Desafio presente em todas as discussões sobre a redução da desigualdade entre os sistemas público e privado de saúde no Brasil, o acesso às novas tecnologias de saúde ainda sofre com a falta de estratégia, planejamento e coordenação.
As tecnologias em saúde englobam medicamentos e procedimentos de tratamento. Hoje, a análise e incorporação de novos tratamentos e medicamentos ao Sistema Único de Saúde (SUS) são feitos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec). Já no sistema privado, a tarefa cabe à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Especialistas que participaram da mesa “Propostas para que a incorporação de tecnologias beneficie mais pacientes” concordam que uma agência única de incorporação traria agilidade e eficiência ao processo, além de aumentar o poder do Ministério da Saúde para negociar preços por meio de compra centralizada, garantindo maior acesso à população.
André Ballalai
“Está na hora de sentar e pensar em uma política nacional que não é o SUS nem a saúde suplementar, mas em que as partes interajam”
“Está na hora de sentar e pensar em uma política nacional que não é o SUS nem a saúde suplementar, mas em que as partes interajam”, afirma André Ballalai, pesquisador na área de medicina baseada em valor e diretor global de Pricing e Marketing Access da IQVIA em Nova York.
Em 2019, especialistas e pesquisadores responsáveis por estudos de incorporação de tecnologias em saúde do Brasil propuseram uma nova agência de incorporação de tecnologias, que tivesse como pressuposto fazer a incorporação simultânea, tanto para a saúde suplementar como para o SUS.
O objetivo era tornar o processo mais ágil, baseado em evidências e mais responsivo às demandas da sociedade. Mas o projeto foi engavetado.
Nelson Teich
“Primeiro precisamos entender quais as necessidades da sociedade. Em seguida, o quanto as tecnologias agregam verdadeiramente”
O ex-ministro da Saúde Nelson Teich participou da elaboração desse projeto de unificação. “Na discussão de criação de uma nova agência, considero que esse órgão não deveria ser apenas de incorporação, mas de inteligência: temos que mudar a forma como trabalhamos as coisas.”
Segundo Teich, a proposta seria mapear as necessidades da sociedade, avaliar os recursos financeiros, quais as prioridades, como distribuir o dinheiro. Além de definir a compra dos medicamentos, planejaria a distribuição.
Renan Orsati Clara
“O rol da ANS é uma lista obrigatória de cobertura, mas muitos médicos não têm acesso. Precisamos batalhar para que ela se torne mesmo obrigatória”
“Uma das grandes críticas ao sistema atual é que a incorporação de medicamentos pelo SUS, que atende mais de 70% da população, não está ligada à negociação de preços nem a processos de compra”, afirma Renan Orsati Clara, diretor executivo da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc). “Conseguimos a incorporação de várias terapias, mas os medicamentos não chegam aos pacientes. A Conitec aprova a incorporação, mas não é responsável pela compra”, diz.
Outro problema apontado pelos debatedores é que o processo de avaliação das tecnologias de saúde no Brasil é reativo, ou seja, espera-se que a indústria, as organizações de pacientes, as sociedades médicas ou alguma secretaria solicitem a incorporação dos tratamentos ou medicamentos.
“E o governo vai incorporando sem prestar atenção ao equilíbrio ideal da alocação de recursos, o que não é sustentável”, diz Teich. “Do jeito que é feito hoje, pioramos a eficiência do sistema. Primeiro precisamos entender quais as necessidades da sociedade. Em seguida, o quanto as tecnologias agregam verdadeiramente: mais importante que análise de custo-efetividade é benefício clínico. E saber se temos capacidade para pagar. Faltam estratégia e planejamento”, completa.