da educação é uma crise de atenção", Catherine L'ecuyer, educadora canadense. |
PNE ainda tem de vencer obstáculos para implantação
Investimento público gera alerta em especialistas
A importância do cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE) e os obstáculos para sua implementação foram temas do 3º Siei. O PNE determina diretrizes, estratégias e 20 metas para a política educacional do país de 2014 a 2024.
Uma das dificuldades para sua plena realização, segundo os debatedores, tem sido o investimento público. Secretária Estadual de Educação de Minas Gerais, Macaé Evaristo dos Santos destacou a meta que trata da ampliação dos recursos até o patamar de 10% do PIB. "A meta 20 é a garantia do direito à boa escola, com boa infraestrutura, professores bem formados e permanência da equipe pedagógica em um projeto educativo continuado. Isso não é querer privilégio, é direito", disse Macaé.
Para Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), a garantia de recursos é condição imprescindível em um país com um sistema educacional tradicionalmente desigual. "As populações carentes são historicamente excluídas das escolas", afirmou.
Chico Soares, do Conselho Nacional de Educação, também defendeu o "monitoramento do direito à educação" e o papel da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) nesse contexto. "Sei que a proposta da BNCC é imperfeita, mas estamos explicitando direitos. A exclusão gerada pelo não aprendizado é tão séria quanto a de um grupo aprender menos que outro."
Para a Campanha Nacional de Educação é necessária a revisão do financiamento da educação pública. Hoje, a União responde por 18% dos recursos. Estados e municípios arcam com 40% e 42%, respectivamente. O movimento defende o aumento da parcela da União.
Educadores relatam problemas e celebram sucesso de projetos
Gestores, jovens e pais discutem experiências que buscam desenvolver o aprendizado, reforçar as identidades e trabalhar com a autoestima
Um grupo de pais inquietos de Manaus (AM) se uniu para lutar por dois pontos essenciais: educação pública e de qualidade. Nasceu assim o Cefa (Coletivo Escola Família Amazonas), que hoje atua tanto dentro das escolas
quanto junto à secretaria de Educação.
Essa foi uma das experiências com a perspectiva integral de educação apresentadas no 3o Siei e que contribuíram para a discussão sobre os obstáculos e os êxitos alcançados por esses projetos.
"Pensamos juntos, e não para os educadores. Sempre tendo em mente que qualidade não é nota no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), mas sim uma formação integral: é ver educadores e crianças felizes", disse Ana Bocchini.
Ver gente feliz e protagonista da própria história também é a prioridade da Escola Municipal Professor Paulo Freire, em Belo Horizonte (MG). Ali, a primeira providência foi integrar a unidade ao bairro de alta vulnerabilidade. "Fomos nos apropriando dos espaços e transformando-os", disse a diretora Socorro Lages. Desde 2008, a escola oferece também aulas de dança e prática de esportes.
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"É preciso uma aldeia para educar uma criança. Hoje, todos educam, do professor ao porteiro", Socorro Lages, diretora da Escola Municipal Prof. Paulo Freire, em Belo Horizonte (MG). |
As experiências relatadas mostraram a importância de se levar em conta o território na condução dos projetos. "Na periferia a gente vê a força da inventividade e cria muitas alternativas, principalmente educacionais", disse Jessica Moreira, do coletivo Nós, mulheres da periferia, de São Paulo.
Marcelo Palmares, do Pombas Urbanas, lembrou as dificuldades de levar cultura à Cidade Tiradentes, na zona leste paulistana. Para eles, o uso da arte no processo educacional ajuda a atrair e engajar os jovens.
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"A nossa diversidade não cabe mais em caixinhas, apenas dentro das salas de aula", Marcelo Palmares, Pombas Urbanas |
"Ter oportunidade de acesso à arte e à cultura é uma experiência quepode mudar vidas", concordou Mirelle Bezerra da Silva, do Conexão Felipe Camarão, que preserva a cultura regional em um bairro de Natal (RN).
Para Thábata Letícia da Silva, do Programa Jovens Urbanos, da Cidade Tiradentes, essa vivência também pode ajudar a transformar a autoestima.
"Na adolescência, fazendo artesanato e aulas de vôlei, fui deixando de alisar o cabelo e assumindo as tranças. Quando entrei no teatro, transformou minha vida."