As principais decisões na área da saúde, tanto pública como privada, costumam deixar de fora quem deveria estar no centro do debate: o paciente. Como ampliar a participação da sociedade para um sistema de saúde mais equânime foi o tema de uma das mesas da 4ª Jornada pela Saúde.
“O sistema de saúde no Brasil não é o SUS nem a saúde suplementar, mas a junção deles. E a segmentação entre público e privado na saúde, da maneira como é feita, traz muito mais prejuízos que benefícios”, afirma Erno Harzheim, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Segundo Harzheim, a participação das pessoas tanto no sistema de saúde como na incorporação de tecnologias tem que mudar. “É preciso adotar uma metodologia compatível com o momento em que vivemos, altamente tecnológico.”
Ele afirma que precisamos ter mecanismos de tecnologia de informação que capte a opinião, a participação, a crítica e a sugestão das pessoas de forma imediata. “Isso não é complexo: pode ser feito com ferramentas muito simples.”
Marta Machado
“Não adianta cada um gritar sozinho no seu canto. Precisamos ser uma voz única no Brasil: mostrar os gargalos das doenças e englobar os pacientes nessa participação”
Claudio Lottenberg
“A saúde deveria ser um dever do cidadão. Se não envolvermos o paciente, não fizermos dele alguém que tem a responsabilidade do seu próprio autocuidado, não teremos uma saúde sustentável”
Erno Harzheim
"As mudanças não precisam ser transcendentais. Elas precisam de conhecimento, de revisão de literatura, de olhar para experiências internacionais, de analisar os êxitos e fracassos e de uma grande autocrítica"
Para a gastroenterologista Marta Machado, presidente da ABCD (Associação Brasileira de Colite e Doença de Crohn), a informação é o primeiro passo para mobilizar a sociedade a ter uma participação mais ativa em todas as instâncias da saúde. Ela representa os pacientes dessas doenças graves, de difícil diagnóstico e que necessitam de tratamentos de alta complexidade.
“Anos atrás, quando falávamos em doença de Crohn, muitos médicos não conheciam. Os pacientes não sabiam nem dizer o nome. Passo a passo, as campanhas de conscientização sobre as doenças, em especial as graves e raras, englobam os pacientes, seus familiares e contribuem para o engajamento da sociedade.”
Mas é preciso ir além. Claudio Lottenberg, presidente do Conselho do Hospital Israelita Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde, defende que “a saúde deveria ser um dever do cidadão: as pessoas precisam se preocupar mais com a própria saúde”.
Ele reforça que é um grande desafio ter um sistema de saúde que seja acessível a cerca de 230 milhões de habitantes. “Em um cenário de aumento da expectativa de vida e com avanços tecnológicos que representam incremento de custos, os modelos atuais vão ter que ser revistos”, afirma.
Segundo Lottenberg, é preciso rediscutir o que faz diferença em relação à saúde: falar sobre nutrição, sobre cidades sustentáveis e mudar o ponto de referência de entrada dos sistemas de saúde, que ainda é um modelo centralizado no hospital.
“Saúde não é só tecnologia nem só hospital. Os hospitais envolvem medicina de alta complexidade. Não se pode direcionar os atendimentos de medicina básica para o pronto-socorro”, diz. E completa: “Em cerca de 90% dos casos, os problemas podem ser resolvidos em uma consulta nos centros de atenção primária. Se não valorizarmos a atenção primária, não vamos assistir a saúde com equidade”.
Harzheim concorda: “A maioria das questões de saúde podem ser resolvidas de maneira muito menos tecnológica e muito menos cara, com altíssima efetividade.”
Marta Machado destaca a importância de o paciente aprender a se cuidar e reforça que o foco dos grupos de apoio aos pacientes e familiares é colocá-los no centro da discussão. “A associação busca o empoderamento do paciente. O primeiro passo é conhecer a doença e assumir a responsabilidade dele no tratamento.”
O paciente é estimulado a se informar sobre as opções de terapias, de exames, de diagnósticos e a importância da adesão ao tratamento. “Ajudamos o paciente a descobrir que existem novas tecnologias, novas drogas, e que, se não estivermos unidos para buscar o acesso a essa medicação, tanto na rede pública como na privada, participando das consultas públicas, por exemplo, o tratamento vai ser impossível. A partir daí, o paciente passa a ser o ator desse cenário", diz Marta.