Identificar uma doença grave nos primeiros dias de vida, antes mesmo do aparecimento dos sintomas, pode mudar completamente a história de uma pessoa. Para muitas dessas enfermidades, o diagnóstico e o tratamento precoces são o único caminho para evitar sequelas como deficiência intelectual grave, comorbidades neurológicas, problemas motores e até a morte.
No dia 26 de maio deste ano entrou em vigor a lei 14.154 que ampliou as doenças detectáveis por meio do Teste do Pezinho na rede pública. Cerca de 50 enfermidades foram incluÃdas no Programa Nacional de Triagem Neonatal -- até então, o teste previa o rastreio de seis doenças (veja quadro nesta página).
Reunidos durante o Fórum Estúdio Folha Triagem Neonatal, em dezembro, os maiores especialistas da área concordam que os desafios para a ampliação do exame em um paÃs com realidades regionais tão diferentes são inúmeros. Mas todos foram categóricos: os benefÃcios para a população e para o sistema de saúde são ainda maiores.
Durante todo o dia, 15 palestrantes, entre especialistas, representantes do Legislativo e de pais de pacientes, participaram de painéis que abordaram o cenário atual da triagem neonatal no Brasil, os desafios da mudança da lei, experiências bem-sucedidas na ampliação do Teste do Pezinho e a importância das associações de pacientes nas polÃticas públicas. O evento foi realizado pelo Estúdio Folha, ateliê de conteúdo patrocinado da Folha, com apoio da Novartis.
Um dos principais focos do evento foi a inclusão da Atrofia Muscular Espinhal (AME), doença muscular degenerativa, entre as enfermidades incluÃdas no programa. Segundo a nova lei, a expansão dos exames do Teste do Pezinho será realizada por etapas (veja quadro). Não há, no entanto, um calendário prevendo quando cada uma dessas etapas deverá ser implementada no Sistema Único de Saúde (SUS).
"O Teste do Pezinho é um exame feito no recém-nascido para identificar doenças graves cujo diagnóstico precoce, seguido do tratamento adequado, muda a história natural daquela doença", explica a endocrinologista Tânia Bachega, presidente da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do Metabolismo (SBTEIM). Bachega abriu o fórum com o painel "Cenário da triagem neonatal no Brasil" e traçou um panorama atual sobre o Teste do Pezinho no paÃs.
Uma agulhadinha no calcanhar do bebê tira gotinhas de sangue, que são colocadas em papel filtro e esse papel é enviado para exame em laboratório. O Brasil foi pioneiro na América Latina nessa metodologia diagnóstica, que começou e ser usada em 1976, em iniciativas isoladas.
Em 2001 foi criado o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN). "A triagem neonatal é a ação de saúde pública de maior eficácia na prevenção dos danos causados por doenças genéticas, evitando sequelas e morte. Não se trata apenas de diagnosticar: o programa prevê o tratamento e acompanhamento dessa criança ao longo da vida. Num paÃs desigual e de dimensões continentais com o Brasil, isso é muito mais complexo do que se imagina", afirma Tânia.
Diante de alteração no Teste do Pezinho, o bebê tem que ser rapidamente encontrado para fazer um teste definitivo de comprovação da doença. Se confirmada, ele é encaminhado para a rede pública especializada e, quando necessário, recebe tratamento e acompanhamento. O programa conta com 30 Serviços de Referência em Triagem Neonatal (SRTN) espalhados pelo Brasil.
O Teste do Pezinho deve ser realizado entre o 3º e 5º dias de vida, nunca antes de 48 horas, pois os resultados podem não ser precisos. E a primeira consulta do bebê deve ser feita até 30 dias de vida.
Segundo Tânia, na maioria dos municÃpios do Brasil, pela necessidade da dar alta precocemente (em 24 horas do parto), a mãe tem que levar o bebê até a Unidade Básica de Saúde (UBS) para colher o teste. "Daà a necessidade de uma educação contÃnua das gestantes e da população em geral para a importância de fazer o Teste do Pezinho o mais rápido possÃvel. Isso deve ser reforçado na alta da maternidade."
Tânia destaca a necessidade de educação sobre a triagem neonatal para o gestor municipal, que deve enviar o material dos testes para análise pelo menos duas vezes por semana. "Há municÃpios que, por falta de verbas, acumulam amostras e só mandam para o laboratório a cada 10 dias."
A médica apresentou dados que mostram a disparidade entre os estados brasileiros. "Embora o PNTN tenha incluÃdo a deficiência da biotinidase e a hiperplasia adrenal congênita no Teste do Pezinho em 2011, em 2019 alguns estados carentes ainda não faziam essa triagem."
Por outro lado, estados que têm apoio do gestor e onde os serviços estão bem organizados já estão ampliando a cobertura do Teste do Pezinho.
No entanto, segundo a especialista, falta estrutura assistencial e sustentabilidade financeira para a ampliação imediata do teste na maioria dos estados brasileiros.
"A ampliação da triagem neonatal pressupõe padronizar os testes para cada um desses grupos de doenças, padronizar os exames confirmatórios, criar equipes médicas especializadas, com geneticistas, para atender os diagnosticados, e oferecer acesso à s medicações. As terapias para cada doença devem estar nos protocolos de diretrizes clÃnicas e terapêuticas do Ministério da Saúde e aprovadas pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias), no SUS. Tudo isso demanda tempo."
Para Tânia, alguns pontos são fundamentais para a ampliação da triagem neonatal no Brasil, que vão desde a educação continuada da população e dos gestores estaduais e municipais sobre o tema à melhora dos indicadores de cobertura nacional. "A triagem neonatal é uma metodologia efetiva para o diagnóstico e tratamento de várias doenças graves, mas sua efetividade dependerá da performance de seu fluxo de ação. A ampliação vai demandar grandes esforços, e medidas para melhorar a triagem em áreas carentes do Brasil também são necessárias", conclui.
Material destinado ao público geral. BR-25405 Dez/22.