Saúde precisa de recursos, gestão e integração entre público e privado

"É preciso reduzir os gargalos que existem na coordenação entre União, Estados e municípios", diz economista

Mais de 75% dos brasileiros dependem totalmente do sistema público para cuidar da sua saúde _ cerca de 160 milhões de pessoas, quase o dobro da população da Alemanha. Mas os investimentos do Brasil com a saúde, em torno de 8% do PIB (Produto Interno Bruto), ficam abaixo dos 10% que gastam, em média, os países mais desenvolvidos, segundo dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Como melhorar o acesso da população brasileira à saúde de qualidade foi a questão que norteou os debates durante os dois da 4ª Jornada pela Saúde – "A Blueprint for Success Brazil Summit Digital". Para os especialistas que participaram da mesa “Investimento versus Gestão. O impacto das propostas de reformas que podem gerar melhor equidade na saúde”, a resposta é clara: é preciso ampliar os recursos para a saúde e, ao mesmo tempo, aumentar a eficiência do sistema e explorar a sinergia entre os sistemas público e privado.

A reforma tributária, que está em discussão no Congresso, terá grande impacto na área da saúde e a população precisa participar desse debate. Para Bruno Sobral, economista e secretário-executivo da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), a proposta tem o mérito de simplificar o sistema ao unificar alguns tributos. Entretanto, segundo ele, há o risco de triplicar a carga tributária para o setor. “Estou falando de hospitais, clínicas, laboratórios de saúde, de diálise”, diz. Esse aumento na carga tributária irá onerar ainda mais os custos do setor e pode, por exemplo, obrigar os usuários dos planos de saúde a migrarem para o SUS, pressionando ainda mais o sistema público.

Médico e deputado federal pelo Rio Grande do Sul, Pedro Westphalen defende a necessidade de aprovação das reformas mas lembra que “o meio termo, o equilíbrio e o bom senso vão ter que imperar nesse momento”. Ele também considera um “desastre” a possibilidade de ampliar os tributos no setor da saúde e propõe um diálogo com a participação efetiva de todos os envolvidos. “O que nos afasta são 5% apenas, e 95% nos aproximam. Só que temos o hábito de começar a discussão pelo que nos afasta”, diz.

EFICIÊNCIA

Com passagens pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pelo Banco Mundial, o economista André Medici ressalta a diferença entre os custos da saúde pública e privada no país. Em 2019, o gasto da saúde suplementar estava em torno de R$ 4.532/ano por pessoa. Já no SUS, era de R$ 1.630/ano. Além disso, diz, o setor público precisa melhorar a forma como administra esses recursos. Ele lembra de um estudo feito pelo Banco Mundial, em 2013, que apontou que o SUS perdia em torno de R$ 22 milhões por ano por conta de ineficiências. “A eficiência nos gastos de saúde pode melhorar de várias formas. Uma delas é tentar reduzir os gargalos que existem na coordenação entre governos federal, estadual e municipal.”

Bruno Sobral cita outro exemplo do que considera erros de gestão no setor público. Muitas vezes, diz, hospitais são inaugurados e depois acabam subutilizados porque não foi prevista verba para custeio. O deputado gaúcho concorda e diz que é preciso rever a forma de remuneração do setor e incentivar mais a prevenção. “O SUS hoje paga por produção. Isto é, para a pessoa ficar doente.”

Para Medici, o Brasil vive um momento extremamente delicado. “Temos uma dupla necessidade, a de manter o ajuste fiscal na economia brasileira, mas, ao mesmo tempo, existem as demandas emergenciais em relação à saúde, acirradas pelo tema da pandemia”.

Os três foram unânimes que, apesar da estagnação econômica e da necessidade de reformas, o setor da saúde não pode ser ainda mais prejudicado. A população, ressaltaram os debatedores, também tem de fazer a sua parte - sabendo utilizar o sistema de maneira mais racional e cuidando da própria saúde. “No Brasil, não podemos separar saúde e educação. Uma é dependente da outra. Não existe caminho mais curto para o desenvolvimento do que a cultura, o conhecimento e a educação”, diz Westphalen.

Pedro Westphalen

“O debate deveria começar pelo que os une. O que nos afasta são 5% apenas, e 95% nos aproximam. Só que temos o hábito de começar a discussão pelo que afasta”

Takeda
Pedro Westphalen - Divulgação

André Medici

“O Brasil tem muitos gastos, alguns supérfluos, desnecessários. As duas grandes áreas onde o Brasil realmente precisa melhorar são as de saúde e de educação”

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André Medici - Divulgação

Bruno Sobral

“Têm muitas oportunidades onde o setor privado pode contribuir, principalmente para dar eficiência operacional ao sistema. Mas a demanda tem sempre que vir do setor público”

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Bruno Sobral, economista e secretário-executivo da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) - Divulgação

CONJUNTURA

Estudo aponta impactos econômicos para o setor

Uma análise da conjuntura política e econômica brasileira, feita pela consultoria Prospectiva, foi o pontapé inicial dos debates da 4ª Jornada pela Saúde. O resultado apresentado pelo economista Ricardo Sennes, diretor e fundador da Prospectiva, serviu de alerta sobre a questão do financiamento da saúde.

“Números preliminares indicam um desempenho negativo no período, pressionando o desemprego e com impactos na área de saúde”, afirma Sennes.

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Ricardo Sennes, diretor e fundador da Prospectiva - Divulgação

A prioridade, diz, é encontrar espaço no Orçamento para compensar os gastos a mais na saúde. Ele também lembra que, por conta da pandemia do novo coronavírus, há uma demanda reprimida de atendimento a outras doenças nos sistemas público e privado. A médio e longo prazos, a tendência é de aumento do número de pessoas que precisam de atendimento médico.

As pressões em relação ao Orçamento federal não são apenas na área de saúde, lembra. “A grande questão será qual gasto vai prevalecer em relação ao outro”, questiona.