Exemplos bem-sucedidos mostram os caminhos para ampliar programa

Estados que já incorporaram mais doenças ao Teste do Pezinho reforçam que os investimentos iniciais são compensados no longo prazo e enfatizam os benefícios à saúde da população

Painel 3, “Experiências Bem-Sucedidas da Ampliação da Triagem Neonatal”

Painel 3, Experiências Bem-Sucedidas da Ampliação da Triagem Neonatal” MASAO GOTO FILHO

Alguns estados brasileiros já se anteciparam à lei 14.154, aprovada no ano passado, e ampliaram o rol de doenças no Programa Nacional de Triagem Neonatal. O Distrito Federal, por exemplo, faz o rastreio de 40 doenças desde 2011. Paraná e Minas Gerais incluíram na triagem os distúrbios da beta oxidação dos ácidos graxos, doença que pode causar a morte antes de a criança completar um ano de idade.

São Paulo expandiu o teste para toxoplasmose, galactosemias, deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD), imunodeficiências primárias e conta com um projeto piloto para AME. E o Rio Grande do Sul fez um projeto piloto para várias deficiências, como AME e doenças lisossômicas.

A expansão, claro, não foi rápida e muito menos fácil. Foi necessário investir em infraestrutura, capacitar profissionais, adequar laboratórios, rever a logística da entrega dos exames e, principalmente, conscientizar profissionais e a população sobre a importância do diagnóstico precoce.

O Distrito Federal é referência importante na história da triagem neonatal. "Fomos a primeira unidade federativa a ter essa ampliação. E hoje vemos o quão importante ela tem sido para a saúde pública, quantas vidas a gente salvou e a melhora na qualidade de vida não só para os pacientes, mas também para as famílias. O Teste do Pezinho não é apenas fazer o exame. É um programa que exige toda uma capacitação profissional, um local para ser realizado e dar um seguimento correto ao paciente", afirma Kallianna Gameleira, endocrinologista pediátrica do Serviço de Referência em Triagem Neonatal e Doenças Raras da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.

Kallianna foi uma das palestrantes do painel "Experiências bem-sucedidas da ampliação da triagem neonatal". Ela afirma, porém, que ainda há muito a avançar. "Ainda não fazemos o rastreamento da SCID, que são as deficiências combinadas graves, das doenças lisossomais e da AME. A programação é começar a incluir esses outros três grupos de doenças no primeiro semestre de 2023", afirma.

Sonia Hadachi, do Instituto Jô A Clemente
Sonia Hadachi, do Instituto Jô A Clemente - MASAO GOTO FILHO

Consultor em genômica e membro do corpo técnico da triagem neonatal do DF, Claudiner Oliveira lembra que o planejamento é fundamental. "É preciso estruturar muita coisa: tratamento, acompanhamento, aconselhamento genético, além de uma estrutura laboratorial complexa, com tecnologia das mais avançadas envolvendo a parte bioquímica e a molecular."

Segundo ele, embora o investimento seja elevado, a relação custo-efetividade é muito favorável. "Isso já foi provado por estudos estatísticos. É preciso prevenir o problema antes do pior cenário, quando a criança já está com manifestação da doença. No caso da AME, nós vamos pegar essas crianças pré-sintomáticas. É realmente uma coisa fantástica, que não imaginávamos que pudesse ser feito no Brasil. E isso é graças a um grande somatório de forças."

Claudiner Oliveira, consultor em genômica
Claudiner Oliveira, consultor em genômica - MASAO GOTO FILHO

Sonia Hadachi, coordenadora do Laboratório do Serviço de Referência em Triagem Neonatal do Instituto de Jô Clemente, lembra que a instituição já capacitou 1.500 profissionais de saúde, sendo 800 médicos, entre eles, intensivistas e médicos de unidades básicas de saúde. "É importante que eles tenham orientação e saibam interpretar e como receber essas crianças. Trabalhamos com vários atores para desenvolver um programa de encaminhamento desses pacientes."

O aconselhamento genético é outra etapa importante na jornada dos pacientes. "Todas as crianças que fazem exames confirmatórios, após o molecular, passam com o geneticista para fazer o aconselhamento genético", explica Sonia. Dependendo do problema, os bebês são encaminhados para consultas com especialistas, através de um sistema de busca ativa e entram para atendimento pelo serviço de regulação, sem fila de espera.

Dra. Kallianna Gameleira, endocrinologista pediátrica
Dra. Kallianna Gameleira, endocrinologista pediátrica - MASAO GOTO FILHO

Percussor em diagnósticos de doenças raras no Brasil, o médico Armando Fonseca, diretor do DLE, Diagnósticos Laboratoriais Especializados, lembra que é necessário difundir as tecnologias que foram divisores de águas na área. Hoje, o exame deixou de ser um ensaio para uma única doença. "Com o mesmo disco de papel filtro com sangue seco, que antes se fazia apenas a fenilalanina, hoje é possível aferir 40 erros inatos do metabolismo", explica. A "era dos testes multiplex" não apenas multiplicou parâmetros, mas fez crescer a necessidade de conhecimento e de manejo dessas doenças.

Segundo o especialista, criar essa infraestrutura é muito mais fácil hoje, já que se pode contar mais com o apoio da indústria. "É uma estrutura complexa em termos de rede elétrica, de temperatura adequada e controlada. É fundamental também que as pessoas aprendam a mexer com esses instrumentos analíticos porque existe necessidade maior de interpretação."

Dr. Armando Fonseca, pediatra e diretor do DLE
Dr. Armando Fonseca, pediatra e diretor do DLE - MASAO GOTO FILHO

Os desafios para a ampliação da triagem neonatal envolvem ainda a necessidade de equipamentos suficientes para que o exame seja feito ininterruptamente, e para que os testes confirmatórios sejam realizados em uma plataforma diferente da que realizou o exame de suspeição, essencial para evitar possíveis erros.

Para entender o tamanho do desafio nacional, Kalliana lembra que, para implementar a ampliação da triagem neonatal em Brasília, foram necessários três anos de trabalho. "Apesar de ser uma metodologia fácil, ainda havia erros na coleta. Tivemos que capacitar os profissionais e, hoje, a nossa coleta, é preferencialmente nas maternidades, cerca de 98% das amostras. Isso é o que garante a alta cobertura."

"Quem tem AME tem pressa", diz mãe de duas crianças com a doença

Suhellen Oliveira, mãe de dois pacientes com AME
Suhellen Oliveira, mãe de dois pacientes com AME - MASAO GOTO FILHO

Durante todo o Fórum Estúdio Folha Triagem Neonatal, especialistas reforçaram a importância do diagnóstico precoce. Mas foi o depoimento de Suhellen Oliveira, mãe dos meninos Lorenzo e Levi, que ilustrou o significado real da importância de identificar uma doença grave o mais cedo possível.

Os dois meninos têm AME – Lorenzo, porém, foi diagnosticado quando tinha seis meses de idade. Levi, quando ainda estava na barriga da mãe. E essa diferença de tempo fez toda a diferença no desenvolvimento das duas crianças.

Hoje, dez anos após o nascimento de Lorenzo, Suhellen preside a Associação dos Familiares e Amigos dos Portadores de Doenças Neuromusculares de Pernambuco (Donem-PE) e costuma falar sobre sua trajetória com o objetivo de divulgar a importância da ampliação da triagem neonatal. "A triagem neonatal é urgente porque quem tem AME tem pressa", afirma.

Suhellen conta que Lorenzo foi diagnosticado graças à experiência de uma neurologista que sugeriu um exame de DNA. "Ele já tinha passado por inúmeras internações, intervenções, UTI e, quando veio o resultado, foi só para constatar mesmo", lembra.

Por se tratar de uma doença rara, a desinformação era grande. Com uma semana de internação, ele foi traqueostomizado e os médicos chegaram a dizer que as chances de sobrevivência eram poucas. "Resolvi ir atrás de quem Deus colocaria no meu caminho para tirar meu filho dessa condição. Decidi conhecer bem essa doença para ajudar outras famílias a não passarem pelo que passamos." Começou ali a trajetória de militância de Suellen.

Garantir que o filho com AME tivesse tratamento adequado foi a primeira batalha. Hoje, Lorenzo está em home care, faz terapia de domingo a domingo, frequenta uma escola pública e tem acesso a um ônibus adaptado.

Em 2019, Suhellen engravidou novamente. "Com cinco meses de gestação, veio a bomba: outro filho com AME", lembra. Mas, com um diagnóstico precoce, a família pôde se planejar e iniciar o tratamento o quanto antes.

"Com Levi, a doença veio ainda mais grave. Mas como foi tratado logo, mesmo antes de aparecerem os sintomas, isso lhe proporcionou mais qualidade de vida", diz. Diferentemente do irmão Lorenzo, que se movimenta pouco e é totalmente dependente, Levi tem o controle do tronco preservado, respira sozinho e consegue se alimentar pela boca.

"Trouxe a minha experiência como mãe para que vocês entendam quão importante é a ampliação da triagem neonatal. O que estamos fazendo aqui não é pelos meus filhos, é para gerações futuras", resume Suhellen.

Material destinado ao público geral. BR-25405 Dez/22.