Uma nova era de avanços e esperança no tratamento dos cânceres hematológicos

Tumores tidos como intratáveis, agora podem ser curados graças aos avanços da tecnologia e ao cuidado humanizado prestado por equipes multidisciplinares

Maria Clara tinha apenas um ano e meio quando chegou ao Hospital Samaritano, em São Paulo, no final de 2020. Diagnosticada com leucemia linfoide aguda (LLA), vinha com os pais do Rio de Janeiro, onde a família mora. Os médicos de lá já a haviam encaminhado para os cuidados paliativos. Depois de várias sessões de quimioterapia, sem sinal de remissão do câncer, julgavam que não havia mais nada a fazer por ela.

Contrariando, porém, os prognósticos iniciais, ela sobreviveu. Foi submetida a uma técnica inovadora de imunoterapia e passou por um transplante de medula óssea (TMO), doada pelo pai, o engenheiro Fabio Ferrari, de 37 anos. Hoje, aquele bebê de rosto inchado e cabelos ralos, por causa dos quimioterápicos, é uma menina vivaz e alegre, dona de uma cabeleira loira, farta em cachinhos.

"Um ano e meio após o transplante, ela está linda, maravilhosa, sem doença", comemora a médica Adriana Seber, coordenadora do grupo de TMO pediátrico do Samaritano Higienópolis, um dos mais importantes centros do Brasil no diagnóstico e tratamento adulto e infantil dos cânceres hematológicos. "É um prazer indescritível quando a gente consegue curar uma criança, sobretudo uma criança que estava em um estágio avançado da doença."

Tão importante quanto o acesso ao que há de mais moderno na medicina, é o cuidado integral e integrado do paciente oncológico, que proporcione a ele e sua família o bem-estar físico e psicológico, imprescindível para o enfrentamento de uma doença, que, apesar dos progressos científicos, segue estigmatizada, cercada por medos e angústias profundas. O tratamento requer uma equipe multidisciplinar, atenta ao cuidado humanizado.

"A gente imaginava que, quando chegasse a São Paulo, fosse encontrar profissionais mais frios", lembra Fabio. "Mas, desde o primeiro dia, o acolhimento foi marcante. Todos trabalhavam com um sorriso no rosto. Havia amor ali."

A menina Maria Clara com os pais e os irmãos
A menina Maria Clara com os pais e os irmãos - Arquivo pessoal

Igualmente fundamental foi o modo como ele e Tatiana, também engenheira, de 37 anos, lidaram com a doença da filha. Não foi fácil, mas não se deixaram abater. "A gente tentou ser feliz, apesar do sofrimento dela. Se ficássemos tristes, ela também ficaria", conta o pai. Vídeos mostram os três sempre brincando, cantando e dançando –e uma equipe calorosa, comemorando com a família, cada etapa vencida.

Passados três meses do transplante, a família voltou para casa. No Rio, Maria Clara foi recebida com festa pelos irmãos Lucas, de 8 anos, e Antonio, de 5.

A felicidade dos Ferrari serve de paradigma para a revolução pela qual passa a onco-hematologia. Nos últimos dez anos, os progressos nos conhecimentos sobre os intrincados mecanismos de funcionamento das células de defesa do organismo aceleraram e abriram uma nova (e fascinante) frente para o desenvolvimento de medicamentos mais precisos e efetivos e com menos efeitos colaterais. "Eu já estou nessa estrada há muito tempo e nunca imaginei que pudéssemos chegar aonde chegamos", diz o hematologista Carlos Sergio Chiattone, professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, coordenador da área de onco-hematologia do Samaritano e 48 anos de medicina.

Os tratamentos atuais, em vez de atacar diretamente o tumor, como fazem os remédios convencionais, estimulam o sistema imunológico do paciente a identificar e combater o tumor. Na nova imunoterapia, células de defesa, em especial os linfócitos, do próprio paciente são moldadas em laboratório para funcionar como um míssil teleguiado contra as células cancerosas. "Caminhamos para abandonar as quimioterapias clássicas", explica o hematologista Guilherme Perini, que trabalha no Samaritano. A cura de tumores mais agressivos chega hoje a 75%. "No mieloma múltiplo, a gente saiu de um aumento de sobrevida do paciente de quatro anos para mais de dez anos", completa Perini. E, importantíssimo, com qualidade de vida.

TERAPIA COM CÉLULAS CAR-T

Uma das abordagens mais avançadas, recém-aprovada no Brasil, é a terapia gênica com células CAR-T. Com essa técnica, os especialistas incluem no DNA do linfócito um gene programado para produzir as proteínas necessárias para que o "exército" de defesa do paciente invista, com força total, contra o inimigo. O tipo de CAR-T varia conforme as características do câncer a ser combatido e segue ativo por ao menos uma década depois da infusão.

Dada a sofisticação do tratamento, para oferecer a terapia CAR-T, o hospital tem de passar por uma acreditação internacional. O Samaritano, que integra a rede Americas, está nesse processo e em breve será uma das poucas instituições brasileiras aptas a trabalhar com os novos fármacos. "Se fosse para começar hoje, já estaríamos preparados", orgulha-se o hematologista Ricardo Chiattone, coordenador de equipe de TMO de adulto da instituição.

Os avanços se estendem às terapias mais tradicionais, como os transplantes. No Samaritano, os resultados dos transplantes se equiparam aos dos melhores centros do mundo. Nos procedimentos autólogos, com células do próprio paciente, a taxa de sucesso chega a 99%, segundo Ricardo Chiattone. Nos feitos com doadores, a taxa pode chegar a 94%.

Responsável técnico - Dr. Maurício Rodrigues Jordão - CRM 98.881