O compromisso com a transição energética já envolve empresas de diferentes tamanhos e segmentos, que investem em ações e políticas para reduzir suas emissões. Foi o que mostrou o painel "Como os diferentes setores da economia estão trabalhando na prática para alcançarem o net zero".
As iniciativas são consistentes e não param de crescer. Na Ambev, por exemplo, 250 caminhões da frota já são movidos a eletricidade, e a companhia planeja dobrar esse número no curto prazo. "Com ambição, projetos e gente boa trabalhando, conseguimos reduzir em mais de 60% as emissões dentro de casa, em comparação com 2003, quando começamos a mudança da matriz energética", disse Rodrigo Figueiredo, VP de Sustentabilidade e Suprimentos para a América do Sul da Ambev.
"Hoje já temos nove operações industriais carbono neutro, o que faz do Brasil a maior operação da Ambev no mundo em carbono neutro", afirmou.
Na Lojas Renner, a descarbonização começou a ser discutida em 2012, associada ao trabalho para mudar a matriz energética. "Com parcerias, como a que fizemos com a Enel, chegamos a 100% de uso de energias de fontes renováveis e de baixo impacto, como solar, de pequenas centrais hidrelétricas, biomassa e eólica", disse Fabio Adegas Faccio, CEO da Lojas Renner.
Agora a empresa lançou um novo ciclo de metas que vai até 2030 e tem como objetivo atingir a neutralidade de carbono em 2050. A Renner estima reduzir em até 75% as emissões geradas a cada peça de roupa até 2030 e neutralizar só o residual até 2050.
OPORTUNIDADE NA TRANSIÇÃO
"O movimento dos países e das empresas para a transição energética está muito forte. Já são 80% os países com metas para a neutralização das emissões, e as empresas também perceberam que vão ter que fazer a transição", disse Carlo Pereira, CEO do Pacto Global, plataforma que apoia o setor empresarial nos objetivos de sustentabilidade.
Segundo Pereira, a aderência das empresas brasileiras já tornou a rede do pacto no Brasil a segunda maior do mundo. "O setor privado global, e especialmente o brasileiro, entendeu que tem uma oportunidade nessa transição."
O estudo da Deloitte mostrou que os benefícios econômicos e sociais da descarbonização são superiores aos investimentos. Porém, para alcançar os objetivos serão necessários investimentos em novas tecnologias.
"Uma forma de diminuir o custo desses investimentos é com a precificação de carbono, que pode também impulsionar novos negócios", afirmou Marcia Massotti, diretora de sustentabilidade da Enel Brasil e mediadora do painel.
O mercado de carbono é novo e promissor no país. "A demanda por créditos de carbono até 2030 tende a crescer 15 vezes em relação ao que é hoje e 100 vezes até 2050. Para alcançar esse potencial, é preciso ter a participação de grandes empresas", afirmou Guilherme Prado, diretor de carbono e energias renováveis da Future Carbon.
Segundo Prado, os projetos de carbono podem ser usados como incentivo para a transição energética no Brasil, gerando benefícios para as empresas.
PARCERIAS
Um desafio atual das empresas que têm políticas avançadas de sustentabilidade é estender suas metas aos fornecedores. Segundo Rodrigo Figueiredo, da Ambev, é importante dar o exemplo, para então engajar a cadeia. "Estamos focando os grandes fornecedores, responsáveis pelas maiores emissões, como os de embalagens, agricultura e logística."
O objetivo da Ambev é ser net zero até 2030. "Acreditamos que no Brasil vamos conseguir antecipar isso em dois ou três anos e queremos fazer a mesma coisa com os fornecedores, com parceria, capacitação e reconhecimento."
Segundo Figueiredo, os consumidores vão exigir das empresas que façam a sua parte. "Tenho certeza de que as empresas que ainda não perceberam isso já morreram e não sabem, porque seus funcionários não vão querer mais trabalhar e elas não conseguirão atrair talentos."
Na Renner, segundo Fabio Faccio, 81,3% dos produtos são feitos com matérias-primas ou processos que impactam menos o ambiente e isso serve de exemplo à cadeia de fornecedores, que é estimulada a ter metas de descarbonização.
Na parte social e de diversidade, a Renner tem 60% dos cargos de liderança ocupados por mulheres. "Hoje temos cerca de 32% de lideranças negras, e a meta é alcançar 50% até 2030", disse Faccio.
Economia de baixo carbono gera oportunidades em diversos setores
A transição para uma economia de baixo carbono vai passar por mudanças nas áreas de transporte, gerenciamento de resíduos, geração distribuída de energia e economia circular. São soluções que vão mudar as cidades e gerar inúmeros benefícios, como mostrou o painel "Novas oportunidades para a transição energética", conduzido por Francisco Scroffa, executivo responsável pela Enel X no Brasil.
Um dos maiores desafios é a eletrificação do transporte público. Existem hoje no Brasil menos de cem ônibus movidos a bateria em circulação. "É um número ainda insignificante perto do total da frota", afirmou Iêda Maria Oliveira, diretora da Eletra e coordenadora do grupo de veículos pesados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE).
"Os caminhões elétricos entraram muito depois no mercado, e a frota atual já passa de mil unidades em circulação no país. Isso mostra que temos ainda muito a fazer e grandes oportunidades para os ônibus", afirmou Iêda.
Estudos apontam que se os 14 mil ônibus da frota de São Paulo fossem trocados por elétricos, equivaleria a anular todas as emissões geradas pelos carros que circulam na cidade. É como se todos os automóveis fossem retirados das ruas de uma só vez.
"Um dos desafios que se tem na mobilidade é a discussão se é um ou outro que vai prevalecer. É elétrico ou a etanol? É elétrico ou a hidrogênio? Na minha opinião, são todos, porque a grande facilidade que o Brasil tem é essa diversidade da matriz energética e temos que aproveitar isso e não atrasar as oportunidades", disse Iêda.
A infraestrutura para abastecer os ônibus elétricos, segundo Iêda, é outro entrave que precisa ser resolvido. "As empresas de energia precisam equipar as garagens e as recargas em terminais para atender uma demanda forte de energia em um sistema que funciona 24h por dia, de segunda a segunda", afirmou.
Mas hoje, segundo Scroffa, já existem tecnologias que permitem o abastecimento e a recarga para que o setor público possa prestar o serviço de mobilidade elétrica. "Um exemplo são os projetos no Chile e na Colômbia, países onde já existem mais de 3.000 ônibus elétricos circulando todos os dias", afirmou.
GERAÇÃO DISTRIBUÍDA
Outra forma de avançar na transição é com a chamada geração distribuída de energia, caracterizada pela proximidade entre os geradores e os usuários e que funciona como redes neurais, com várias conexões.
"Só a área de micro e minigeração distribuídas cresceu 84% de 2020 para 2021. Isso traz um monte de desafios, mas também uma infinidade de oportunidades de negócios", disse Giovani Machado, diretor de estudos econômico-energéticos e ambientais da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Segundo Machado, em 2031, a geração distribuída pode chegar a mais de 20% do consumo de eletricidade.
Não é possível falar em descarbonização sem olhar também para a geração de resíduos. Muitos processos produtivos geram resíduos e dar um fim neles representava custo para as empresas. "Hoje, a solução é repensar a lógica disso, para buscar formas de reutilizar e valorizar esses resíduos", afirmou Leon Tondowski, CEO do Grupo Ambipar, especializado em gestão ambiental.
Segundo Tondowski, cada setor industrial precisa pensar o resíduo de forma individualizada, para encontrar seus próprios caminhos.
Do ponto de vista social, o maior entrave está no pós-consumo, com o descarte de materiais. "Hoje, temos dado uma resposta a esse desafio por meio da integração com cooperativas de catadores. São cerca de 500 as cooperativas que trabalham com a Ambipar", afirmou Tondowski.
DESMATAMENTO
Como o Brasil pode chegar ao chamado net zero? Um estudo realizado pelo Carbon Disclosure Project (CDP) em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) aponta que a descarbonização deve necessariamente passar pelo fim do desmatamento e pela conservação das florestas e por uma participação maior das fontes renováveis, como eólica, solar e biomassa, na matriz energética.
"Outro ponto importante são as novas tecnologias, que devem ser implementadas no país de forma socialmente justa, para que possam realmente contribuir com a sociedade e o meio ambiente", afirmou Luz Dondero, analista de engajamento corporativo do CDP.
Já nos setores de difícil abatimento de emissões, a recomendação de Giovani Machado, da EPE, é o investimento em diferentes tecnologias, como as usadas para captura, uso e armazenamento de carbono, e em inovações, como o hidrogênio verde.
"A transição energética não é uma virada de chave, mas um processo, e precisamos ter um leque de alternativas que ajudem grandes, médias e pequenas empresas, e os consumidores, a reduzirem as emissões", afirmou Machado.
“Transição energética é um tema muito importante, primeiro porque o Brasil é um celeiro de condições e de ofertas de recursos naturais, além de oferecer oportunidades de negócios para produção e uso de energia sustentável e renovável. O Brasil é um porto seguro para investimentos neste setor”.